A Polícia Federal apontou indícios de que o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Raimundo Carreiro, e o também ministro da Corte Aroldo Cedraz fariam parte de um esquema de corrupção para favorecer a empreiteira UTC em um processo relacionado às obras da usina de Angra 3 na Corte. Em relatório conclusivo sobre a investigação, a delegada Graziela Machado da Costa e Silva sustenta que as provas colhidas corroboram declarações de cinco delatores da Lava Jato, que mencionaram pagamento de R$ 1 milhão ao advogado Tiago Cedraz, filho de Aroldo Cedraz, para que conseguisse influenciar o julgamento do caso.

O inquérito da PF elenca documentos e mensagens que indicariam a atuação de Tiago em suposto tráfico de influência perante ministros do tribunal entre 2012 e 2014. Informa que milhares de ligações foram feitas entre telefones atribuídos ao advogado e os gabinetes de Aroldo Cedraz e Carreiro, parte deles em dias relevantes da tramitação do processo, o que demonstraria seu “acesso” a eles e a seus assessores.

A quebra dos sigilos bancário e fiscal apontou que os investigados movimentaram grande volume de recursos ainda sem comprovação de origem. As conclusões foram enviadas à Procuradoria-Geral da República, que decidirá sobre eventual denúncia contra Carreiro, Aroldo Cedraz e o filho. O mesmo relatório implica os senadores peemedebistas Edison Lobão (MA), Romero Jucá (RR) e Renan Calheiros (AL) por integrarem um outro núcleo possivelmente corrompido por empreiteiras da obra de Angra 3, como informou em junho a revista Veja. Os três negam.

O inquérito sobre corrupção no TCU foi instaurado em 2015, depois que o acionista da UTC, Ricardo Pessoa, declarou que fazia pagamentos a Tiago para obter informações privilegiadas da Corte. Ele e Walmir Pinheiro, ex-diretor financeiro da empreiteira, relataram que o advogado teria pedido R$ 1 milhão para conseguir que o TCU liberasse, em 2012, a licitação para a montagem eletromecânica da usina. Pessoa e Pinheiro fizeram acordo de delação premiada.

Graças à decisão, o contrato foi assinado em 2014, ano em que o montante teria sido repassado, em espécie, ao advogado, segundo os relatos. Os delatores Luiz Carlos Martins, da Camargo Corrêa, Gustavo Botelho, da Andrade Gutierrez, e Henrique Pessoa Mendes, da Odebrecht, disseram que a operação para comprar votos na Corte foi discutida em reuniões entre representantes das empreiteiras, que integravam o consórcio que venceu as obras. Este último ainda admitiu a que a Odebrecht contratou uma sobrinha de Carreiro, medida que teria sido um agrado ao ministro.

A PF sustenta que não havia diferença entre as atividades de Aroldo Cedraz e Tiago, que se valeria “do poder do pai e das suas relações no TCU” para viabilizar seus interesses. Documentos apreendidos nos endereços do advogado, segundo os investigadores, mostram que integrantes da equipe dele atuavam formalmente nos processos, mas que seria ele quem cuidava da relação com os clientes do tribunal, fazia contatos com ministros e traçava estratégias de atuação.

Ligações

A quebra de sigilos dos investigados mostrou que, entre 2012 e 2014, houve 14.321 ligações entre telefones vinculados a Tiago e seu escritório e terminais do pai e de seu gabinete. No caso de Carreiro e sua equipe, a PF cita “centenas” de ligações. O aparelho registrado em nome do assessor Maurício Lockis, que teria elaborado o voto de Carreiro favorável à UTC, foi o que mais recebeu contatos (271), sendo 112 em 2012, ano do julgamento.

De 2012 a 2014, houve ainda 75 contatos feitos entre aparelhos atribuídos a Carreiro e de Luciano Araújo, apontado como emissário de Tiago para buscar dinheiro na UTC. Luciano é primo de Tiago e tesoureiro do partido Solidariedade. Esse levantamento, para a PF, reforça que havia uma atuação “clandestina” de Tiago nos gabinetes dos ministros.

A postura dos ministros nos julgamentos, segundo os investigadores, aponta ainda indícios de manipulação. Carreiro foi relator do caso e contrariou pareceres da área técnica para liberar a licitação de Angra, após o julgamento ser adiado algumas vezes. A PF afirma que Aroldo Cedraz pediu vista do processo quando o sistema do TCU já registrava que ele estava impedido para atuar no caso. Duas semanas depois, devolveu o processo e sem análise e anunciou seu afastamento.

“Foram colhidos indícios suficientes de que a articulação buscada por Ricardo Pessoa através de Tiago Cedraz surtiu efeito, quando analisamos ainda a dinâmica do andamento processual na corte de contas e o comportamento dos ministros Aroldo Cedraz e Raimundo Carreiro, incluindo ainda os registros de contatos feitos diretamente por empreiteiros e a contratação da sobrinha deste último por uma das empresas consorciadas”, sustenta a PF.

O relatório afirma que a atuação de Tiago em outros processos também reforça indícios de tráfico de influência. Mensagens de executivos da OAS, apreendidas pela Lava Jato, revelaram a tentativa da empreiteira de acionar o advogado para tratar de um processo sobre a concessão de aeroportos e o interesse de que o caso caísse com Aroldo Cedraz. O dono da empresa, José Adelmário Pinheiro, o Léo Pinheiro, negocia um acordo de delação premiada.

Movimentação

Laudos da PF também apontaram que haveria atipicidades na movimentação financeira dos investigados. Entre 2012 e 2014, Carreiro recebeu créditos de R$ 568 mil sem comprovação de origem, segundo a PF. No caso de Cedraz, foram R$ 2 milhões. Os depósitos em espécie para Cedraz somaram R$ 311 mil. Um deles, de R$ 100 mil, ocorreu em 19 de novembro de 2013, mesma data de um pagamento indicado por Ricardo Pessoa.

A PF diz ser “surpreendente” a evolução patrimonial de Tiago de 2011 a 2012, que passou de R$ 11,9 milhões para R$ 20,8 milhões. Em 2014, o advogado adquiriu R$ 9,3 milhões em imóveis, tapetes e obras de arte, incluindo um apartamento de quase R$ 3 milhões, reformado para o pai. A ascensão financeira de Tiago, formado em Direito em 2006, e a compra do apartamento para o ministro foram reveladas pelo Estado em 2015.

A PF destaca que “algumas transações de Tiago, como a expressiva quantidade de depósitos em espécie e outras com origem não identificada, além da disponibilidade de um bem de altíssimo valor em beneficio do pai, poderiam representar a ‘remuneração’ pela sua atuação em alguns processos”.

COM A PALAVRA, RAIMUNDO CARREIRO

O presidente do Tribunal de Contas da União, Raimundo Carreiro, informou, por meio de nota, que o inquérito da Polícia Federal sobre o caso UTC foi aberto há cerca de dois anos e, imediatamente, “no intuito de colaborar com as investigações”, quebrou seus sigilos bancário, fiscal e telefônico, prestando os esclarecimentos solicitados.

O ministro afirmou que, quando o relatório da PF foi concluído, preparou um memorial e o entregou à Procuradoria-Geral da República (PGR). Oportunamente, disse Carreiro, o documento será entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF). “Aguardo com muita serenidade o resultado das investigações pelo Ministério Público e pelo Supremo Tribunal Federal, com a certeza de que tudo será esclarecido, pois, da leitura do relatório, concluo que, se houve irregularidades na licitação de Angra 3, estas ocorreram fora da esfera do TCU”, acrescentou o ministro.

COM A PALAVRA, AROLDO CEDRAZ

Aroldo Cedraz, em nota de sua assessoria, reiterou “sua total isenção, já demonstrada ao longo de onze anos de atuação como magistrado”. “Suas ações sempre se pautaram pela ética, lisura e respeito aos princípios republicanos. Caso seja instado a prestar esclarecimentos, ele o fará no âmbito do devido processo legal”, diz o texto.

COM A PALAVRA, TIAGO CEDRAZ

O Estado enviou questionamentos na quinta-feira, 13, à assessoria de Tiago Cedraz. A assessoria informou na sexta-feira, 14, e nesta terça-feira, 18, que estava providenciando uma manifestação sobre as conclusões da PF para enviar à reportagem, mas ainda não houve resposta. O espaço está aberto para manifestações.

COM A PALAVRA, MAURÍCIO LOCKIS

A assessoria de imprensa do TCU informou que o assessor Maurício Lockis não quis se pronunciar.

COM A PALAVRA, LUCIANO ARAÚJO

A assessoria de Luciano Araújo, procurada na sexta-feira, 14, e nesta terça-feira, 18, não respondeu aos contatos do Estado. O espaço está aberto para manifestações.

Créditos: Estadão