Potes feitos de cogumelos, copos produzidos a partir de algas marinhas e cápsulas para comida: designers estão criando alternativas para o plástico. Estamos prontos para aceitá-las?
Ao redor de mesas repletas de estiletes, tigelas, tábuas de madeira, fita adesiva, funis e sacos cheios de pó de cânhamo, cogumelos e açúcar, uma dúzia de estudantes de pós-graduação dos departamentos de design industrial e de embalagens do Pratt Institute, no Brooklyn, em Nova York, trocavam ideias.
Seus objetivos? Criar novas formas de embalagens de alimentos que substituam o formato insustentável sobre o qual a vida moderna parece depender: copos, tampas, canudos e garrafas de plástico descartável.
Com foco nos detritos de longa duração que normalmente acompanham refeições de delivery, os estudantes assaram e imprimiram em 3D canudos feitos de açúcar e ágar, uma substância gelatinosa proveniente das algas marinhas. Eles modelaram com as mãos tigelas a partir de micélio, as ramificações dos cogumelos semelhantes a fiações. Uma equipe elaborou folhas de plástico negro que, quando dobradas, formavam embalagens para entrega (como na imagem acima) e poderiam ser retornadas para um ponto de coleta, higienizadas e reutilizadas ad infinitum por um consórcio de cadeias de restaurantes.
Outra dupla elaborou uma engenhosa caixa de papelão com um combo de garfo e faca dobráveis que os clientes poderiam destacar de uma borda perfurada. No fim da refeição, tudo pode ser jogado em um recipiente de compostagem que, em um mundo ideal, nunca estaria muito longe.
“Estamos observando uma enorme aceleração na demanda por embalagens alternativas, com as indesejadas consequências do plástico se tornando mais visíveis, local e globalmente”, diz Kate Daly, da Closed Loop Partners, um fundo de investimentos de impacto social com foco em resíduos.
Das 78 milhões de toneladas métricas de embalagens plásticas produzidas mundialmente todo ano, apenas 14% são recicladas. Leve e flutuante, o plástico que escapa da coleta segue para os oceanos — nove milhões de toneladas anualmente — a maioria dele proveniente de nações em desenvolvimento que não possuem a estrutura para geri-lo. Espera-se que o problema piore com o enriquecimento desses países, que inevitavelmente começarão a consumir mais alimentos embalados, e com os muitos outros em um mundo obcecado com a conveniência que continuam a buscar refeições prontas, kits gastronômicos e serviços de entrega, que geram uma quantidade considerável de embalagens.
Uma reciclagem mais consciente seria um bônus, mas não resolveria tudo. Reciclar requer energia, água e o transporte de materiais. A maior parte do plástico reciclado é retalhado, derretido e transformado em bens, como madeira, tecido ou forramentos, que ainda terminarão no aterro sanitário. Os fabricantes continuam produzindo garrafas e embalagens plásticas cada vez mais finas, mas mantém-se o fato: plásticos são feitos de recursos não renováveis, seja de petróleo ou gás natural, e quase nunca veem uma segunda vida.
Mas o plástico é muito bom no que faz, o que o torna diabolicamente difícil de substituir. O plástico preserva o alimento em longas jornadas, protegendo-o da pressão, umidade, luz e bactérias que aceleram seu apodrecimento. (Embale um pepino a vácuo com polietileno e seu prazo de validade pula de três para 14 dias. A embalagem, no entanto, poderá durar mais de um século.)
O plástico é forte e transparente, permitindo que os consumidores vejam o que estão comprando. E a matéria-prima para a confecção do plástico é amplamente disponível e incrivelmente barata. Pelo menos por enquanto.
O nascimento da cultura do descartável
Logo após a virada do século 20, empresas de alimentos começaram a usar um envoltório flexível chamado celofane, feito de plantas. Químicos depois imitaram esse polímero de base biológica com policloreto de vinila e, mais tarde, o menos tóxico polietileno, criando o plástico filme. Embora o celofane seja compostável, os plásticos à base de petróleo e os recipientes de plástico rígido que vieram depois não eram. Estava tudo preparado para um futuro descartável.
Na década de 1970, a marca Capri Sun começou a embalar suas bebidas de fruta em embalagens sanfonadas, que pesavam menos que uma garrafa plástica de volume equivalente. Compostas por camadas fundidas ultrafinas de plástico e papel alumínio, as embalagens podiam ser transportadas horizontalmente, o que economizava espaço, e mantinham o alimento fresco sem refrigeração.
Hoje, essa embalagem é onipresente, abrigando desde o atum ao extrato de tomate, da ração de animais aos picles. Estima-se que os norte-americanos utilizem 92 bilhões dessas embalagens por ano. Mas as perspectivas para o fim de suas vidas são desanimadoras. Acontece que elas são como Kryptonita para as empresas de reciclagem, que não conseguem separar as diferentes camadas.
Um ciclo contínuo
Designers, engenheiros, biólogos, investidores e recicladores, que muitas vezes trabalham juntos, estão agora em busca de desenvolver embalagens que se encaixem nas diretrizes do que é conhecido como economia circular.
É uma abordagem de design que foge do modelo linear de “extrair, produzir e descartar”, que vai do poço de petróleo à refinaria, da indústria ao supermercado, e do consumidor ao aterro sanitário. Em vez disso, ela prevê cadeias de suprimento que reimplementem materiais usados de volta em produtos de alto valor, com ênfase em design de longa duração, a re-fabricação e reutilização, e modelos de negócios que favoreçam o compartilhamento e aluguel (como máquinas de lavar e carros) no lugar da aquisição. Na economia circular, bens materiais movem-se em dois diferentes ciclos. Um deles recupera ingredientes técnicos, como metais, minerais e polímeros, para a reutilização, e o outro retorna materiais biológicos à natureza, como fibras e madeira, através de programas de compostagem, ou os converte através da digestão anaeróbica em energia neutra em emissões de carbono.
Para imaginar as embalagens do futuro, muitos designers estão olhando para o passado em busca de inspiração. O instituto de pesquisa sueco RISE desenvolveu o protótipo de um recipiente quase chato à base de celulose que os fabricantes de sopa, por exemplo, poderiam preencher com vegetais e temperos liofilizados. Quando seus clientes acrescentarem a água quente, as dobras do recipiente se estenderão e formarão uma tigela totalmente compostável. Já os estudantes do Instituto Pratt elaboraram uma tigela a partir de micélio, que cresce em uma semana e se decompõe em menos de um mês.
O Instituto Wyss, da Universidade de Harvard, criou o “shrilk”, um plástico transparente e de baixo custo que é totalmente compostável. Feito de quitosana, fibra natural derivada do exoesqueleto dos camarões, e uma proteína da seda derivada de insetos, o shrilk pode ser utilizado para fazer filmes ou formatos rígidos. Mas ele ainda não encontrou seu caminho até as embalagens de alimentos, já que requer que os fabricantes modifiquem suas máquinas.
Claro, um futuro biodegradável depende do acesso universal e da participação do consumidor em sistemas municipais de compostagem, que coletam materiais orgânicos para sua conversão em fertilizantes ou energia. Centenas de municipalidades na União Europeia, Canadá e Estados Unidos caminham nessa direção, mas instalar um sistema pode representar um problema como “a galinha e o ovo”. Na cidade de Nova York, por exemplo, o volume de material disponível excede em muito a capacidade dos processadores locais. Mas sem a garantia desse fluxo, investidores hesitam construir as instalações.
E ainda temos o problema da natureza humana. Fred Skeberg, um desenvolvedor de produtos sueco e fundador do site gastronômico e de design Ateriet, participou de um festival de música onde os restaurantes serviam a comida em pratos “comestíveis” à base de amido de milho, que deveriam ser jogados nas caixas de compostagem. Mas as pessoas acharam que os pratos desapareceriam na natureza, disse Skeberg, “então eles os jogaram por todo lado. O tiro saiu pela culatra”. Como sobriamente apontado pelas Nações Unidas em um relatório, “rotular um produto como biodegradável pode ser visto como uma correção técnica, que remove a responsabilidade do indivíduo”.
Até que os sistemas e as pessoas estejam em sincronia, uma grande quantidade de embalagens compostáveis acabarão nos aterros sanitários, onde poderão gerar gases de efeito estufa. Caso os compostáveis terminem acidentalmente em centrais de reciclagem, já que muitos plásticos de base vegetal são semelhantes aos seus primos à base de petróleo, eles serão considerados um contaminante. E se forem parar nos oceanos? Plásticos biodegradáveis são desenvolvidos para decompor em temperaturas por volta dos 57ºC e com exposição à luz ultravioleta. Uma vez que os degradáveis são mais pesados que os plásticos à base de petróleo, é provável que eles afundem e perdurem por muitos anos.
Um plástico melhor?
Considerando esses desafios, alguns designers preferem continuar com o plástico, já que os sistemas de reciclagem, ao menos no mundo desenvolvido, já estão bem estabelecidos. Mais de trinta tipos diferentes de plástico são utilizados atualmente em embalagens, mas alguns inovadores estão em busca de um grupo de um único polímero, um superplástico que cumpra com a imensidão de requisitos de desempenho, seja acessível para os fabricantes, requeira poucas mudanças nas máquinas, seja amplamente aceito nos sistemas de reciclagem municipais e seja facilmente transformado em novas embalagens. Mas, por enquanto, esse produto ainda não foi encontrado.
Enquanto isso, alguns designers estão empenhados em eliminar totalmente as embalagens descartáveis. Vejamos o caso do canudo plástico: a Starbucks se comprometeu em eliminá-lo até 2020, substituindo-o por uma tampa com um bico alongado. A nova tampa pesará mais que a antiga, mas um pedaço maior de plástico tem maiores chances de chegar ao centro de reciclagem.
A mesma ideia de eliminação poderia ser aplicada às massas, muitas vezes embaladas em uma caixa de papelão reciclável que é finalizada com uma janela de plástico não reciclável. “Só porque os materiais existem, não significa que precisem ser utilizados” diz Dayna Baumeister, cofundadora da empresa de consultoria Biomimicry 3.8. “Por que não aceitamos a ideia de uma foto da massa, como fazemos com cereais matinais, e nos livramos da janela?”
Ou talvez da embalagem por inteiro? A empresa americana MonoSol produz uma linha de polímeros transparentes a base de etileno que se dissolve na água. Mais comumente utilizado em cápsulas de detergente para máquinas lava-louças ou lavadoras de roupas, o polímero também pode ser usado com segurança para embalar alimentos, e não tem efeito no cheiro, textura ou sabor (a não ser quando aromatizantes são adicionados). A indústria alimentícia já está utilizando embalagens que derretem: a MonoSol prevê um futuro em que porções de varejo de chocolate quente, aveia, arroz, massa e outros alimentos preparados com água quente serão muito comuns.
Similarmente, o estúdio de design sueco Tomorrow Machine desenvolveu uma linha de embalagens de alimentos chamada “This Too Shall Pass”, que inclui uma pequena garrafa de óleo de cozinha feita a partir de açúcar caramelizado revestido de cera. A garrafa é quebrada como um ovo para liberar o óleo, e a casca de cera pode ir para a compostagem (mas não espere para ver, a cera leva anos para se decompor). Para líquidos refrigerados, a empresa desenvolveu uma embalagem a partir de algas marinhas, e afirma que ela irá “se decompor na mesma velocidade que seu conteúdo”. Para o arroz e outros alimentos secos, eles desenvolveram uma embalagem em forma de pirâmide feita de cera de abelhas tingida, para ser descascada como uma laranja. Os projetos atraíram bastante atenção devido à sua beleza e esperança, mas eles continuam, até o momento, apenas como conceitos.
Como parte de seu projeto de dissertação intitulado “Disappearing Package” o designer de Nova York Aaron Mickelson eliminou a caixa externa e a embalagem plástica dos saquinhos de chá ao colá-los de forma não permanente em um livro em formato de acordeão. O usuário destaca os saquinhos um por vez e, no final, o livro se reduz a nada.
A empresa Loliware, baseada nos Estados Unidos, produz copos comestíveis (e compostáveis) aprovados pelo FDA a partir de algas marinhas misturadas com adoçantes orgânicos, aromatizantes e corantes. Contendo 135 calorias cada, o copo pode conservar bebidas geladas ou em temperatura ambiente, e custam um dólar a unidade. Como casquinhas de sorvete, eles vêm com um protetor de papel “para deixar o usuário confortável”, diz Chelsea Briganti, cofundadora da Loliware. A empresa também produz um canudo comestível feito de algas. Em negociação com grandes varejistas de alimentos e bebidas, a Loliware está crescendo rapidamente, com planos de baixar seus preços e substituir um bilhão de canudos plásticos por ano.
O teste do consumidor
Inspirado na maneira com a qual a natureza separa o interior do exterior, como nas peles das uvas, cientistas estão fazendo experiências com membranas comestíveis para conter líquidos. A startup Skipping Rocks Lab desenvolveu um gole de água livre de embalagens, chamado Ooho, ao mergulhar bolas de gelo em extratos de plantas e alga marinha marrom, que formam uma membrana protetora. O consumidor deve morder a bola, liberando alguns goles de água gelada, e depois engole a própria membrana. A bola será produzida por uma máquina compacta no local de venda, eliminando a necessidade de copos.
David Edwards, da Universidade de Harvard, criou sua própria versão de uma membrana comestível chamada WikiCells, utilizando frutas e outras moléculas orgânicas para envolver esferas de produtos maleáveis e perecíveis. A Stonyfield utilizou a tecnologia em suas Frozen Yogurt Pearls, lançadas em 2014, mas as vendas foram baixas e as pérolas desapareceram. “Foi uma ótima tentativa” diz o CEO da Stonyfield, Gary Hirshberg. “Mas os consumidores não conseguiram compreender a ideia de pegar um produto desembrulhado, mesmo podendo lavá-lo”. (A empresa está agora testando copos de iogurte à base de bambu, que podem ser decompostos em pilhas de compostagem de quintal, um avanço frente materiais que só podem ser degradados em instalações industriais.)
Hoje, as WikiCells podem ser encontradas embalando os snacks de fruta PerfectlyFree. Mas os consumidores não coletam esses produtos diretamente de recipientes a granel: os snacks vêm em embalagens ou bandejas plásticas não recicláveis. “Nós testamos alguns produtos com embalagens muito minimalistas” diz Marty Kolewe, diretor de pesquisa e desenvolvimento da IncredibleFoods, proprietária da PerfectlyFree. “Mas acontece que os consumidores, além da infraestrutura comercial que engloba a distribuição de alimentos, estão muito longe de aceitar produtos verdadeiramente sem embalagens.”
O desperdício da conveniência
Serviços de entrega de kit de refeições ultra embalados, que enviam os ingredientes e receitas para uma única refeição, correspondem a um mercado de U$ 1,2 bilhão, e que alguns analistas esperam que quadruplique até 2023. Mas eles vêm acompanhados de montanhas de compressas de gelo, plástico bolha e embalagens de isopor não recicláveis ou difíceis de reciclar.
A empresa Temperpack, com três anos de existência, respondeu à parte desse desafio de desperdício com uma caixa totalmente reciclável e com isolamento térmico, que elimina a necessidade de flocos de poliestireno expandido, feitos a partir de petróleo e gás e que não são bem-vindos em centros de reciclagem.
Como a Temperpack, que está sendo utilizada pela maior empresa de kits gastronômicos nos Estados Unidos, evita que um camembert seja esmagado ou derreta? Suas camadas de papel kraft são recheadas com Climacell, uma espuma de base biológica que derrete em fibra celulósica, além da própria caixa, em uma unidade de desfibramento. De acordo com a Temperpack, a fabricação da espuma Climacell gera um décimo dos gases de efeito estufa da produção de flocos de poliestireno. Mas uma enorme quantidade de resíduos não recicláveis permanece. Uma investigação da indústria feita em três empresas de kits gastronômicos diferentes revelou um total de 72 embalagens plásticas, das quais apenas 23 podiam ser recicladas.
Enquanto designers e psicólogos se esforçam para solucionar esses problemas, os governos também podem instituir políticas para a redução de resíduos de embalagens, como a imposição de impostos mais altos sobre combustíveis fósseis utilizados na fabricação de plásticos descartáveis. Eles podem promulgar leis para quantidades mínimas de conteúdo reciclável, o que exigirá dos fabricantes produzirem novos bens a partir do que já foi utilizado, além de depósitos para as embalagens, visando garantir que mais delas sejam recuperadas para a reutilização. E, é claro, eles podem banir os plásticos descartáveis, incluindo sacolas, canudos e copos.
Vida livre de embalagens
Alguns varejistas já estão nesse caminho: o supermercado holandês Ekoplaza dedica um corredor para mais de 700 produtos “livres de plástico”, embalados ou oferecidos em papelão, metal, vidro ou plástico degradável certificado. E o varejista britânico Iceland pretende eliminar o plástico de todos os produtos da sua própria marca dentro de cinco anos, em favor de garrafas de vidro retornáveis, bandejas de papel e plásticos, como a celulose, que sejam biodegradáveis.
Alguns críticos dizem que a melhor solução seria desafiar as pessoas a adotarem um modelo radicalmente diferente de consumo, um que não envolva qualquer embalagem descartável.
O sistema tcheco de embalagens e transporte MIWA, que ganhou o Desafio Design Circular da Fundação Ellen MacArthur, parece cumprir com essas demandas. Após pedir sua comida pelo aplicativo do MIWA, os produtores e revendedores colocam seus itens, sejam eles biscoitos, fígado picado ou aipo, em recipientes e cápsulas duráveis e reutilizáveis, e depois os entrega nas lojas locais ou na casa dos consumidores. Ao esvaziar as cápsulas, a MIWA coleta, higieniza e retorna as embalagens aos produtores para reabastecê-las.
A MIWA é, até o momento, um exercício hipotético, mas ela aponta para soluções que já estão em jogo hoje: levar sacolas e jarros laváveis para lojas que vendem mercadorias a granel ou que estejam dispostas a fatiar o provolone e o salame nos recipientes dos consumidores; procurar por legumes sem embalagens nas feiras; comprar cerveja em garrafas recarregáveis; e evitar alimentos de conveniência sempre que possível.
“A tecnologia não vai nos tirar de nosso dilema de desperdício” diz Dayna Baumeister. “A psicologia humana tem que mudar. Em algum momento, é preciso dizer basta.”
Fonte: National Geographic