Perda de energia e de interesse, alterações no apetite, noites mal dormidas, ansiedade, concentração reduzida, sentimentos de inutilidade e de culpa e pensamentos sobre autolesão ou suicídio. Esses são alguns dos sintomas da depressão, transtorno mental que atinge cerca de 350 milhões de pessoas em todo o mundo e que é classificado como a doença mais incapacitante de todas, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Para além dos sintomas sociais e psíquicos da doença, é capaz que a depressão também traga implicações biológicas e orgânicas (assim como tumores, por exemplo, que indicam o diagnóstico de câncer). Foi isso que investigou o psiquiatra Pedro Mario Pan, pesquisador da Unifesp, em sua tese de doutorado.
Pan avaliou imagens cerebrais de 750 crianças de 6 a 12 anos de idade e conseguiu identificar que algumas apresentavam alterações de conectividade no circuito de recompensa no cérebro. Curiosamente, três anos depois, esses jovens foram diagnosticados com quadros de depressão.
“A partir de exames de ressonância magnética, encontramos alterações cerebrais na rede de recompensa de algumas crianças, especialmente no estriado ventral esquerdo, ponto que está mais associado ao processamento de atividades de prazer e recompensa”, explica o psiquiatra. “É uma mudança que deixa o estriado ventral esquerdo mais conectado às outras áreas do cérebro”, adiciona.
A modificação cerebral também foi encontrada em crianças que não tiveram depressão no futuro, porém, em um grau muito menor. De acordo com Pan, a mutação foi muito mais frequente e comum em jovens que apresentaram o diagnóstico do transtorno mental posteriormente.
Ainda sem resultados muito conclusivos, o psiquiatra e seus colegas de campo acreditam que a hiperconexão cerebral identificada nas crianças durante a ressonância magnética pôde predizer os quadros de depressão que elas apresentaram nos anos seguintes.
“No campo da hipótese, pensamos que essa hiperconexão não era um sintoma da doença, mas uma predisposição para desenvolvê-la no futuro. Acreditamos que ela dificultou que o indivíduo processasse o prazer e a recompensa, fatores que são, justamente, a dificuldade que jovens com depressão enfrentam”, explica Pan.
Jovem e deprimido
Até a década de 1970, acreditava-se que a depressão só poderia atingir adultos, porém, após diversos estudos, hoje sabe-se que bebês, crianças, idosos e adolescentes podem apresentar o transtorno – e são estes últimos, os mais jovens, o principal grupo de risco, já que a depressão é a principal causa de doença em pessoas de 10 a 19 anos, segundo aponta a OMS.
“Sabemos que a adolescência está associada com traumas e bullying, fatores que apresentam um risco muito maior ao indivíduo nessa faixa etária do que em qualquer outra”, analisa o psiquiatra. “Nessa etapa de vida, é como se o cérebro estivesse mais sensível, ficando mais vulnerável e válido para a depressão. É também nessa fase que percebemos uma influência mais relevante dos fatores ambientais e uma maior prevalência do suicídio, segunda principal causa de morte em jovens”, completa.
De acordo com Pan, além do circuito de recompensa, a literatura psiquiátrica já identificou outras redes que têm problema de processamento de sinais e que podem estar associadas a quadros de depressão. “No indivíduo adulto, a rede de modo padrão (default mode network, em inglês), é uma delas. Porém, não avaliamos ela em nosso estudo porque acreditamos que durante a adolescência a perda do prazer e da recompensa é mais significativo, já que o jovem sofre muito com oscilação de humor”, avalia.
Projeto Conexão
A tese de Pan integrou o Projeto Conexão, estudo sobre a prevalência de depressão na infância e na adolescência, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
O programa reúne um time de pesquisadores de diferentes áreas da saúde nos estados de São Paulo e Porto Alegre e foi iniciado em 2009, quando a equipe selecionou 2,5 mil crianças das duas regiões e decidiu acompanhá-las ao longo do tempo.
Inicialmente, em 2010, as cobaias tinham de 6 a 12 anos e foram avaliadas no campo da psicologia, fonoaudiologia e psiquiatria (onde entra a ressonância magnética que deu base à tese de Pan). Em 2013, essas mesmas crianças foram contatadas e reavaliadas, sendo que um grupo menor delas foi diagnosticada com depressão após avaliação clínica.
Em abril de 2018, o Projeto Conexão retorna aos estudos e irá reavaliar novamente esses jovens, que agora têm entre 15 a 20 anos. “Esperamos continuar seguindo esses adolescentes pois, caso identifiquemos que as alterações cerebrais continuam, podemos defini-las como um marcados de predisposição à depressão”, avalia Pan.
Fonte: Revista Galileu