Nos primeiros passos, mal se percebe a subida ou se desconfia do inesperado desfecho da caminhada. À medida que se avança por entre as tiras de madeira que delimitam o trajeto e conduzem o corpo e a visão à esquerda e à direita, porém, fica difícil ignorar o enorme paralelepípedo perfurado  suspenso no ar, destino inexorável de quem envereda por ali. Da metade da rampa em diante, a sensação de ascender – ou seria pairar? – sobre o espelho-d’água e em meio à folhagem e aos troncos tropicais é capaz de fazer muitos se esquecerem de onde estão. Mais alguns passos e curvas, contudo, e o visitante é trazido de volta à realidade (ou quase isso), com uma imagem de impacto. Quem aparece ao final do percurso, no horizonte emoldurado por uma espécie de túnel, é o Oceano Atlântico.

Madeira e concreto dão o tom da casa projetada por Marcio Kogan em Miami (Foto: Fran Parente/divulgação)
Madeira e concreto dão o tom da casa projetada por Marcio Kogan em Miami (Foto: Fran Parente/divulgação)

A narrativa acima descreve a chegada ao coração – um grande living com sala de jantar e cozinha – da primeira residência assinada pelo Studio MK27, do paulistano Marcio Kogan, a ficar pronta nos Estados Unidos. Mais precisamente, no centro de Miami Beach, em um terreno estreito e comprido que parecia predestinado a receber uma obra deste vulto (são 1.115 m² de área construída). Embora o conjunto desemboque não na praia, mas no canal Indian Creek, o mar é visível dali por uma confluência única de fatores: para além do canal, há a célebre avenida Collins e, sorte suprema, nenhum edifício a obstruir o panorama, apenas um estacionamento público que provavelmente jamais será desativado. Atrás dele, só a água.

Madeira e concreto dão o tom da casa projetada por Marcio Kogan em Miami (Foto: Fran Parente/divulgação)
Madeira e concreto dão o tom da casa projetada por Marcio Kogan em Miami (Foto: Fran Parente/divulgação)

Posicionar a ala social no primeiro andar foi a opção encontrada para privilegiar essa vista, e ofereceu ao time de arquitetos* capitaneado por Lair Reis a chance de desenhar a rampa “totalmente inusitada”, segundo Kogan. “Ela é meio brasileira, tropical, o passeio é um filme”, comenta, sobre uma sinuosidade pouco presente nos trabalhos anteriores do escritório. “É uma casa menos minimalista do que o nosso normal”, continua, “uma adaptação ao  contexto local”. Para ele, o elemento com mais cara de Miami ali é o painel vazado do escultor austríaco Erwin Hauer – seu estilo modernista, com perfume art déco, evoca os anos 1940 e 1950, época de glórias e expansão da cidade. Esses cobogós cobrem um dos dois lados abertos da caixa elevada de madeira (o outro é encerrado por vidro e um terraço). Caixa esta, por sua vez, que se insere em outra, de concreto, como se a flutuar solta lá dentro. A ilusão de ótica não é mero truque estético. A inserção esconde a estrutura que sustenta o pavilhão. Alguém falou em solução elegante?

Madeira e concreto dão o tom da casa projetada por Marcio Kogan em Miami (Foto: Fran Parente/divulgação)

O volume assenta-se sobre outro, térreo, perpendicular, que abriga os cinco quartos e corre paralelo à rampa e ao jardim idealizado por Raymond Jungles, paisagista que conviveu com Roberto Burle Marx e que possui uma vasta coleção de telas do mestre. E a alma brasileira da obra não para por aí. Basta circular por qualquer um dos ambientes internos que a presença indefectível de outro peso pesado se faz notar: Jader Almeida é responsável pelos interiores da morada – compostos quase que só por móveis de sua autoria, como não? Jader, de quem Kogan é fã declarado, entrou nessa história pelas mãos da Artefacto, uma potência local no chamado home staging (veja à pág. 64) e representante do designer nos EUA. Mas por que o staging? Bem, digamos que a casa ainda não é exatamente o lar de ninguém. O cliente do escritório, desta vez, atende por Brodson Construction, empresa fundada pelo ex-modelo Barry Brodsky, que tem no portfólio lojas de marcas como Tiffany’s, Hermès e Goyard, e ainda é especialista em erguer mansões para o mercado imobiliário de Miami – como esta.

Madeira e concreto dão o tom da casa projetada por Marcio Kogan em Miami (Foto: Fran Parente/divulgação)

O fato de se tratar de um imóvel para venda, no entanto, não diminui em nada a capacidade do projeto de emocionar. Recorrendo ao cinema (sempre!), Kogan destaca o ponto alto da criação: “É muito simpático sentar na sala ou no terraço e assistir os iates indo e vindo. É exatamente como um filme, barcos com meninas de biquíni dançado em cima, outro comum sujeito fumando um charuto, uma corrida de canoas, um navio de guerra pequeno, alguém fazendo ski…”. Quem se habilita a apertar o play?

Créditos: Casa Vogue