Especialista pontua os erros que levaram a empresa a cogitar sair do Brasil, enquanto sindicato revela proposta de renegociação de direitos trabalhistas
O comunicado da Chevrolet informando seus funcionários que poderia encerrar suas atividades no Brasil foi um susto logo no começo da semana, mas é consequência de 4 principais erros acumulados nos últimos anos. Essa é a visão de Antonio Jorge Martins, coordenador dos cursos de gestão automotiva da Fundação Getúlio Vargas. Já o sindicato dos metalúrgicos de São José dos Campos e São Caetano interpreta o comunicado como uma estratégia de negociação. Entenda quais foram os erros que levaram a montadora norte-americana a essa situação, saiba se a chance de ela sair do país é real e o que a montadora está fazendo agora.
1 – Chevrolet demorou a reagir às rivais
Para o professor Antonio Jorge Martins, o fator mais antigo que levou à crise atual é, na realidade, comum às quatro montadoras que dominaram o mercado brasileiro com folga durante décadas:Chevrolet, Ford, Fiat e Volkswagen. “Enquanto o mercado estava crescendo, tudo estava caminhando bem. A partir de 2013, o mercado começou a cair e as empresas começaram a sentir as diferenças que existiam entre elas”, diz. Ele sustenta que a investida de algumas montadoras em segmentos importantes do mercado fez com que as quatro grandes tivessem que reajustar suas estratégias, focando em competitividade. Mas, isso não foi feito a tempo pela norte-americana.
2 – Montadora focou demais em um só segmento
Além de ter demorado para reagir à chegada mais forte de empresas como a Hyundai, Honda, Jeep e Nissan, a Chevrolet focou boa parte de seus investimentos em apenas uma família de carros: Onix e Prisma. “Hoje o mercado exige que essas empresas ofereçam produtos adequados em várias plataformas, não somente em uma. O Onixé um destaque na GM, mas o mercado como um todo exige lançamentos novos a cada 2 ou 3 anos”, afirma. Antes, com menos competitividade, esse prazo chegava a 6 anos.
3 – Onix vende muito, mas lucra menos que outros modelos
Outro fator que levou a montadora norte-americana a anunciar dificuldades por aqui é que o foco em modelos populares até rendeu à empresa o título de líder de mercado. Mas, isso não necessariamente trouxe mais dinheiro à companhia. “O SUVé um dos produtos que tem maior margem de lucratividade. Qual é o produto forte da GM nessa categoria? A GM não tem”, analisa Martins. Atualmente, a montadora vende no Brasil o Tracker em uma geração defasada em relação à concorrência. O modelo recebeu apenas uma reestilização recente, o que inclui a renovação do motor. Já o Equinox ocupa hoje uma faixa de preços, mais alta, na casa dos R$ 150 mil.
Enquanto isso, Jeep, Honda e Hyundai lançaram utilitários esportivos compactos que somam hoje em dia bons números de venda. O Creta, por exemplo, fechou 2018 como SUV compacto mais vendido do país, apenas dois anos depois de chegar por aqui. “É preciso ter bons produtos em todas as faixas, principalmente nas faixas superiores. Hoje a GM está fragilizada no mercado de SUV de médio porte, que concorre com Creta, Nissan Kicks e HR-V”, diz o professor.
4 – Vendas diretas diminuem ainda mais o lucro
Também entra na conta da situação crítica da empresa por aqui a grande quantidade de carros vendidos na modalidade de vendas diretas – o que contribui para que o Onix seja líder de mercado. Nessa modalidade, a empresa vende grandes lotes de carros para um mesmo comprador, geralmente uma empresa. Para isso, porém, precisa diminuir o valor do carro, abrindo mão da margem de lucro. Antonio Jorge Martins estima que 40% das vendas da Chevrolet em 2018 no Brasil tenham sido nessa modalidade.
Mas, afinal, a Chevrolet deve sair do Brasil?
Apesar de todo esse cenário negativo, o professor da FGV relativiza a ameaça de abandonar o Brasil. Ele afirma que nosso país é um dos mercados com maior potencial de crescimento nas vendas de carros nos próximos anos. “Seria uma temeridade a GM se afastar desse mercado. A Tesla vale mais do que a GM mesmo tendo só uma fábrica porque tem credibilidade, expertise e potencial. O mercado vive de expectativa, por isso é que a Chevrolet precisa se adaptar”, afirma.
O que a Chevrolet pretende fazer agora?
Depois de enviar o comunicado para os funcionários de suas fábricas, a Chevrolet abriu negociação com o sindicato dos metalúrgicos. Na última terça (22) e quarta-feira (23), Carlos Zarlenga, presidente da GM Mercosul se reuniu com dirigentes dos sindicatos de São José dos Campos e São Caetano e os prefeitos das duas cidades.
Durante as reuniões, a empresa confirmou que participará de uma reestruturação global e que negociará com governos, sindicatos e fornecedores para conseguir realizar novos investimentos no Brasil. De acordo com o Sindicato dos Metalúrgicos de SJC e Região, a GM quer aumentar a jornada de trabalho, implementar banco de horas, liberar a terceirização em toda a fábrica e colocar fim no transporte fretado para funcionários, na jornada intermitente e na estabilidade do emprego para lesionados. O sindicato se posicionou contra o plano da montadora.
Outras rodadas de negociação entre a GM e os sindicatos estão previstas para os próximos dias. Vale dizer que a proposta da montadora só será discutida com os trabalhadores da fábrica e votada em assembleia no final desse processo de negociação.