Por falta de lei regulamentando o tema, técnicos da Câmara divergem sobre como se daria a escolha do novo mandatário
Uma eventual eleição indireta no Congresso para a escolha do presidente da República pode ter suas regras definidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Por falta de uma lei ordinária regulamentando o tema, como determina a Constituição de 1988, e por existir apenas uma lei de 1964 que estabelece regras para eleição indireta, técnicos do Câmara divergem sobre como se daria a escolha do novo mandatário caso o presidente Michel Temer (PMDB) deixe o cargo, seja por renúncia ou por afastamento imposto por cassação do mandato.
O artigo 81 da Constituição Federal diz que “ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei”, ou seja, o prazo para a eleição contaria a partir da vacância do cargo.
Entretanto, a lei ordinária normatizando o processo eleitoral nunca foi aprovada pelo Parlamento. Técnicos da Câmara ouvidos pelo Broadcast Político, serviço de informação em tempo real da Agência Estado, consideram que a aprovação à toque de caixa de uma lei atualizada poderia ser interpretada como “casuística”, porque ela seria aplicada com menos de um ano da sua sanção.
Há uma lei de 1964, do período da ditadura militar, que se tornou base para as discussões das eleições indiretas e foi utilizada na eleição do general Humberto Castelo Branco (Arena). Pela regra, a eleição seria convocada pelo presidente em exercício, neste caso o presidente da Câmara, e participariam deputados federais e senadores. Há técnicos que consideram, por exemplo, que se a eleição será conduzida pelo Congresso, o pleito precisaria ser convocado pelo presidente do Congresso, no caso o presidente do Senado.
A Constituição em vigor prevê que podem concorrer ao cargo brasileiros natos, maiores de 35 anos e candidatos filiados a algum partido político. A legislação eleitoral diz que o prazo mínimo de filiação é de seis meses e que o candidato precisa ser ficha limpa.
No entanto, considerando a excepcionalidade da situação, há dúvidas se esse prazo poderia ser flexibilizado para que magistrados, membros do Ministério Público ou cidadãos comuns pudessem concorrer. Também há dúvidas se o prazo de desincompatibilização poderia ser excepcionalizado para que ocupantes de outros cargos Executivos pudessem concorrer. Alguns técnicos defendem que as regras aplicadas atualmente pela Justiça Eleitoral para eleições suplementares em Estados e prefeituras sejam aplicadas à eventual eleição para presidente da República.
Tancredo. A última eleição indireta no Congresso ocorreu em 1984, quando Tancredo Neves (PMDB) foi eleito pelo colégio eleitoral. Na ocasião, participaram do pleito deputados federais, senadores e representantes das Assembleias Legislativas.
Em caso de vacância da presidência da República, técnicos com experiência de décadas na Câmara dizem não ter dúvidas de que o STF será acionado para arbitrar sobre as regras da eleição indireta, seja por solicitação do próprio Congresso ou por provocação de qualquer cidadão questionando o rito (se ele vier ser adotado unilateralmente pelo Parlamento). A Corte Suprema já foi acionada para estabelecer regras nos impedimentos dos ex-presidentes Fernando Collor de Mello (PRN) e Dilma Rousseff (PT) porque a lei do impeachment é de 1950 e também nunca foi atualizada.
Como não há consenso sobre as regras para eleição indireta, a discussão neste momento é sobre qual será o papel do Congresso e da Justiça na condução do processo.
“Como não têm lei bem estruturada, e a gente não tem experiência com o tema, a coisa está aberta”, resumiu um técnico.
Eleição direta. Outro caminho para substituição do presidente da República seria via eleição direta (por voto popular), algo que hoje não é previsto na Constituição em caso de vacância dos cargos de presidente e vice-presidente. Há uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de autoria do deputado Miro Teixeira (Rede-RJ) em pauta na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, que precisa ser aprovada para se criar uma comissão especial para debatê-la.
O prazo mínimo de discussão na comissão é de 11 sessões e, para ser aprovada no plenário da Casa, precisaria de 308 votos em duas votações.
No Senado, as PECs precisam passar pela CCJ daquela Casa e precisam ser aprovados por 49 senadores em votações de primeiro e segundo turnos.
Técnicos dizem que o tramitação normal de uma PEC poderia se estender por seis meses, dependendo da celeridade dada à proposta, e lembram que poderia haver questionamento ao STF se sua aplicação se desse no atual mandato. A interpretação é de que a uma legislação aprovada só poderia valer para o próximo mandato e que uma regra para entrar em vigor imediatamente poderia significar uma “ruptura”.
Créditos: Estadão