POR: ADAIR OLIVEIRA

Brasília revela, mais uma vez, ser solo fértil para a música. A banda brasiliense Scalene, participante do reality show SuperStar, da TV Globo, vem conquistando telespectadores e internautas a cada aparição no programa. Entre um intervalo de show e outro, o vocalista da banda, Gustavo Bertoni, conversou com o portal CMNDDE VIP.

Durante o papo, o músico falou sobre a projeção vinda de surpresa, mas fruto de um trabalho que vem sendo feito desde o ano de 2009, da formação do grupo, com os amigos de infância Philipe Nogueira, Lucas Furtado e o irmão Tomas Bertoni, e da riqueza do processo de criação artística em grupo.

Conversamos também a respeito das mudanças ocorridas no rock nesta virada de século: “o rock sempre foi um estilo com uma certa pitada de irreverência e ousadia e hoje temos muito mais recursos tecnológicos para experimentar e ‘viajar’. Sentimos falta no mainstream do rock é de um approach sonoramente mais transgressor e inovador”.

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Bertoni contou sobre o novo disco Éter, cujas músicas tratam da espiritualidade, inquietudes e a busca pelo equilíbrio. E, é claro, dos suspiros da cantora Sandy pelo grupo, em especial por Bertoni, além de outros assuntos.

Como nasceu a Scalene?
Somos amigos de infância. Crescemos juntos e sempre gostamos de música. Em 2009, nos reunimos para tocar juntos por diversão mesmo. Mas, no primeiro ensaio, já começamos a compor nossa primeira música. Aos poucos, foi deixando de ser só diversão e se tornou nossa paixão e trabalho.

Quais as influências da banda?
Algumas bandas formam o “núcleo” de nossas influências como QOTSA, Thrice, O’Brother, Radiohead, bem como outras clássicas como Beatles e Metallica. Mas cada integrante vai pra um lado. Eu escuto muito folk, blues e trilhas. Tomás curte muito stoner rock e até algumas coisas mais eletrônicas. O Lucão gosta muito de post-rock e post-hardcore. E o Philipe é muito fã do rock clássico, mas coloca reggae, hardcore e pop na mesma playlist. Dos músicos e interpretes brasileiros curtimos muito Chico Buarque, Tom Jobim, Toquinho e Vinícius de Moraes.

E como surgiu a ideia de participar do SuperStar?
Fomos convidados pela produção para participar. Não nos imaginávamos no programa, mas resolvemos experimentar e hoje pensamos “Onde estávamos com a cabeça?”… [risos].

Como foi a participação de todo o circuito do programa?
O nível de profissionalismo da Globo é surreal. O alcance deles lida com uma proporção que não estávamos acostumados, temos aprendido muito e temos sido muito bem recebidos pelo público e jurados. A experiência tem sido muito positiva, é gratificante e inspirador ver nosso som emocionar tanta gente pelo Brasil.

Como está a preparação para a nova fase do SuperStar?
Já selecionamos a música do próximo programa e estamos só aguardando confirmarem a data que voltaremos ao Projac [centro de produção da Rede Globo]. Estamos com alguns shows marcados e um CD novo que acaba de emplacar no Top 10 do iTunes, simultaneamente com o que temos apresentado no Superstar. Vamos continuar realizando o planejamento estabelecido antes de sabermos que iríamos competir no reality.

Neste ano a Scalene tocou no festival Lollapalooza e, agora, está entre as bandas favoritas para vencer um programa de alcance nacional. Como são essas mudanças para a banda?
Estamos sentindo isso gradativamente. Nos conectamos com muita gente nova e várias portas estão se abrindo. É muito gratificante ver um trabalho árduo de seis anos ganhar reconhecimento nacional.

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E o que mudou para o Gustavo Bertoni que retirou da cantora da Sandy a frase “perco até a compostura”?
Foi um momento bacana ver nossa música tocá-la dessa forma, ela foi muito carinhosa. Mas somos muito “pé no chão”. Ao nos conectar com um público maior, a responsabilidade cresce e isso de certa forma renova nossas energias. Sentimos que esse bom momento é fruto do que plantamos. Somos novos, temos muito o que aprender e crescer ainda. Como compositor, foco muito na parte de criação e como nossas músicas reverberam em nosso público. Estou sempre ligado nas novidades do mercado e ao mesmo tempo pesquisando referências desconhecidas ou obscuras, que sinto que posso trazer para o nosso som. Já meu irmão, está ficando louco e estabelecendo parcerias para ajudá-lo a organizar a parte administrativa da banda. A demanda já cresceu e a tendência é só aumentar. Afinal, ele também compõe e é muito difícil equilibrar esses dois lados.

Vocês produzem uma música que possui uma gramática diferente das bandas de rock nascidas na cidade, como foi a receptividade do público brasiliense?
Tem sido boa, nosso público aqui é demais. Temos visto que até quem não gosta de rock ou não nos acompanha, respeita o trabalho que fazemos ou torce por nós. Receber o apoio da nossa cidade é muito importante para nós.

Mesmo em grupos não deixamos de ter nossas singularidades. Como vocês lidam com as particularidades na escolha das letras para um álbum?
Temos um ótimo relacionamento e, mesmo sendo pessoas bem diferentes, acreditamos nos mesmos valores. O processo de composição, normalmente, consiste em alguém mostrar uma ideia e a banda toda colocar seus insights e influências em cima daquilo. Acho que é a mistura das particularidades de cada um de nós que nos torna uma banda versátil.

Vocês lançaram recentemente o disco Éter. Sobre quais questões tratam as canções do álbum?
O álbum foi um processo de auto-conhecimento para os integrantes da banda. Ele lida com espiritualidade, inquietudes e a busca pelo equilíbrio. Resgatando o antigo conceito de éter [hipotético fluido cósmico extremamente sutil, que enche os espaços, penetra os corpos e é considerado, pela teoria ondulatória, o agente de transmissão da luz, do calor, da eletricidade etc.], e levando em conta que, como seres humanos, somos feitos dos mesmos elementos que o Universo, buscamos despertar o questionamento do que seria esse “quinto elemento” leve e sutil que é capaz de harmonizar e equilibrar os outros quatro mais conhecidos: água, fogo, terra e ar. Nós compomos juntos. Normalmente, vou gravando e anotando ideias e quando chega a hora de compor um disco novo apresento as ideias para a banda. Geralmente, compomos a parte instrumental e a letra vem depois.

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Brasília é conhecida por exportar músicos, no entanto, passamos por um período de intervalo na revelação de novos talentos. O que vocês acham disto?
Isso é proveniente de vários fatores. As pessoas ainda são muito apegadas à safra dos anos 80. Eles foram importantíssimos e devemos honrá-los, mas temos que também valorizar mais a safra atual. Existem várias bandas talentosas e algumas delas dispostas a fazer um trabalho consistente para se promover e crescer. A falta de casas de shows com espaço para bandas autorais e patrocínio mínimo é um pouco preocupante também.

O que acha da cena musical de Brasília?
Não falta talento, a cena musical é ampla e diversificada, há músicos incríveis e vontade de crescer. A união entre músicos de todas as vertentes para fortalecer a cena musical é essencial. O mercado está inflado e, ao mesmo tempo, sem apoio financeiro. É necessário muito empenho e organização estratégica para fortalecermos cada vez a música da nossa cidade.

A Scalene pertence a uma nova geração de bandas de rock. Que avaliação faz dessas transformações ocorridas no estilo musical?
Todos os gêneros, cada vez mais, conversam entre si e novas possibilidades estão sempre sendo exploradas. Hoje em dia, é muito mais fácil ter uma gravação de boa qualidade e isso torna o público mais exigente. O rock sempre foi um estilo com uma certa pitada de irreverência e ousadia e hoje temos muito mais recursos tecnológicos para experimentar e “viajar”. Sentimos falta no mainstream do rock é de um approach sonoramente mais transgressor e inovador que capte o momento atual, tanto no plano individual como da sociedade. Há várias bandas na cena independente que inovam e buscam uma linguagem nova e muitas estão se destacando por isso.

Fotos: Luringa