O inverno chegou. Neste domigo, 16 de julho, estreiou mundialmente, na HBO, a aguardada sétima e penúltima temporada de “Game of Thrones”. Já nos cenários espetaculares da Irlanda do Norte, onde são gravadas muitas cenas importantes da série, agora é verão. E o segundo semestre é um ótimo período do ano para visitar as locações. Nunca assistiu a nenhum episódio? Não pare de ler aqui.
As paisagens do norte da ilha são sensacionais há milhões de anos. Bem antes de George R.R. Martin escrever na década de 1990 “As crônicas de gelo e fogo”, inspiradoras da série épica com o número quase inacreditável de 25 milhões de espectadores em todo o mundo. Hoje a região litorânea da Irlanda do Norte, que passa a maior parte do ano em tons de cinza, oferece boa infraestrutura turística e é um surpreendente e bem-vindo sopro de ar fresco (ou, na maioria das vezes, gelado) em um roteiro pela Europa.
Até 1998 — antes do acordo de paz entre católicos (que buscavam independência do Reino Unido e formação de uma república com a Irlanda) e protestantes (que defendiam a monarquia e a permanência na união) — o cenário mais conhecido da Irlanda do Norte era a guerra civil. Com o fim de três décadas de conflitos, os chamados The Troubles, o imenso potencial turístico passou a ser explorado.
Em 2012, foi inaugurado o incrível Titanic Belfast, moderno museu que conta a história do naufrágio no lugar em que o navio foi construído. Um ano antes, o sucesso de “Game of Thrones” começara a chamar a atenção para as paisagens da ilha. Pacificada e integrante do Reino Unido, a Irlanda do Norte sabe como poucos — há outras locações pela Europa — tirar proveito da exposição mundial. O jornal britânico “Independent” estima que “Game of Thrones” já rendeu a ela mais de 80 milhões de libras esterlinas (o equivalente a cerca de R$ 350 milhões).
Nosso roteiro mostra onde ficam no mundo real lugares como Winterfell, Kingsroad e Iron Islands. Em alguns dos cenários ao ar livre, fotos e textos curtos relembram os episódios gravados ali. Alugar um carro é uma opção; as estradas são boas e bem sinalizadas (só leve em conta que a mão é inglesa). Há também diversos passeios turísticos de um dia ou mais pela Causeway Coast, estrada cênica que percorre o litoral, repleta de locações. É possível ainda contratar um motorista ou fazer uma parte do programa em ônibus ou trem. Escolha o transporte que combinar melhor com seu estilo de viagem e transforme ficção em realidade.
GOT ‘OR NOT’: DO ATLÂNTICO À SEGUNDA MAIOR CIDADE
Uma das principais atrações turísticas da Irlanda do Norte fica a cerca de uma hora de carro de Belfast, ao norte da capital. É a Giant’s Causeway, ou a Calçada do Gigante, ótimo ponto de partida para um roteiro GoT or not. O nome combina com a fantasia de “Game of Thrones”, só que nenhuma cena foi gravada ali.
Mas a primeira atração temática está logo na saída de Belfast: a pedreira Wolf Hill, que aparece coberta de neve criada por computação gráfica (inclusive na nova temporada, segundo relatos de sites especializados). No mundo real, sem efeitos especiais, o paredão é só uma pedreira à beira de uma autoestrada. Sem lugar decente para parar ou fotografar. Vá direto a Causeway Coast.
À beira do Atlântico Norte, a Calçada do Gigante é uma formação basáltica das mais impressionantes. Patrimônio Mundial pela Unesco, reúne cerca de 40 mil colunas de basalto formadas há 60 milhões de anos por atividade vulcânica e agrupadas de diferentes formas (fãs de Led Zeppelin talvez se lembrem da capa do álbum “House of the Holy”).
Artesanato com nome e endereço
Dá para caminhar um bocado, subir nas pedras e fazer selfies se equilibrando nos topos lisos e escorregadios de rochas de tamanhos diversos. Mas também se pode pegar um ônibus no centro de visitantes e desembarcar no trecho mais bonito, de onde ainda se vê algo como os tubos de um órgão musical esculpidos naturalmente no paredão rochoso.
Reserve um tempo para o centro de visitantes, inaugurado há cinco anos. Diferentemente do que se costuma ver em atrações turísticas mundo afora, a maioria dos produtos à venda é feita por artesãos da Irlanda do Norte. Cada objeto de design é mais bonito que o outro, todos com nome do artista, local de trabalho e breves explicações sobre a técnica usada. Difícil resistir a uma lembrança. O café também prioriza produtos locais.
A Calçada do Gigante fica em Bushmills, vilarejo conhecido por sua destilaria, a mais antiga da Irlanda do Norte. Ela funciona oficialmente desde a segunda metade do século XVIII, mas a licença para destilar é ainda mais antiga, do início do XVII. É possível visitar a Old Bushmills Distillery sem fazer reservas.
Se não estiver dirigindo, aproveite para degustar um single malt premiado ou experimente o ótimo uísque irlandês Black Bush. Para almoçar em Bushmills, The French Rooms, aberto de quarta a domingo na rua principal, é um restaurante bonito e gostoso. Como o nome indica, a decoração e o cardápio são de inspiração francesa. Mas com a utilização de ingredientes locais, como salmão defumado, carnes curadas e queijos.
A apenas cinco ou dez minutos de carro de Bushmills e da Calçada do Gigante, caçadores de locações encontram mais um cenário de “Game of Thrones”: as ruínas do Dunluce Castle. Ou a Casa Greyjoy. Encarapitado no topo de um penhasco de basalto debruçado sobre o Atlântico Norte, o castelo medieval justifica a parada para fotos.
De Bushmills, uma hora de estrada leva a Derry ou Londonderry (o nome é motivo de disputa entre irlandeses e britânicos, e ambos são usados). Vale a pena sair do roteiro de paisagens cênicas para conhecer a cidade, a segunda maior da Irlanda do Norte e uma das mais afetadas no The Troubles. Derry é o triste endereço do Bloody Sunday, massacre de civis ocorrido em 1972 que, dez anos depois, inspirou a canção dos irlandeses do U2, “Sunday Bloody Sunday”.
Uma ponte para unir uma cidade
Também em 1972 o bonito prédio do Guildhall, do século XIX, foi alvo de duas bombas. Hoje está restaurado e aberto a visitas. Fica em frente a uma das entradas da antiga cidade, cercada por muralhas do início do século XVII. Fora das muralhas, em Bogside, há murais mostrando episódios de The Troubles. Passeios guiados pela galeria ao ar livre ajudam a entender mais a conturbada História recente da Irlanda do Norte.
À noite, a dica é a Walled City Brewery, cervejaria artesanal que acaba de comemorar seu segundo aniversário. Além de bebidas produzidas no local (um dos donos trabalhou por mais de década na Guinness, em Dublin), há um restaurante com delicioso cardápio de tapas. A cervejaria fica do outro lado do Rio Foyle, que cruza Derry. A dez minutos de caminhada do Guildhall pela simbólica Peace Bridge, ponte de pedestres inaugurada em 2011 para tentar unir dois lados de uma cidade historicamente dividida.
DAS ILHAS DOS GREYJOY À FORTALEZA STARK
Após algumas cenas no mundo real em Derry ou Londonderry é hora de voltar à fantasia de “Game of Thrones”. Retorne para a Causeway Coast na altura de Ballintoy Harbour. No caminho para o litoral não deixe de parar em Dark Hedges. O local será facilmente reconhecido pelos fãs como a Kingsroad. Já Ballintoy Harbour é Lordsport, em Iron Islands, ilhas controladas pelos Greyjoy. Estes são dois dos cenários mais importantes e bonitos entre as locações na Irlanda do Norte.
Dark Hedges é tudo o que se espera de um lugar simbólico de “Game of Thrones”: as centenárias árvores curvas formando um túnel na estrada criam um ambiente mágico e um dos mais fotografados de toda a região. Ano passado foi pintada uma faixa de trânsito no asfalto da estrada. Os fãs reclamaram, e a linha divisória já não está mais lá.
Pois é, na Kingsroad do mundo real há imensos ônibus de turismo e carros. Ainda que poucos, porque a curta estrada em meio a fazendas não é caminho para nada. Há muitos momentos sem veículo algum, só com visitantes caminhando. Às vezes, nem isso.
As faias de Dark Hedges foram plantadas no século XVIII pela família proprietária da Gracehill House, no acesso para a casa. Hoje a mansão georgiana tem campo de golfe e restaurante, uma opção para o almoço.
É também o endereço de uma das dez portas de “Game of Thrones”, feitas com madeira de árvores de Dark Hedges derrubadas por uma tempestade no inverno de 2016. Na temporada passada da série, as portas foram inauguradas a cada episódio em locações da Irlanda do Norte, no projeto “Doors of Thrones”. Os elaborados desenhos esculpidos em cada uma delas retratam cenas de GoT.
Winterfell da vida real
De Dark Hedges são 20 minutos até Ballintoy Harbour, pitoresco porto de pescadores repleto de pedras e dublê de Lordsport, em Iron Islands. Em um dos lugares mais bonitos do roteiro, é possível notar a fúria das ondas do Atlântico Norte e, em dias claros, avistar a Escócia. Perto fica a Carrick-a-Rede Rope Bridge, atemorizante ponte de cordas entre dois penhascos, 30 metros acima do nível do mar, construída no século XVIII por pescadores para a pesca de salmão. Pode ser cruzada pelos corajosos do século XXI.
A próxima parada é em Cushendun Caves. As cavernas foram formadas há 400 milhões de anos ao lado de uma tranquila praia de seixos. Em uma delas nasceu o assustador bebê de Melisandre. Adiante, seguindo pelo litoral, às margens da Ballygally Bay, fica o Ballygally Castle, do século XVII, hoje um Hastings Hotel. Com vista para a Escócia, é boa base para explorar os cenários na região e abriga outra das dez portas temáticas do projeto “Doors of Thrones”. O nascer do sol tinge o mar de cor-de-rosa e justifica acordar cedo.
Do Ballygally Castle continue rumo ao Sul. Passando direto por Belfast chega-se a Castle Ward, que está a menos de uma hora da capital. O castelo do século XVIII serviu de locação para a fortaleza dos Stark, e toda a bonita região ao redor apareceu no seriado como Winterfell. Hoje o lugar funciona como uma espécie de parque temático.
O castelo é explorado pela Winterfell Tours, empresa de turismo que oferece passeios a partir de Belfast. Fãs mais dedicados podem vestir capas com golas de pele e praticar arco e flecha. O almoço, a ser comido com as mãos, é servido numa tenda enfumaçada. O cheiro de fumaça se impregna nas roupas. Mas quem liga para isso quando pode tirar uma foto em uma réplica do trono de ferro?
MAIORIA DAS CENAS DE ESTÚDIO É GRAVADA EM BELFAST
A capital da Irlanda do Norte não é um cenário da série “Game of Thrones”, mas a maioria das cenas de estúdio é gravada nos Titanic Studios, um dos maiores da Europa. Logo, é em Belfast que surge o primeiro sinal de que as gravações da série recomeçaram. Da quinta para a sexta temporada, por exemplo, se alguém tinha alguma dúvida de que Jon Snow voltaria, ela foi dissipada quando o ator Kit Harington foi visto em um pub na capital durante o verão, quando as gravações têm início.
Os estúdios ficam no local dos estaleiros da Harland & Wolff, pelos quais a cidade foi conhecida na virada do século XIX para o XX. O local onde nasceu o Titanic tem um museu muito bacana, que conta a história do importante passado industrial do bairro, da construção do navio e de sua única viagem. Inaugurado em 2012, o Titanic Belfast é um marco da recuperação da região.
Hoje, além dos estúdios e do museu, o Titanic Quarter tem bares, restaurantes, prédios residenciais e comerciais. Ainda este ano deve ser inaugurado o Titanic Hotel Belfast. Os estúdios não são abertos ao público. A única exceção foi para a Rainha Elizabeth II, em 2014. Ela viu o trono de ferro. Mas recusou o convite para se sentar nele.
Créditos: O Globo