O presidente Michel Temer disse, em ofício enviado à Justiça Federal em Brasília, desconhecer o esquema de pagamento de propinas na Caixa Econômica Federal em troca da liberação de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Em um documento de cinco páginas, no qual responde a perguntas feitas pela defesa do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Temer negou que tenha indicado alguns de seus principais aliados para o comando do banco. Disse ainda que doações de campanha feitas por empresas investigadas ao PMDB, durante o período em que presidiu o partido, não foram vinculadas à aprovação de investimentos do banco.

O presidente foi arrolado como testemunha por Cunha, que é réu em ação penal que avalia o esquema de corrupção na Caixa. Em função do cargo que ocupa, teve o direito a responder por escrito aos 22 questionamentos do ex-deputado, atualmente preso em Curitiba. O ofício foi enviado nesta segunda-feira, 17, ao juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal de Brasília.

A lista de perguntas é considerada por investigadores um roteiro de uma eventual delação premiada de Cunha. Na gravação feita pelo empresário Joesley Batista, dono da JBS, e entregue à Procuradoria-Geral da República (PGR), Temer disse estar sendo “fustigado” pelo ex-deputado ao se referir a elas.

O presidente negou que tenha indicado o atual ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco, e o substituto dele, Joaquim Lima, para a Vice-Presidência de Fundos e Loterias da Caixa. Afirmou ainda que não conhece Fábio Cleto, apadrinhado de Cunha que exerceu o cargo depois e foi o primeiro delator do esquema de desvio de recursos.

Questionado três vezes se teve conhecimento de “vantagem indevida” paga a Moreira Franco em projetos da Caixa, como o Porto Maravilha e a associação da Odebrecht no Porto de Santos, o presidente foi lacônico: “Não”.

Temer disse conhecer o dono da OAS, José Adelmário Pinheiro, o Léo Pinheiro, e afirmou não ser “improvável” ter estado com o ex-presidente da Construtora Norberto Odebrecht, Benedicto Júnior. As duas empresas são suspeitas de pagar propinas na Caixa.

Questionado se já participou de alguma reunião dos empresários com Moreira Franco para tratar de doações de campanha em 2010, 2012 ou 2014, respondeu: “Com Léo Pinheiro, que colaborou com a campanha de vários candidatos do PMDB, sim”. Ele explicou que os encontros ocorriam em seus “locais de trabalho”.

O presidente negou que as contribuições da empreiteira e de outras 11 empresas investigadas por se beneficiar do esquema tivessem relação com a liberação de recursos do FGTS. “Não tenho conhecimento de recebimento de qualquer vantagem indevida. As empresas que doaram, fizeram-no oficialmente.”

O presidente disse que não acompanhou a arrecadação da campanha do ex-deputado Gabriel Chalita (PMDB), seu afilhado político, à Prefeitura de São Paulo quando questionado sobre eventual financiamento dessas empresas.

Temer disse não ter conhecimento sobre possível interferência do ex-prefeito do Rio Eduardo Paes (PMDB) para acelerar o Projeto Porto Maravilha – também houve corrupção na obra, segundo a Lava Jato.

Sobre a relação com Henrique Constantino, da Gol Linhas Aéreas, Temer afirmou conhecer o empresário, mas disse nunca ter tratado com ele assuntos relacionados a financiamento de suas empresas pelo FI-FGTS. Em proposta de delação entregue à PGR, Constantino relatou um encontro com o então vice-presidente Michel Temer, no qual ele teria avalizado um repasse de R$ 10 milhões para campanhas do PMDB. Entretanto, Constantino não disse se Temer sabia que os valores estavam relacionados aos negócios da empresa no FGTS.

O Estado revelou em março que Constantino confirmou em negociação de um acordo de colaboração ter feito apenas pagamentos para o deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e ao corretor Lúcio Funaro, ambos presos, em troca de apoio na liberação de valores do fundo de investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Ainda segundo Constantino, o ex-ministro Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) teria participado da reunião em que os pagamentos foram definidos.

O ex-integrante do Conselho Curador do FI-FGTS André Luiz de Souza, preso no Complexo Penitenciário da Papuda, foi tema de três das 22 perguntas formuladas por Cunha para Temer. Perguntado se conhece Souza e se participou de alguma reunião com ele para tratar de assuntos relacionados ao Fi-FGTS, Temer afirmou que recebeu “muitos empresários, acompanhados de diversos agentes políticos”, mas que não se “recorda do nome de todos”.

Indicado para o FI-FGTS pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), Souza teve a prisão preventiva decretada pelo juiz Vallisney em maio e se entregou à PF em São Paulo no início de junho. O sindicalista é acusado de receber propina de grandes empresas para facilitar a liberação de valores do FGTS.

Em seu acordo de delação, a Odebrecht, uma das investigadas na Sépsis, afirmou que pagou em 2009 R$ 8 milhões para André de Souza em troca de um aporte R$ 650 milhões do próprio fundo.

O esquema de corrupção na Caixa foi investigado na Operação Sépsis, deflagrada pela Polícia Federal em 1º de julho de 2016, com base nas delações de Fábio Cleto e do ex-diretor da Hypermarcas Nelson Mello.

A operação prendeu o corretor Lúcio Bolonha Funaro e foi a primeira investida da PGR contra empresas do grupo J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista. A investigação que deu origem a operação mirava o pagamento de propina de grandes empresas para conseguir aportes milionários do fundo de investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (Fi-FGTS). Entre as empresas alvos da Sépsis estão o grupo Constantino, a OAS, a Odebrecht, a Brado Logística e o Grupo Moura Dubeux.

 

Créditos: Estadão