Alessandra Blanco conta aqui como a filha de 5 anos deixou de comer proteína animal e se tornou vegetariana, um comportamento que vem crescendo entre as crianças de hoje

Há dois meses, fui com meu marido e minha filha jantar num restaurante japonês no bairro de Higienópolis, em São Paulo – escolha de Laura, de 5 anos. Assim que chegou nosso combinado de sushis e sashimis, ela perguntou: “Peixinho é bicho? E ele foi morto para a gente comer?”. A mesma pergunta já tinha sido feita durante um almoço, no qual pedimos polvo na praia, e numa churrascaria, quando a fraldinha chegou sangrenta à mesa. O assunto que vinha aparecendo nas nossas refeições em família com alguma frequência teve seu ponto alto naquela noite, ao Laura anunciar que não comeria mais “bichinhos”.

Nosso primeiro passo foi explicar a ela que ser vegetariana excluía, por exemplo, comer cachorro-quente uma vez por mês na saída da escola, além de outros pratos que ama. Laura também precisava incluir mais verduras e legumes em suas refeições, o que, para nossa sorte, ela rapidamente concordou em fazer. O pediatra nos explicou que o importante era nossa filha ter uma alimentação balanceada, substituindo as fontes de vitaminas adquiridas antes pela proteína animal. Assim, nosso churrasco ganhou um rico complemento de legumes na grelha, e couve e espinafre entraram de vez no dia a dia dela, assim como grãos de amaranto, chia e quinoa. Passamos a assinar, inclusive, uma cesta orgânica semanal.

Nutricionista infantil pelo Instituto da Criança da Universidade de São Paulo, Renata Alves conta que o número de pais que relataram esse comportamento nos filhos aumentou em 25% nos últimos seis meses em seu consultório. “Em termos de saúde, não há problema nenhum. O importante é complementar nutrientes como ferro, vitamina B12 e cálcio, montando uma dieta equilibrada com feijão, lentilha e grão-de-bico, além de leguminosas.” Como cada criança tem um paladar diferente, Renata aconselha os pais a tentar diferentes receitas para incorporar esses alimentos na dieta dos filhos. “Grão-de-bico, por exemplo, pode ser mais gostoso em forma de falafel.”

Nascida em 2012, Laura faz parte da geração Alpha, posterior à Z (dos nascidos entre 1995 e 2010), novo objeto de estudo dos institutos de tendência. E, para quem vem acompanhando esses últimos relatórios, a opção da minha filha pelo vegetarianismo não é nada surpreendente. De acordo coma pesquisa GenExit, da consultoria Box 1824, a alimentação para os mais jovens (da geração Z e das seguintes, como a Alpha) é uma questão de identidade: algo em que eles acreditam, mais que uma escolha pelo mais gostoso ou saudável. O Euromonitor, empresa internacional dedicada a diagnósticos de consumo, também deu um nome para essa geração, os clean lifers. São jovens que seguem firmes em ideais como banir hábitos ruins (fumar, por exemplo), produtos com base animal ou que utilizam ingredientes que vão contra seus princípios.

Em São Paulo, já há restaurantes em sintonia com essa nova maneira de pensar a alimentação, como o Futuro Refeitório, que durante o almoço serve opções baseadas no que eles chamam de Quatro Plantas (saladas e receitas quentes só com vegetais) e Onívoro (com três tipos de folhas e uma proteína). No cardápio, ao lado dos pratos que levam carne, peixe ou frango há um aviso: “pratique com moderação”. O Petí Panamericana, no bairro Jardim Paulista, é outro bom exemplo. O espaço deu um novo significado ao antigo bufê de saladas, montando uma mesa de folhas e pratos quentes com legumes. Tudo num lindo rooftop, ótimo para ir com as crianças. A proprietária do Sushimar paulistano, Maria Cermelli, também inaugurou há quatro meses uma unidade vegana na capital, com um menu super variado que vai desde um oniguiri de coco (suave e com uma textura incrível!) a uramakis e hossomakis feitos com edamame, cogumelos, sementes de romã e aspargos com abacate.

Dados da Baum+Whiteman, que anualmente publica estudos na área de gastronomia, mostram que apenas 6% dos americanos dizem seguir dietas vegetarianas e menos de 3% se declaram veganos. Mas as buscas por essas palavras no Google cresceram 90% desde o ano passado. A pesquisa também revela que 83% dos entrevistados acrescentaram mais legumes à dieta semanal e 31% têm ido além da “Segunda sem Carne”, excluindo a proteína por mais de um dia da semana. Entre 2012 e 2016, houve um aumento de 257% nos pedidos de novos produtos veganos em mercados dos Estados Unidos.

Claro que, aos 5 anos, nada na vida da Laura – ou de qualquer outra criança – é totalmente definitivo. Desde que decidiu ser vegetariana, ela já teve algumas“recaídas”. Comeu misto-quente numa tarde com os amigos, peixe na casa de uma colega da escola e permitiu-se um pedaço de torta de frango num almoço em família. Muitas vezes, tem dificuldade em identificar o que “é feito com bichinho”. Mas, assim como o vídeo que viralizou na internet de Luiz Antonio – no qual o menino de 3 anos argumenta com a mãe sobre sua decisão de não “comer mais os animais”, em suas palavras –, outras crianças já têm suas convicções e brigam por elas. Não à toa, na mesma época em que tomou essa decisão, nossa leitura antes de dormir era A Princesa Que Escolhia, de Ana Maria Machado.

Fonte: Vogue