Juristas, constitucionalistas e criminalistas divergem sobre início da validade da regra e se as ações vão sobrecarregar ou não as varas
O Senado aprovou, esta semana, por 69 votos a zero, a PEC que acaba com o foro especial nos casos em que as autoridades cometerem crimes comuns, entre os quais roubo, lavagem de dinheiro e corrupção. Agora, a PEC será analisada pela Câmara.
No Supremo Tribunal Federal, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista do processo judicial que trata do foro. Quatro colegas de Moraes já se manifestaram pela restrição do benefício apenas para crimes cometidos em função e durante o mandato – o relator, ministro Luís Roberto Barroso, a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, e Marco Aurélio e Rosa Weber.
Edson Fachin não votou, mas sinalizou acompanhar o relator. Gilmar Mendes também não votou, mas se manifestou contrário à mudança. Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski podem seguir a mesma linha.
Segundo advogados, caso o Supremo acabe com o foro especial, os efeitos da decisão e da PEC no Congresso seriam os mesmos. Isso porque a PEC, assim como a decisão do STF, teria efeitos imediatos, por ser uma alteração de regra de processo, e não uma mudança material.
Assim, iriam imediatamente para a primeira instância milhares de ações que já correm contra detentores de mandato hoje julgados em foros especiais.
A diferença será apenas se o Supremo ‘modular’ os efeitos de sua decisão, ou seja, o fim do foro valeria apenas para denúncias apresentadas após a publicação do acórdão. É o entendimento do advogado criminalista Fernando Augusto Fernandes, doutor em Ciência Política e sócio do escritório Fernando Fernandes Advogados.
Segundo Fernandes, é possível que o Supremo decida pelo fim do foro modulando os efeitos da decisão. “No entanto, se o Supremo decidir que o foro só vale em relação a fatos ocorridos no cargo, há grande possibilidade de que a Corte faça imediatos os efeitos para todos os casos, o que seria uma decisão política”, avalia.
“Nesse caso, entendo que a decisão seria inconstitucional. Daria a impressão de que o STF deseja mudar a Constituição Federal com interpretações políticas, que afrontam o texto constitucional”, observa.
Na prática, sustenta Fernandes, ‘seria esvaziar a Suprema Corte, deixando com ela somente alguns casos’.
Se isso ocorrer, considera o advogado, seria necessário decidir, caso a caso, qual seria o local de competência para julgar as demandas em primeiro grau.
Já o advogado Daniel Gerber, criminalista e sócio do Daniel Gerber Advocacia Penal e que defende diversos políticos que a Lava Jato investiga, considera que o impacto da PEC também pode ser imediato, uma vez aprovada em votação final.
“Isso porque se trata de regra processual, cuja aplicação ocorre assim que vigente a nova Emenda.”
Por outro lado, diz Gerber, as ações que forem para a primeira instância não serão a causa de maior problema nas varas, que já estão sobrecarregadas.
“Nada garante o processamento mais rápido do que o atual para ações dessa natureza. E a competência de cada vara acabará sendo regida pelas regras gerais do Código Processual Penal, dividida entre federal e estadual, além das subdivisões específicas de conexão, como crimes contra a vida, etc.”
Gustavo Neves Forte, coordenador da pós-graduação em Direito Penal Econômico da Faculdade de Direito do IDP-SP, concorda que, se a PEC for aprovada, irá afetar também os casos em andamento.
Isso porque a alteração se refere a ‘competência absoluta’, não sendo aplicável a prorrogação de competência. “Embora as varas do país já estejam em geral sobrecarregadas, não acredito que o impacto seja significativo. As ações seriam redistribuídas às instâncias inferiores seguindo as regras normais de fixação de competência, com livre distribuição entre as varas igualmente competentes, salvo nos casos em que houver conexão ou continência com feitos já em andamento”, esclarece Forte.
Segundo Carlos Eduardo Scheid, doutor em Direito, professor de Direito Penal e Processual e sócio do Scheid & Azevedo Advogados, eventual modificação legislativa dependerá de análise.
“Se for apenas na ordem processual, terá aplicação imediata, inclusive aos casos em curso, devendo a competência ser firmada de acordo com as regras do Código de Processo Penal, no seu artigo 69 e seguintes”, avalia.
Para Scheid, como existem varas especializadas na Justiça Federal, com magistrados atuando exclusivamente em matéria criminal, a mudança não deve trazer maiores dificuldades para esses juízes.
Fabrício de Oliveira Campos, advogado criminalista e sócio do Oliveira Campos & Giori Advogados, concorda que a Emenda Constitucional terá aplicação imediata.
“Diferentemente das regras de natureza penal, que determinam, por exemplo, se uma conduta será punida ou não e o grau de pena a ser imposta, as regras que tratam de procedimento têm aplicação imediata e atingem os processos no estado em que se encontram, independentemente de quando tenham começado”, pondera.
Para o criminalista, caso todas as ações hoje em curso contra detentores de mandato sejam direcionadas para o primeiro grau, isso não afetaria a rotina das varas. “O impacto não é tão grande. Parte razoável dos processos de agentes com foro por prerrogativa de função no Supremo, por exemplo, tem origem em fatos praticados nos Estados de origem dos envolvidos. Nos Estados, ocorre a mesma coisa no caso de prefeitos, por exemplo, onde os fatos apurados nos processos têm relação com sua atividade nos respectivos municípios.”
Fabrício de Oliveira Campos ressalta que o deslocamento desses processos para a primeira instância ‘não sobrecarregará uma ou outra vara’.
“Os processos serão diluídos de acordo com os locais onde os supostos crimes ocorreram, o que, em termos estatísticos, acaba não representando muita coisa.”
Créditos: Estadão