O dito popular “a saúde começa pela boca” é comumente usado para valorizar a nossa alimentação como fonte de saúde. Atualmente, porém, a frase também é usada para se referir à boca como porta de entrada para as mais diversas doenças.

A ideia de que focos de infecção na boca podem causar problemas em outros órgãos do corpo não é nova, data do início do séc. XX. Por falta de comprovação científica, porém, acabou caindo em descrédito. Essa teoria só voltou a ter força nos últimos anos, devido às melhores técnicas de pesquisa, e encurtou a distância existente entre a odontologia e a medicina.

A boca abriga cerca de 700 espécies de microrganismos, que, por diversos meios, alcançam a corrente sanguínea e chegam até outras partes do corpo. Assim acontece na endocardite bacteriana, quando as bactérias residentes na boca se alojam no coração e desencadeiam um perigoso processo infeccioso.

Pois não é apenas por essa via direta que uma doença na boca pode causar problemas no restante do corpo. O próprio sistema de defesa do indivíduo é capaz de causar diversas alterações no organismo. Para combater uma infecção na boca, o corpo produz e despeja na corrente sanguínea uma porção de substâncias, chamadas mediadores inflamatórios, que podem desencadear ou descontrolar doenças como o diabetes, câncer, parto prematuro, nascimento de bebê de baixo peso, disfunção sexual, doença de Alzheimer, doenças cardiovasculares, renais e respiratórias.

Uma das principais infecções na boca é a periodontite ou doença periodontal, que é a inflamação que acomete os tecidos que sustentam o dente na boca, ou seja, gengiva e osso. Esse processo inflamatório leva à reabsorção do osso ao redor dos dentes, podendo levar à perda do próprio dente. A periodontite em estágios iniciais não causa dor, por isso é comum o paciente só percebe alguma alteração na boca quando a doença já está avançada, apresentando mobilidade dos dentes.

A causa principal da periodontite é a placa bacteriana, que é um acúmulo de bactérias e resíduos de alimento que se depositam sobre os dentes e não são removidos de forma eficiente durante a escovação.

Sinais de alerta:
  • Sangramento durante escovação e uso do fio dental.
  • Gengiva muito vermelha
  • Mau-hálito
  • Dentes moles
  • Dentes mudando de posição

A relação entre focos de infecção na boca e doenças em outras partes do corpo foi observada pela primeira vez por volta do ano de 1900 por médicos ingleses. Assim nasceu um conceito chamado infecção focal. Com base nesse pensamento, iniciou-se um período da história em que os dentes eram indiscriminadamente extraídos como forma de se evitarem doenças sistêmicas.

Se por um lado a remoção de dentes evitava os focos de infecção na boca, por outro a falta deles causava sérios problemas, como dificuldade na alimentação, problemas gástricos e desnutrição.

Além dos problemas causados pelas extrações em série, a teoria da infecção focal não teve comprovação científica e começou a ser questionada por volta de 1930. A partir de então, a odontologia e a medicina seguiram caminhos diferentes. A odontologia passou a focar no tratamento restaurador, menos preocupada com a saúde geral do paciente. O reflexo disso nós podemos notar observando o rápido avanço das técnicas e materiais das próteses e restaurações, atualmente muito resistentes e estéticos.

A odontologia somente voltou a se aproximar da medicina a partir da década de noventa, quando a desacreditada teoria da infecção focal ganhou novas forças. Diversos avanços científicos, como o aprimoramento dos métodos de pesquisas e o melhor entendimento das doenças da boca, puderam enfim comprovar que a inflamação da gengiva está realmente relacionada a diversas complicações no nosso organismo, entre elas:

Diabetes

É sabido que a periodotite é a sexta complicação do Diabetes. Como o paciente diabético apresenta dificuldade em reagir a processos inflamatórios e infecciosos, as consequências dessa inflamação na boca são mais graves (mais perda óssea e mais perda de dentes).

A periodontite também dificulta a absorção de insulina dos pacientes diabéticos. Dessa forma, ocorre uma maior descompensação glicêmica, ou seja, o paciente que não trata suas infecções bucais não consegue controlar seu diabetes, e vice-versa.

Doenças Cardiovasculares

A literatura recente aponta que a associação entre a doença periodontal e as doenças cardiovasculares podem ocorrer de quatro formas diferentes. A principal delas é o efeito direto dos agentes infecciosos presentes na doença periodontal participando na formação de placas de ateromas. As placas de ateroma estão determinantemente envolvidas na ocorrência do infarto do miocárdio (ataque cardíaco) e do acidente vascular cerebral (derrame cerebral).

Parto prematuro e bebê de baixo peso

As bactérias presentes na doença periodontal e o próprio processo inflamatório podem ativar hormônios responsáveis pela contração do músculo uterino, provocando o parto prematuro. Além do parto prematuro, a inflamação da gengiva também pode provocar o nascimento de bebê de baixo peso por interferir no crescimento intrauterino do feto.

Câncer

O paciente com periodontite apresenta centenas de espécies bacterianas, o que representa uma séria ameaça à saúde de pessoas com o sistema imunológico alterado em decorrência do tratamento oncológico. Esses pacientes podem sofrer complicações pela bacteremia provocada pela penetração de bactérias da boca na corrente sanguínea. Por isso, é muito importante que se faça o tratamento odontológico antes de se iniciar a terapia do câncer.

Além dos riscos da presença de infecção na boca dos pacientes com câncer, existe uma associação da periodontite e o risco de desenvolver tumores. A presença de inflamação em alguma parte do corpo está envolvida com a formação de aproximadamente 20% dos tumores humanos. Sendo assim, a inflamação causada por infecções pode ser uma das causas preveníeis mais importantes do câncer.

Nos dias atuais, felizmente, não é necessário remover os dentes para evitar os focos de infecção na boca, como era feito no início do século passado. Existe tratamento para as doenças da boca e, o mais importante, existem formas de preveni-las.

O tratamento da periodontite consiste na remoção da placa bacteriana e do cálculo, também conhecido como tártaro. O dentista remove a placa e o tártaro fazendo a raspagem e o alisamento do dente, usando instrumentos próprios. Mas isso não é suficiente para controlar a inflamação. É necessário que o paciente seja instruído e motivado a aderir a novos hábitos de higiene bucal. Agora que não há mais dúvidas – a saúde definitivamente começa pela boca, é imprescindível que odontologia participe de equipes multidisciplinares de tratamento e também de prevenção de doenças sistêmicas, ou seja, de todo o corpo. Tenhamos sempre em mente que a aproximação das diversas áreas da saúde vem se caracterizando como um dos principais alicerces para a promoção de saúde.

Fonte: Elisa Grillo Araújo – cirurgiã-dentista especialista em Periodontia