Vencendo o preconceito, mulheres como a entregadora de gás Fernanda Alves provam que o profissionalismo supera as barreiras

Quem pede um botijão de gás não espera que a entrega seja feita por uma mulher. Mas a cena, apesar de ainda rara, tende a ocorrer com mais frequência. Isso porque as mulheres estão ganhando cada vez mais espaço no mercado de trabalho e se destacando em atividades tradicionalmente ocupadas por homens.

De acordo com dados divulgados em 2017 pela Secretaria do Trabalho, Desenvolvimento Social, Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, a taxa de participação feminina no mercado de trabalho cresceu de 58,2% em 2015 para 59,1% em 2016. Um movimento que, como aponta o Ministério do Trabalho e o IBGE, vem ocorrendo gradualmente nos últimos 50 anos.

Fortes nos setores de administração pública e serviços, onde o percentual de mulheres é superior ao dos homens, elas caminham para integrar segmentos majoritariamente masculinos, como a indústria de transformação, agropecuária, construção civil e serviços industriais. O que é ótimo para a economia, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Informações publicadas no estudo “Perspectivas Sociais e de Emprego no Mundo”, divulgado em 2017, avaliam que uma maior participação feminina no mercado de trabalho injetaria R$ 382 bilhões na economia. Para tanto, é necessário que o Brasil reduza em 25% a desigualdade na taxa de presença das mulheres ativas profissionalmente até 2025, compromisso assumido pelos países que compõem o G20.

Porém, com os números a seu favor, ainda existe quem duvide da capacidade das mulheres exercerem atividades profissionais em áreas ainda tidas como masculinas. Um exemplo disso é a entregadora de gás Fernanda Alves, que há pouco mais de dois anos trabalha no negócio da família no bairro de São Mateus, na zona leste de São Paulo.

Convidada pela mãe para ajudar na parte administrativa, a jovem de 22 anos acabou arregaçando as mangas e indo para a rua entregar botijões de gás. “Comecei lidando apenas com a papelada, mas quando os pedidos aumentaram e não havia mais gente para entregar, disse a minha mãe que eu ajudaria”, recorda ela.

Confiança ajudou a superar barreiras

Seguindo os passos do pai e do irmão, Fernanda carregou o carro com botijões e, mesmo nervosa, partiu para suas primeiras entregas, na época com 19 anos. E, para seu desespero, logo na primeira porta pediram a ela para instalar o gás, algo que nunca tinha feito fora de casa.

“Lembro que eu tremia, mas respirei fundo e deu tudo certo”, diz a jovem, atribuindo ao curso de teatro, que concluiu no ano passado, o desprendimento necessário para executar o serviço. “Se não tivesse feito teatro eu estaria muito mais nervosa. Acho que sequer conseguiria olhar direito para o cliente – ia ficar tão tímida que mal ia conversar”.

A confiança obtida também ajudou Fernanda a lidar com um problema comum no dia a dia das entregas: o machismo. De acordo com ela, o susto ao ver uma mulher chegar com o botijão de gás já é esperado nas primeiras visitas. Em alguns casos, o cliente oferece ajuda por acreditar que ela não tem a força necessária para o serviço.

“No começo eu fiquei até chateada, porque eles acham que aguentam mais peso que a gente. Mas nunca dei muita atenção, sempre disfarcei e segui com o trabalho. Por sorte, nesse último ano o estranhamento diminuiu bastante, eu diria que quase 80%”, comemora a jovem, que divide seu tempo entre as entregas, a administração do negócio, a ajuda no serviço de casa e os estudos para o vestibular.

Um cotidiano que ficou ainda mais corrido depois que a empresa adotou o aplicativo Chama, que permite ao cliente pedir a entrega do gás pelo celular. De acordo com ela, o fluxo de trabalho aumentou e a fidelização dos fregueses também. “O pessoal gosta quando nós que entregamos, pois somos bem educados e nos oferecemos para esclarecer dúvidas, ficando sempre à disposição”.

Estudo também é prioridade

Enquanto nos dias úteis Fernanda trabalha das 8h às 21h, aos fins de semana a jornada encerra às 18h. Na folga, que acontece às segundas-feiras, o foco está nas apostilas do cursinho – que ela interrompeu assim que começou com as entregas. “Às vezes dá tempo de sair, ir ao cinema. Não tenho do que reclamar”, garante.

Esforçada, a jovem sonha em cursar engenharia química, uma paixão dos tempos de menina, e ainda em tocar a carreira de atriz, estagnada pela falta de tempo para montar um book. “Me falam que não dá para conciliar os dois, mas eu digo que sim. Basta organizar direito o tempo”, afirma ela, segura de que os pais arrumarão alguém para substituí-la assim que passar no vestibular.

“Tenho amigos que dizem que eu não tenho tempo para nada, que eu deveria aproveitar mais um pouco. Eu respondo que vou aproveitar quando passar na faculdade”, conta Fernanda, admitindo que, quando acontecer, sentirá um pouco de falta da correria das entregas. “Puxei isso da minha mãe, que sempre diz que depois que começasse a trabalhar não conseguiria parar. Parece que dói o corpo”.

Fonte: Divulgação