O novo titular do Ministério da Justiça e ex-ministro da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União, Torquato Jardim, minimizou o fato de o presidente Michel Temer ter recebido na noite de 7 de março, no Palácio do Jaburu, sem registrar na agenda oficial, o empresário Joesley Batista, dono da JBS. Para ele, faz parte da “cultura parlamentar” do presidente ser “afável e acessível a qualquer hora e qualquer lugar”. Em entrevista na sexta-feira passada, antes da nomeação para a Justiça, Torquato defendeu o “reexame” no Supremo Tribunal Federal da competência do ministro Edson Fachin como relator do inquérito que investiga o presidente. Ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral, ele disse também que é “recomendável” que haja um pedido de vista na retomada do julgamento da ação contra a chapa Dilma-Temer. Procurado neste domingo, o ministro não se manifestou.
A circunstância do encontro entre Temer e o empresário Joesley Batista não deveria ter sido mais transparente?
O presidente Temer foi procurador-geral do Estado de São Paulo, secretário de Segurança do Estado de São Paulo, 24 anos parlamentar, seis dos quais presidente da Câmara dos Deputados, então ele tem a cultura parlamentar. A cultura do parlamentar é muito informal, ele conversa com quem o procura, porque ele vive do voto. A imagem que qualquer parlamentar tem que projetar é a da pessoa afável, acessível a qualquer hora e qualquer lugar. Isso é da cultura de qualquer parlamentar, em qualquer parlamento, de qualquer país.
Mas receber um empresário que está sendo investigado, à noite, na residência oficial e fora da agenda, não abre margem para questionamento?
A hora eu não me preocupo, porque o parlamentar, você sabe, começa a trabalhar meio-dia e acaba às duas da manhã. Você vai ao Congresso de manhã e está vazio, as sessões duram até depois da meia-noite. Eu diria que a conduta do presidente não foi algo estranho à cultura de um parlamentar.
E não foi algo estranho à cultura de um presidente?
Ele levou para a Presidência a cultura parlamentar. Os generais levaram a cultura do quartel. Cada um leva o seu passado. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso era muito descontraído, ele levava a familiaridade do parlamentar e do professor que pode a qualquer hora conversar com os seus alunos. É uma questão de cultura.
O sr. não acha que isso deve mudar no futuro? A regulamentação do lobby que o sr. tem defendido diz que o contato entre parlamentares e empresários tem de seguir regras e ser pautado pela transparência.
O presidente da República não é servidor público, então não se aplica a ele regras ordinárias do serviço público. É uma questão de cultura. Talvez tenha que mudar a cultura para não se expor tanto.
Ele não deveria ter tido uma posição mais rigorosa diante das revelações de Joesley?
Não posso comentar sem o laudo técnico da fita. Se a fita tem 70 manipulações como fala um dos peritos, e é um perito famosíssimo, o Molina (Ricardo Molina, contratado pela defesa do presidente Temer para fazer uma análise dos áudios), então eu não sei se aquilo ali não é montagem de diálogo, eu preciso esperar o laudo.
Mas se ficar comprovada uma atitude de omissão do presidente?
Eu não comento nada mais até chegar a fita.
Vai demorar 30 dias para a perícia da Polícia Federal ficar pronta…
O Brasil vai ter que esperar 30 dias, senão fica especulação, o assunto é muito sério para ter especulação.
O sr. acha que a gravação não é motivo para investigar o presidente?
Primeiro, precisa ficar esclarecido se o empresário, quando vai falar com o presidente, se ele já estava comprometido com delação ou não. Se ele foi por conta própria, essa gravação é clandestina e ilegal. Se ele já estava em processo de delação, surge um outro problema constitucional muito sério, já que uma ação controlada contra um presidente da República tem que ter a autorização prévia de um ministro do Supremo Tribunal Federal, e isso não houve, sabidamente não houve. Então ela é nula também. E mais, há abuso de autoridade, há crime funcional de quem autorizou a gravação.
No caso, o responsável seria o procurador-geral da República, Rodrigo Janot?
Não sei, não sei quem autorizou, mas que há, há.
O sr. acha que o presidente vai conseguir terminar o mandato?
Vai. Nas próximas quatro semanas, até começar o recesso parlamentar, teremos cinco peças fundamentais neste quebra-cabeça. A primeira é o Congresso. Se o Congresso Nacional votar a reforma da Previdência, a reforma trabalhista, e outros projetos da pauta econômica o presidente terá mostrado que não perdeu a sua capacidade de governo parlamentarista, manteve a parceria com o Congresso, uma conhecida marca do seu governo. O segundo ponto é o julgamento do TSE. É muito razoável, próprio e recomendável que haja um pedido de vista, é uma matéria muito controvertida. É usual haver vista, é responsabilidade pedir vista, é próprio do julgamento, não haverá nada de excepcional nisso. Mas eu acredito que, apesar disso, antes do recesso de julho, o tribunal tenha decidido o processo.
Quais são os outros pontos?
Também precisamos dar continuidade à recuperação da economia. E, como eu já disse, esperar a chegada do laudo técnico sobre a fita que grava a conversa do presidente Temer com o empresário. Aí é uma imensa interrogação. E, por fim, é preciso haver o reexame no STF da competência do relator desse inquérito, porque ele não é Petrobras, ele não é Lava Jato, e a prevenção do ministro Edson Fachin é de Petrobras e Lava Jato, e não para os demais inquéritos.
Por que a mudança do relator é importante?
Porque cada juiz tem a sua experiência. O juiz que recebe uma acusação séria como essa, fundada em um documento não periciado… Muitos juízes prefeririam primeiro ouvir a perícia antes de dar seguimento à ação.
O ministro Edson Fachin erra ao dar seguimento ao processo?
Essa afirmação é sua, não minha. Cada ministro tem a sua experiência. Se vai para um ministro que já foi de primeira instância, ele terá outra experiência, outra percepção de como tratar o processo. A mudança pode ser relevante, ou não, mas é um ingrediente a ser observado.
Se Temer não conseguir vencer essas cinco barreiras, a permanência dele no cargo corre risco?
Isso é especulação, e especulação é justamente o que eu não faço. Eu coloco os cinco ingredientes, e eles têm que ter um resultado, temos que ver primeiro. Não é um dos cinco que vai resolver o todo, mas é a combinação do resultado deles.
O sr. é muito próximo do presidente Temer. Tem conversado com ele? Ele está preocupado?
O pessoal é pessoal (leva a mão à boca e faz um gesto de silêncio).
Créditos: Estadão