Adair Oliveira
Fotos: Divulgação
Depois do cubismo, a nova relação com da produção artística da pintora mexicana Frida Kahlo foi com o movimento surrealista, o que se pode conferir com a exposição Frida Kahlo – Conexões Entre Mulheres Surrealistas no México, com curadoria de Teresa Arcq. A iniciativa, do Instituto Tomie Ohtake, traz Kahlo como figura central entre as artistas mexicanas que desenvolveram sua poética em torno do movimento nascido no início do século XX. Esse olhar para Kahlo como uma pintura surrealista foi percebido por André Breton, um dos principais representantes da corrente artística, ao ver a pintura “Lo que el agua me ha dado”, um autorretrato no qual a artista está deitada em uma banheira de onde emergem pequenas cenas, como memórias sobre seu corpo e as demais simbologias que compõem sua obra.
A CURADORIA DE TERESA ARCQ_
CMNDDE VIP: Como surgiu a ideia da mostra?
Teresa Arcq: O projeto foi uma iniciativa do Instituto Tomie Ohtake, para organizar uma exposição sobre Frida Kahlo em colaboração com a Embaixada do México e o
Instituto de Belas Artes do México, Que me convidaram para a curadoria da mostra. A minha pesquisa sobre as obras das artistas Remedios Varo, Leonora Carrington, Alice Rahon e Kati Horna começou há muitos anos, com exposições a partir de 2008 que foram seguidas de um projeto maior em colaboração com o museu Los Angeles of Art (LACMA), sobre as mulheres surrealistas no México e nos Estados Unidos. Em 2013, fui convidada pelo Museu Frida Kahlo para fazer pesquisar os arquivos secretos da artista e fazer uma publicação sobre sua amizade com outras mulheres surrealistas. A pesquisa ajudou-me a estruturar a ideia curatorial para esse trabalho.
CMNDDE VIP: Como você estabeleceu o diálogo entre o surrealismo e a obra dessas artistas?
TA: A conexão deu-se a partir das relações que elas foram construindo umas com as outras. A comunidade artística do México, durante os anos 1920 a 1940, era pequena, por isso, Frida estava próxima de várias mulheres mexicanas, como Lola Alvarez Bravo, Maria Izquierdo, Olga Costa e Cordelia Urueta. Já Frida e Jacqueline Lamba conheceram- se quando ela viajou para o México com o marido André Breton, em 1938. Eles se encontraram novamente numa exposição de Frida, em Paris, no ano de 1939, e em uma viagem seguinte que Lamba fez, em 1944. Em Paris, Frida conheceu Alice Rahon, Remedios Varo, Leonora Carrington, entre outras artistas. Rahon mudou para o México a convite de Frida, que ajudou Varo a buscar asilo político no México, porém, sem sucesso. Quando Rosa Rolanda chegou dos Estados Unidos, tornou-se uma amiga muito próxima de Frida, e uma das primeiras coisas que Sylvia Fein fez ao chegar a este país foi visitar o estúdio de Kahlo. Varo, Carrington e Horna tornaram- se amigas muito próximas também. Como você pode ver, há uma rede muito complexa de conexões entre todas essas mulheres que inspirou a seleção curatorial. Houve várias exposições mostrando o trabalho de Frida com outras mulheres, mas esta é a primeira exposição que explora especificamente as ligações entre Frida Kahlo e outras mulheres artistas relacionadas ao movimento surrealista. A exposição está dividida em vários temas que apresentam o diálogo entre elas e Kahlo. E o conceito curatorial foi desenvolvido com base nessa pesquisa.
CMNDDE VIP: O que o trabalho da Frida tem a dizer ao mundo de hoje?
TA: No passado, as pessoas relacionavam-se com suas questões internas e externas de uma forma muito diferente. A dor e o sofrimento, por exemplo, eram algo muito particular, só compartilhado com a família e amigos íntimos. Frida foi uma inovadora. Ela quebrou a linha que separava o privado do público e não foi totalmente compreendida em seu próprio tempo. Agora, a tecnologia mudou tudo. As pessoas relacionam-se através das redes sociais e nelas publicam eventos privados que são vistos por todos. Na abertura da exposição, em São Paulo, foi mostrado um artigo para o público intitulado “Frida Kahlo, a mãe do selfie”. E eu acho que é assim que as pessoas se vêem. As gerações, especialmente as mais jovens, publicam autorretratos e retratos de sua vida privada para o público. Portanto, Frida é bastante contemporânea a partir desta perspectiva.
_SUBJETIVIDADE E INTENSIDADE
Juntamente com as obras de Kahlo, estarão obras das artistas Maria Izquierdo, Remedios Varo e Leonora Carrington. De acordo com Paulo Miyada, curador do Instituto Tomie Ohtake, a mostra exibirá pinturas, esculturas e fotografias além de registros catálogos e reportagens. Para Miyada, a intensidade, a dramaticidade e a subjetividade das obras dessas artistas tornam este conjunto inquietante até para aqueles mais familiarizados com o movimento que originalmente surgiu na França, na década de 1920, tendo como maior predicado a tentativa de escapar do “império” do realismo e da racionalidade, acenando para o inconsciente, o acaso e o onírico. “Na produção das artistas conectadas ao surrealismo que passaram pelo México, os tópicos já consagrados na discussão do surrealismo multiplicam-se e extravasam muitas fronteiras, o que se reflete em imagens pungentes e inesquecíveis por suas cores e traços impositivos, pelos elementos da cultura nativa mexicana, pelos gestos confrontadores e pelo desprezo por qualquer convenção do que seja o bom gosto burguês tradicional”, conclui. A mostra entrará em cartaz na galeria principal da CAIXA Cultural Brasília, a partir do dia 12 de abril.