Elas não são imponentes. Geralmente pequenas, convidam à introspecção, ao encontro com o divino. Por isso mesmo, projetar uma capela pode ser mais complexo do que esboçar uma casa ou até um museu. Os prêmios internacionais de arquitetura, aliás, atestam o valor dessa construção, dedicando a ela uma categoria distinta.

Muitas vezes, é apenas a luz que dá forma ao seu interior vazio de adornos. Pense na Notre-Dame du Haut, erguida por Le Corbusier na cidade francesa de Ronchamp para ocupar o espaço deixado por uma igreja bombardeada durante a Segunda Guerra (nas guerras, destruir a igreja local sempre foi uma maneira de desnortear a população, privá-la de seu norte espiritual).

Em Osaka, no Japão, Tadao Ando concebeu sua icônica Igreja da Luz com uma grande cruz vazada no concreto. Já a nossa herança vem do Brasil colonial, época em que os donos das fazendas faziam questão de ter, junto à sede, uma capela para as missas e demais ritos familiares (em São Paulo, a casa bandeirista reservava um lugar para as cerimônias religiosas dentro de um cômodo no interior da moradia, como atesta o arquiteto Samuel Kruchin). Pois o hábito resiste e vem se transformando aqui e ali, com capelas de feição contemporânea, em propriedades particulares ou cidades mundo afora. Nos menores traços, o melhor resumo.

Conheça capelas contemporâneas em que a arquitetura se une à religião (Foto: Leonardo Finotti)

DO COLONIAL AO ATUAL

“Gosto do novo, daquilo que ainda não dominamos”, diz Miguel Pinto Guimarães sobre a capela que desenhou (acima), erguida em Petrópolis, RJ, numa propriedade particular. A primeira referência lembrada pelo arquiteto é a tradição brasileira do período colonial, com suas casas de fazenda invariavelmente ligadas a uma capela. Mas esta, que ele concluiu em 2016, não guarda qualquer traço da arquitetura da época. Apoiada em pilares sobre um espelho-d’água, “ela é uma caixa de vidro envelopada por vários pórticos de aço corten”, explica. Se há referências históricas ao Brasil Colonial, há outras mais legíveis ao modernismo nacional, nos pórticos que funcionam como brises e também na curva que a capela descreve. Tudo para a devoção da família a Nossa Senhora das Graças, com lugar reservado no altar. Nada mais brasileiro.

Conheça capelas contemporâneas em que a arquitetura se une à religião (Foto: Tuca Reinés)

CONTRA O TEMPO, O TEMPLO

O arquiteto carioca Thiago Bernardes teve só três meses para desenhar e entregar a capela(acima) em uma propriedade no bairro do Joá, no Rio de Janeiro. Ou, como diz, “uma pequena joia”. Ele, que sempre acha possível rever seus, cá entre nós, irretocáveis projetos, gostou de ver o templo pronto. “Tem uma essência ali”. A obra, de 2014, consiste em uma plataforma triangular sobre a mata, deixando as copas das árvores na altura dos olhos. “Com eucalipto autoclavado, criamos uma sucessão de pórticos com alturas e larguras diferentes”, conta Thiago, que teve a colaboração do engenheiro Hélio Olga na empreitada. Um único pilar estrutura o santuário e termina formando a cruz. O vidro foi usado do lado de fora, protegendo a madeira, e acabou por refletir as árvores, como um espelho. Sabe-se que é uma capela, uma joia e um templo quando Thiago resume: “você entra e tem vontade de ficar em silêncio”.

Conheça capelas contemporâneas em que a arquitetura se une à religião (Foto: Pedro Pegenaute)

CONSTRUIR A SIMPLICIDADE

Os habitantes da cidade chinesa de Suzhou viram surgir, em setembro de 2016, um bloco branco margeado por muros de tijolos cinza em alturas variadas. Eles formam o caminho que leva ao interior da capela (acima), um cubo recortado por aberturas aleatórias que ajudam a iluminar o espaço. Lyndon Neri e Rossana Hu, do premiado escritório Neri&Hu, sediado em Xangai, explicam à Casa Vogue que “esse tipo de construção tem muito presente a noção de espiritualidade. Entre seus elementos estão o jogo de luz e sombra, o contraste das proporções espaciais e um toque de encantamento e surpresa”. A dupla relata que se valeu da arquitetura vernacular da região ao lançar mão das texturas e “de uma paleta suave de cinzas e brancos” para erguer o templo de 700 m². O lado externo foi revestido com uma pele metálica que lhe confere a aparência de um finíssimo véu, como se tão pesado edifício flutuasse.

Conheça capelas contemporâneas em que a arquitetura se une à religião (Foto: Daniel Ducci)

DO BARROCO AO CONTEMPORÂNEO

Assim que se chega ao condomínio em Nova Serrana, MG, nota-se uma edificação quase enigmática. Trata-se de uma capela ecumênica idealizada por Samuel Kruchin, concluída em julho deste ano. Os visitantes costumam parar para ver a espiral de concreto que parece se fechar sobre si mesma. Mas o mistério se desfaz em seu interior, sem símbolos religiosos e pleno da sensação de recolhimento e serenidade. A inspiração veio da Igreja do Pilar, em Ouro Preto, do século 18. “Quero ‘essencializar’ aquela geometria, implantá-la em outro lugar”, pensou o arquiteto quando notou, depois de sucessivas visitas à igreja, que a base elíptica, as paredes inclinadas como o corpo de um cone e a convexidade do forro eram o conjunto que criava ilusões óticas. Na capela de Nova Serrana, ele trouxe para a arquitetura  contemporânea o insuspeito segredo barroco. Deus estava naquele detalhe.

 

Créditos: Casa Vogue