Recentemente, uma sentença judicial de Vara de Família da Comarca do Rio de Janeiro, proferida pelo Juiz Dr. André Tredinnick, determinou que um casal divorciado se reveze na posse dos seus três cãezinhos a cada 15 dias. Essa decisão de primeira instância também estabeleceu que as partes do processo deverão dividir os custos com alimentação, remédios e transporte dos cães.
Para o Poder Judiciário, acertadamente, não se pode ignorar os sentimentos dos donos de animais, tampouco deixar de levar em consideração que o apego é recíproco, isto é, tanto o casal quanto os animais sofrem com a separação.
Embora a sentença do juiz tenha virado notícia, o fato é que já faz algum tempo que os animais de estimação têm recebido cada vez mais espaço nas ações de divórcio que tramitam no Brasil.
Em segunda instância, cito acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo no Agravo de Instrumento nº 2128999-78.2016.8.26.0000, de relatoria da Desembargadora Christine Santini, de 16 de agosto de 2016, em cujo processo advoguei. Nesse julgamento foi resolvida a questão da guarda e convivência dos donos de um gato de modo diferente daquela decidida no Rio de Janeiro em primeira instância, estabelecendo a posse de um dos cônjuges e o regime de convivência do outro com o gatinho em finais de semana alternados, diante das circunstâncias do caso, em que o animal de estimação integrava tratamento psicológico da detentora da posse.
Note-se que o Brasil atualmente conta com a 4ª maior população de animais de estimação do mundo, segundo dados da ABINPET – Associação Brasileira da Indústria de Produtos de Animais de Estimação.
Diante da falta de legislação específica sobre o assunto, a Jurisprudência tem reagido às crescentes demandas com uma resposta uníssona: os animais não podem ser tratados como coisas e, nesse sentido, deve-se aplicar a eles um regime análogo àquele da guarda de filhos, definida como o direito e dever dos donos de terem seus animais de estimação sob seus cuidados e responsabilidade, cuidando de sua alimentação, saúde, moradia etc.
Observe-se, no entanto, que a guarda de animais de estimação tem as suas peculiaridades e não se confunde propriamente com a guarda compartilhada de filhos.
Tudo certo na fixação de período de convivência dos donos com os animais em períodos alternados de 15 dias. Mas quanto aos filhos a guarda compartilhada não implica em divisão igualitária do tempo de convivência entre pai e mãe e também não recomenda tal alternância, de modo que usualmente os filhos têm uma residência principal com um dos genitores, ali residem e estabelece-se o regime de convivência com o outro genitor em dias determinados da semana e em finais de semana alternados.
Ainda, em relação aos animais, a divisão das despesas entre os donos também pode ser a regra. No entanto, na guarda de filhos, a depender do caso, nada impede que seja paga pensão alimentícia por um dos detentores da guarda compartilhada, nos moldes da guarda exclusiva.
A proteção dos animais tem fundamento no art. 225 da Constituição Federal, que dispõe que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, cabendo ao Poder Público proteger a fauna e a flora.
Também a Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, chamada de Lei dos Crimes Ambientais, tutela os animais, colocando-os a salvo de qualquer tratamento abusivo, maus-tratos, ferimentos ou mutilações.
Por tudo isso, está claro que os animais não podem ser tratados, em uma partilha, como os demais bens de natureza patrimonial: eles são seres que possuem uma natureza especial, seja porque são ligados aos donos por laços de afetividade, seja porque o próprio bem-estar do animal deve ser preservado no divórcio do casal.
A esse respeito, no seu aprofundado livro “A hora dos direitos dos animais”, o doutrinador português Fernando Araújo esclarece que os animais de estimação são precisamente aqueles que estão em contato mais intenso e próximo com os seres humanos, desenvolvendo com eles uma das mais notáveis relações de interdependência já observadas na natureza. Precisamente por isso, os animais de estimação merecem uma atenção ainda maior por parte do ordenamento jurídico e do Poder Judiciário.
Conforme já destaquei em artigo aqui publicado em agosto de 2016, o estabelecimento da “guarda” é muito mais importante do que o estabelecimento de simples regime de convivência. A guarda confere a possibilidade de atuar efetivamente em todos os cuidados de que os animais necessitam, além de ensejar a responsabilidade de influir na escolha do veterinário, da alimentação, da forma de realizar a higiene etc. Se ambos nutrem afeto pelo animal e o animal por eles, seja um gato, seja um cachorro, é preciso uma efetiva regulamentação da guarda.
Em suma, nos casos em há animal de estimação em questão no divórcio de um casal, caberá ao Juiz decidir da forma mais adequada às circunstâncias do caso.
Fonte: Fausto Macedo