Crônica:  Valéria Raquel Pereira Martirena

Sem dia certo, mas com hora marcada, 3h no mais tardar 4h, ela chega, sem pedir licença. Finjo não percebê-la, mas não adianta, ela insiste! Mostra que é visita certa e que vai demorar. Tento engabelá-la e nem mexo na cama, fico que nem estátua, mas Insônia de longe avistou o Pensamento e aí já era.

É que os dois são amigos irmãos.

Irritado, porque já sabe o que está por vir, o Sr. Sono pergunta ao Pensamento:

– Por que não me avisaram antes deste encontro, que tinha entrado em ação mais cedo…

Bonachão como sempre Pensamento respondeu:

– Ih, nem me lembrei! Insônia me avisou sobre nosso encontro de hoje há dias. Não posso remarcar. Ademais, estou louco pra saber das últimas da Senhora Justiça, aquela que diz enxergar no escuro e por isso adora conversar com Insônia nas madrugadas.

Sono falou:

– Não sei como você aguenta a tagarelice da Insônia? Sua voz estridente me perturba. Não aguento! Por que você não pede pra essa Dona te visitar durante o dia, Pensamento?

Pensamento justifica:

– Pô Sonão, não me leva a mal. Mas é que Insônia tem fobia social e não gosta de sair de casa de dia, prefere a solidão da noite.

Sono desiste:

-Então vocês que se danem e que fiquem aí de blá, blá, blá, blá. Vou dar uma voltinha no Parque da Cidade, sentir o cheirinho da dama da noite e o frescor do orvalho.

Gente, e eu? Onde fico nessa história? Sou a Dona do corpo onde está o Sono, a Insônia e o Pensamento. Pobre de mim, quando percebi o meu valioso Sono, já tinha mesmo partido, sem me perguntar se podia. Fez lá seu acordo com o Pensamento e pronto. O Pensamento, como sempre, começou a borbulhar, prestigiando efusivamente a visita da Insônia, que inoportuna e inconveniente chega sem ser convidada e não vai embora.

Psiu! Hei! Insônia e Pensamento eu preciso descansar! Amanhã tenho que trabalhar, estudar, maternar…

… e o Sono não vai ter espaço.

Não adiantou…

Continuaram o bate-papo. Não tem jeito! Acho que Sono deve ter se sentado em um confortável banco do Parque da Cidade e nem deve mais estar se lembrando de mim.

O jeito é levantar.

De pé. Ligo o computador, entro em algum site social. Volto para a cama e nada. Levanto pela segunda vez e ligo a TV, assisto a algum programinha sem futuro e nada. Novamente para a cama. Nada! Desta vez, já estou parecendo um bife na panela. Virando de um lado para o outro. E, agora a fome aperta. Levanto pela terceira vez. Vou até a geladeira. Lembro que não é bom comer à noite, mas olho para a janela e vejo o raiar do dia. Já é hora do café da manhã.

Dona Insônia é parceira fiel do Sr. Pensamento e quando eles se encontram, já viu…

…é assunto para a noite inteira. Papo vai, papo vem. Como o ranzinza do Sr. Sono não tem a menor paciência para a dupla . Quando eles aparecem, ele precisa mesmo de dar um role por aí. Respirar ar puro. Só volta no período da tarde, quando tem certeza de que não vai topar com Insônia pelo caminho.

Mas vamos combinar que a falta de paciência do Sr. Sono faz sentido. É verdade que com a Dona Insônia sua paciência sempre foi curta. É que ela o atrapalha muito. Entra, bem no meio da sua jornada. Ele criou ojeriza por ela, não conseguem nem dialogar, mas com o Pensamento ele já argumentou bastante, tanto que já se cansou.

Sono já falou com Pensamento sobre a questão da definição dos horários e que aceita partilhar a noite, com o Sonho, que é seu parceiro de sonoridade e por outro lado coadjuvante do Pensamento, no campo das idéias. O advertiu de que deveria vir de dia e ir embora à noite, mas não adianta, amigo inseparável da Insônia permanece ali, até a hora em que ela bem entende.

Enquanto preparo meu queijo quente tenho a brilhante ideia de, a partir de agora fazer como Robson Crusoe, marcar as noites que passar acordada. Estas devem ser subdivididas em pelo menos três categorias: noites trabalhadas, noites cuidando de crianças, noites com insônia.

Neste momento tenho um acalento, me recordo que já li que Clarice Lispector sofria de insônia e disse que se não fosse por isso não teria produzido nem a metade de seus textos, Danuza Leão arrasta móveis e arruma malas nas madrugadas para espantar a dita cuja. Pois então não é que a Dona Insônia adora visitar as talentosas! Acho que não vou mais reclamar de suas visitinhas e vou até passar a servir-lhe um chazinho! Quem sabe no futuro não entro pra este time?