O transtorno afetivo sazonal (TAS) de verão é motivo de atenção dos médicos há décadas. Mas muitos desconhecem essa condição e pode ser mais difícil combatê-la do que a depressão de inverno.
NO VERÃO PASSADO, CRISTINA Flores planejou fazer uma viagem de carro de duas semanas pelo meio-oeste dos Estados Unidos, dirigindo ao longo da costa de Ohio até as planícies de Iowa. Cada estado visitado a deixaria cada vez mais perto da meta de conhecer todos os 50 do país. Mas um dia antes de embarcar, Flores cancelou repentinamente a viagem, perdendo o direito de reembolso em todas as acomodações que havia reservado. Ela se sentia muito deprimida para sair de casa.
Não foi a primeira vez que isso aconteceu, mas foi o episódio mais recente — e mais intenso de que ela se lembra —, parte de um padrão depressivo sazonal que perdura, mas é bem controlado ao longo do ano e, então, surge no verão. Flores, agora com 43 anos e professora do ensino médio no sul do estado da Virgínia, diz que começou a notar mudanças sazonais de humor na sua adolescência, embora tenha sido formalmente diagnosticada com depressão apenas no verão de 2010. Quando ela relembra e analisa sua condição, consegue identificar a existência dessa tristeza de verão desde a infância.
“Meus pais sempre pensaram que era porque eu estava entediada ou não tinha nada para fazer”, conta ela. “Eu percebi agora na fase adulta que muitos dos meus problemas de infância eram claramente problemas de saúde mental.”
Embora não saiba, Flores sofre de transtorno afetivo sazonal (TAS) de verão — parente do transtorno afetivo sazonal de inverno, porém, mais raro, mais difícil de tratar e normalmente subdiagnosticado. Pessoas com TAS de inverno apresentam letargia, maior sonolência, aumento do apetite e consequente ganho de peso, mas podem tratar seus sintomas de maneira bastante eficaz com fototerapia paliativa: exposição a uma lâmpada com uma frequência que simula a luz natural. Sessões de pelo menos 30 minutos por dia têm se mostrado eficazes no combate ao TAS de inverno.
Por outro lado, pessoas com TAS de verão se sentem mais agitadas, têm insônia, perda de apetite e perda de peso. Elas também têm maior probabilidade de apresentar comportamento suicida do que aquelas com a versão de inverno.
E ao passo que o TAS de inverno é consistentemente desencadeado pela escuridão sazonal, a versão que ocorre no verão é provocada por diversos fatores ambientais, como altas temperaturas, umidade e até mesmo alta concentração de pólen. Esses gatilhos instáveis dificultam a definição de um tratamento eficaz para o TAS de verão. Algumas pessoas preferem ficar dentro de casa o máximo possível durante os meses de verão, mas isso pode ser difícil quando a pressão social para sair e se divertir ao sol é muito alta.
Embora o TAS de verão seja motivo de atenção dos médicos há quase 40 anos, ainda há poucas informações sobre a condição. Dos poucos estudos sobre o TAS de verão, a maioria está restrita à década de 1990 e início de 2000, e não foram atualizados ou explorados desde então.
“Considerando que houve um crescimento nas pesquisas sobre o TAS de inverno, não há muitas pessoas levantando a bandeira e estudando a variante que ocorre no verão”, diz Kelly Rohan, diretora de treinamento clínico da Universidade de Vermont e psicóloga que estuda o transtorno afetivo sazonal desde 1993.
Esse distúrbio é bastante raro e frequentemente subdiagnosticado. Quando somamos a isso o fato de haver poucas pesquisas sobre a doença, a maioria das pessoas com TAS de verão provavelmente nunca ouviu falar desse transtorno. Antes de ser entrevistada para esta matéria, Flores diz que se considerava uma dessas pessoas; ela até brincou com seu terapeuta “sobre a ironia do que parece ser um transtorno inverso ao TAS de inverno”.
“As pessoas acham estranho ou pensam que eu estou brincando. Ninguém consegue entender por que alguém odiaria o verão”, diz Flores. “Devido ao fato de eu gostar bastante do frio e da escuridão, nós brincamos dizendo que sou uma criatura das cavernas que gosta de ficar na toca. Mas as pessoas simplesmente não entendem isso.”
Dias tristes de verão
Embora o TAS de inverno faça parte do zeitgeist (espírito da época) — especialmente no norte dos Estados Unidos —, o TAS de verão continua menos compreendido em parte porque, até onde sabemos, é muito raro. Ainda assim, nos Estados Unidos, sua prevalência parece aumentar e diminuir discretamente dependendo da latitude da região, assim como o TAS de inverno, embora de forma menos intensa.
Um estudo de 1990 demonstrou que 9,7% das pessoas em Nashua, New Hampshire, apresentaram TAS no inverno, enquanto apenas 0,5% relataram sintomas de TAS no verão. Mas em Sarasota, no estado da Flórida, a população com TAS de inverno cai para 1,4%, enquanto a população com TAS de verão aumenta para 1,2% — uma baixa proporção no geral, mas visivelmente maior do que na cidade mais ao norte no estudo.
Devido à raridade do distúrbio e à complexidade de seus gatilhos ambientais, os primeiros estudos sobre o TAS de verão tentaram descobrir o que exatamente precisava ser tratado, uma deficiência agravada por décadas de subdiagnóstico do transtorno.
“Uma condição se torna mais conhecida quando há algo evidente que se possa fazer a respeito. Esse é o caso do TAS de inverno”, diz Norman Rosenthal, psicólogo que identificou o transtorno afetivo sazonal pela primeira vez em 1984. “Posso fazer algumas recomendações sobre a versão de verão, mas não são tão fáceis, amplamente eficazes e difusas quanto a fototerapia.”
Para as mulheres, que em geral têm maior probabilidade de sofrer de transtornos afetivos sazonais, conviver com um problema psicológico raro pode ser especialmente difícil. Menos estudos significam menos conhecimento institucional, de modo que as mulheres que se queixam de seus sintomas com os médicos são incorreta e frequentemente rotuladas como mulheres que têm baixa autoestima e problemas de imagem corporal causados pelo guarda-roupa de verão, que inclui shorts e biquíni.“[O TAS de verão é] difícil de identificar, mas não pense que ele não existe. É real”, diz Rosenthal.
Combatendo a tristeza de verão
A conscientização das pessoas alivia o fardo de lidar com aflições mentais, incluindo transtornos afetivos sazonais, porque as normas sociais impõem regras sutis ao nosso bem-estar. Mesmo que a maioria da população não apresente episódios depressivos evidentes durante o inverno, muitos podem se sentir tristes ou sem vontade de interagir com outras pessoas durante os meses mais escuros do ano.
O cenário oposto se aplica no verão. A maioria dos norte-americanos prefere o clima quente ao frio, o que pode alienar e isolar pessoas que não se sentem bem durante essa estação favorita.
Laura Price Steele, 33 anos, moradora de Wilmington, Carolina do Norte, que convive com a depressão de verão, diz que se sente descompassada em relação ao restante das pessoas durante todo esse período. “Sinto que fico mais em sintonia com o mundo quando está mais escuro e mais frio, e todos estão cansados e um pouco infelizes”, diz Steele.
Mas essa desarmonia também pode vir acompanhada de momentos de paz. O ar cortante do inverno, o consolo da quietude e a proteção oferecida pela escuridão proporcionam uma sensação de vitalidade, diz ela. Enquanto todos ao seu redor estão se encolhendo e se escondendo, Steele fica mais produtiva, tem mais foco, mais energia e se diverte mais. O mesmo se aplica a Flores, que pode ter cancelado sua viagem no verão passado, mas seguiu em frente com uma viagem para a Islândia em novembro, acompanhada do marido.
Pessoas com TAS de verão administram sua depressão de formas previsíveis, como psicoterapia, medicação e afastamento de atividades difíceis como viajar. Uma estratégica menos clínica é utilizar o ar-condicionado com mais frequência em comparação ao uso do aparelho por uma pessoa sem o transtorno para enfrentar o calor do verão.
Em 1987, um estudo de caso com 12 pacientes com transtorno afetivo sazonal mostrou que métodos extremos podem ajudar a combater a depressão de verão. Uma mulher com a doença permaneceu completamente fechada em um espaço com ar-condicionado por cinco dias e tomou banhos frios de 15 minutos várias vezes ao dia. Funcionou, mas além de ser totalmente insustentável no dia a dia, a mulher relatou que logo após sair desse ambiente controlado, os sintomas retornaram.
O desenvolvimento de tratamentos mais práticos se mostra cada vez mais importante devido ao aquecimento global. As mudanças climáticas já exercem um impacto negativo na saúde mental, e Rosenthal e Rohan acreditam que esse fenômeno antropogênico aumentará as taxas de TAS no verão. Pense nas ondas de calor na Sibéria ou nas crescentes nuvens de pólen no hemisfério Norte: populações que nunca precisaram tolerar os gatilhos do TAS de verão estão cada vez mais expostas a eles. Além disso, pessoas com tendência à TAS de inverno que vivem em locais já quentes e úmidos, mas que normalmente aproveitam o verão, podem deixar de tolerar a estação à medida que ela se torna mais extrema.
“Caso não tenham ar-condicionado para protegê-las do calor e da umidade crescentes causados pelo aquecimento global, essas pessoas podem desenvolver um padrão semestral”, diz Rohan.
Mas em uma reviravolta sombria e cômica, nesse verão (no hemisfério Norte) marcado pela pandemia, quando as taxas de depressão e ansiedade estão aumentando para todos, Flores e Steele estão tendo uma vida razoavelmente fácil pela primeira vez no verão em algum tempo. Steele e sua esposa até mesmo deram as boas-vindas a um novo bebê em junho, mas as pressões da maternidade durante a pandemia ainda parecem sob controle para ela, contanto que haja um motivo para se manter fresca dentro de casa.
Não há festas na piscina, praia ou churrascos no quintal. Até mesmo convites para encontros ao ar livre, com máscara e distanciamento social, podem ser recusados com uma desculpa socialmente aceitável que não envolva citar um transtorno de humor incompreendido. O verão foi efetivamente cancelado este ano e, na verdade, algumas pessoas não poderiam estar mais felizes com isso.
Fonte: National Geographic Brasil