Sabendo da importância do assunto, o Aconchego reuniu diferentes depoimentos sobre a forma de abordar a origem da criança no processo de filiação
Anualmente, o dia primeiro de abril é marcado por “pegadinhas” e brincadeiras em alguns países ocidentais, como o Brasil. Essa prática está relacionada à comemoração do Dia da Mentira, onde as pessoas aproveitam para celebrar a ocasião de uma forma leve e divertida.
Apesar de ser uma ação inofensiva, quando não há ofensas e piadas de mau gosto com outras pessoas, a data comemorativa traz a reflexão para um assunto importante dentro do âmbito da adoção: quando e como contar a verdade sobre a origem das crianças que vieram de instituições de acolhimento?
Maria da Penha Oliveira, psicóloga e coordenadora do novo projeto do Grupo Aconchego, intitulado “Entrelaços”, chama atenção para que a adoção seja um tema que circule na casa da família com naturalidade. Segundo a profissional, não se deve esperar um dia especial para abordar o assunto com a criança. “Deve ser um ato simples, introduzido nas narrativas familiares”, indica.
Penha pondera que, por volta dos três anos de idade, toda criança é tomada pela curiosidade acerca da origem dos bebês. Para algumas famílias, este momento pode ser uma abertura para iniciar as conversas sobre a adoção, respeitando as indagações que surgirem e compreendendo a maturidade cognitiva e emocional do filho.
“Os pais devem responder somente o que for perguntado pela criança, sem medos ou discursos”, destaca. O diálogo sobre o tema deve fluir de forma espontânea, por isso, é interessante apostar em recursos externos, como histórias infantis ou, até mesmo, filmes e músicas. A proposta de especialistas, segundo a psicóloga, é que a criança tenha elementos diversificados para que se conscientize da sua própria origem.
Por essa razão, investir em um álbum fotográfico, por exemplo, é uma boa forma de aproximá-la desta realidade. Nesse “arquivo”, é possível incluir detalhes da vida da criança, inclusive, envolvendo a história dos pais e a gestação adotiva, trabalhando com a preparação, a espera, o dia em que souberam que o filho chegaria e o momento em que o receberam em casa.
Vale destacar que a transparência sobre o assunto é fundamental para o desenvolvimento da criança. “Excluí-la disso é reduzi-la ao objeto do desejo do outro. A sua história deve ser construída com fatos reais e verdadeiros, respeitando sempre o seu tempo para compreensão dos fatos. Ainda que, inconscientemente, ela sabe de sua adoção. Se isso não for confirmado a ela, a família corre o risco das informações chegarem por meio de outras pessoas de modo distorcido e o resultado pode ser um sentimento de traição, de menos valia e de não pertencimento”, explica Penha.
Como iniciar a conversa
Lucas chegou à família da Adriana Leite, voluntária do Aconchego, com menos de um ano de idade. Antes de completar dois meses no novo lar, a Vara da Infância e Juventude convidou os pais para participar do curso intitulado “Vivências”, onde foi colocada a importância de contar sobre a adoção da criança com outras pessoas que também passavam pela mesma realidade. Na ocasião, os representantes do órgão solicitaram que cada família criasse um mural, livro ou álbum onde os filhos pudessem ter acesso às próprias histórias de forma livre.
“Fizemos um material narrando a minha história com o Paulo, meu marido, desde a época em que começamos a pensar em ter filhos até os dias atuais, como os pais do Lucas. Nesse espaço, há textos, recortes, documentos e fotos”, conta. Por conta da construção desse assunto de forma gradual, Adriana explica que não tem dificuldade em falar sobre o tema dentro de casa.
Segundo ela, o Lucas carrega uma história antes de ter sido acolhido, que o levou até eles. Para Adriana, a parte mais sensível relacionada à adoção diz respeito ao fato de que ela não pôde estar com ele logo após o seu nascimento. Entretanto, o Aconchego trouxe suporte necessário durante esses períodos, principalmente relacionado à temática sobre adoção.
“Além das reuniões que íamos com frequência, que traziam à tona como contar sobre a adoção para o nosso filho, sempre lemos livros e assistimos programas indicados por profissionais. Atualmente, não conseguimos participar com a mesma frequência, contudo, sempre recorro a eles quando precisamos de suporte”, comenta.
O termo “adotado” nunca foi dito diretamente ao Lucas, porém, Adriana busca construir esse processo de forma natural. Para ela, ainda há um pouco de receio na forma que a informação chegará a ele, pois o assunto deve ser discutido internamente, com a família. Para essa preocupação, ela conta com o Aconchego para direcionar a forma que essa situação poderá ser conduzida de forma tranquila e leve.
“O Lucas vai perguntar diretamente e, mais a frente, quando ele estiver maior, é normal que queira saber detalhes e nós estaremos presentes nesse processo. Acredito que haja uma compreensão sobre o assunto, pela forma que abordamos o tema, mas não um esclarecimento total sobre o significado”, diz Adriana.
Sem medo ou mentiras
Soraya Pereira, psicóloga e presidente do Grupo Aconchego, é mãe por adoção de Ugo e Thainá. Ela explica que o tema sempre foi falado em casa com tranquilidade. Ambos tiveram consciência das suas histórias desde cedo e, por isso, as crianças tiveram boa receptividade. Para o Ugo, que chegou com um dia no lar, houve um processo de construção.
“A gente contava uma história para ele, onde havia uma galinha e um galo que não conseguiam ter filhotes. Falamos que, nessa mesma fazenda, outra galinha teve os seus pintinhos, mas não pôde cuidar deles, então, deu a oportunidade de uma família fazer isso. Conforme ele perguntava algumas coisas para nós, esclarecíamos um pouco mais sobre o assunto”, relembra.
No caso de Thainá, a abordagem teve que ser diferente, pois ela chegou à família com quatro anos. Por saber que estava em uma casa que, antes, não era de sua convivência, Soraya teve que adaptá-la, contando a sua história e deixando-a à vontade para questionar sobre todo o processo.
Soraya conta que tanto ela quanto o marido sempre leram bastante sobre adoção e essa iniciativa facilitou o momento de conversar com as crianças, visto que é fundamental ter o entendimento acerca do assunto. Dessa forma, a família pode abordar o tema de forma segura, sem medo, mentiras ou fugas.
Para os pais que sentem dificuldades em desenvolver a temática dentro de casa, Soraya aconselha o aprofundamento nesse universo. “Eles precisam entender sobre adoção e frequentar grupos de apoio, como o Aconchego. Participar desses espaços é extremamente positivo porque os pais entram em um contexto onde as pessoas vivem e conhecem a situação que eles passam. Saber que outras pessoas passaram pelo mesmo período de adaptação é fundamental”, conta.
Nesses ambientes, cria-se a consciência sobre a adoção. Além disso, são discutidos assuntos relacionados à necessidade da criança saber de suas origens. Soraya acredita que, omitir a história da filiação, é desrespeitoso e, por isso, a conversa se faz necessária.
“Toda criança tem direito de saber da sua origem. É importante ter conhecimento e clareza com o que aconteceu com ela. No Aconchego, a gente incentiva a falar a verdade, contar os fatos. É desta forma que se cria um laço de confiança. A relação fica mais segura e honesta, com mais chances de sucesso”, pontua.
Fonte: Divulgação