Quantas vezes você já experimentou a sensação frustrante de ter uma palavra “na ponta da língua” e simplesmente não conseguir verbalizá-la? Extremamente comum e, muitas vezes, irritante, este fenômeno ocorre quando sentido e som chegam até você em momentos diferentes e a informação final fica ali, perdida na ponta da língua, sem ter como sair. Pelo menos uma vez por semana vamos esquecer o que íamos dizer, mas a boa notícia é que geralmente não é algo digno de preocupação.
Neurologista do Hospital Santa Paula, Alexandre Bossoni explica que o cérebro funciona de uma forma incrível, cada parte tem uma função específica e a nossa percepção da realidade acontece quando todas estão funcionando juntas. “Uma parte identifica a cor, outra a forma, outra coloca todas as informações do campo visual juntas e outras vão dar o sentido e reconhecer o objeto visto. A palavra é responsabilidade de outra área. O ‘fenômeno da ponta da língua’ acontece quando todas elas mandaram suas informações, porém a parte responsável pelos sons que significam aquele objeto não chegou ainda”.
Esse fenômeno, de acordo com Paulo Takeshi Nakano, clínico-geral e neurologista da Rede de Hospitais São Camilo, geralmente acontece com substantivos comuns e nomes próprios. Além disso, na maioria das vezes, estresse e nervosismo são gatilhos para o bloqueio de palavras bem na ponta da língua. Por isso, é muito importante estar atento ao estado emocional.
“É muito comum que alterações de humor, como transtornos ansiosos, nos provoquem esquecimentos, muitos deles associados a déficits atencionais e alterações de linguagem advindas do aumento súbito de dopamina. Por isso, a calma é perdida ao realizar uma prova ou o gaguejar quando em um estado de choque”, explica Diogo Haddad, neurologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
Segundo o especialista, esquecer faz parte do processo normal do cérebro e tende a ser algo positivo e fundamental dentro do caminho fisiológico do envelhecimento. “O fenômeno da ponta da língua é benigno na grande maioria das vezes. Doenças que alteram linguagem isoladamente, como variantes de Alzheimer e demências frontotemporais são muito raras”, ressalta Haddad.
Palavra esquecida demora para chegar, mas chega
O cérebro processa milhões de informações ao mesmo tempo. De acordo com Ricardo Alvim, neurologista do Hospital Samaritano e especialista em neurologia cognitiva e do comportamento, os estímulos externos são captados pelos órgãos sensoriais (visão, olfato, audição e tato), mas há diversas informações do próprio corpo (como temperatura, pressão arterial, frequência cardíaca) que igualmente disputam atenção.
“Com esse fluxo de informação, é natural que haja uma seleção das informações mais importantes e, por isso, muitas vezes algo pode passar despercebido, se a atenção sustentada não estiver plena”, diz ele. Assim, às vezes procuramos algo que queremos falar, mas muitas vezes a nossa atenção está direcionada em outro tema ou tópico e, com isso, a informação pode sair um pouco atrapalhada. “O que habitualmente acontece, é que minutos ou horas após [o ocorrido], aquela informação ressurge na sua cabeça, pois o cérebro continuou buscando. Ela chegou um pouco atrasada, mas chegou”.
É como se o “secretário do cérebro” continuasse buscando pela palavra-chave nas milhões de gavetas de conteúdo que existe em nossa cabeça.
Esquecer palavras tem relação com idade?
Enquanto alguns especialistas afirmam que o fenômeno da ponta da língua é mais comum em jovens adultos, muitas vezes, por conta da carga excessiva de trabalho, há quem defenda que o bloqueio de palavras está muito mais ligado ao envelhecimento.
“Vemos essa queixa com mais frequência nos adultos jovens, talvez esteja relacionado a um processo de estresse com alta carga de trabalho e poucas horas de sono. Por outro lado, se esses eventos começam a acontecer em indivíduos a partir dos 60, 65 anos, é preciso investigar, pois pode ser a manifestação clínica de uma doença neurodegenerativa que acometa a área de linguagem do cérebro, como as afasias progressivas primárias”, diz Alvim.
Segundo Bossoni, conforme envelhecemos, o fenômeno da ponta da língua pode se tornar mais frequente. “O envelhecimento causa modificações do cérebro que podem afetar o funcionamento da região responsável pela formação das palavras. Isoladamente, não poderíamos dizer que a presença desse fenômeno prediga a presença de alguma doença, mas a ocorrência repetida, com bastante frequência, que até atrapalha o dia a dia da pessoa, seria um sinal amarelo para quadro de estresse crônico, sono inadequado e outras situações que drenam nossa energia mental”.
De acordo com ele, pessoas poliglotas tendem a experimentar o fenômeno com muito mais frequência. “Nos casos deles, é como se diferentes palavras competissem pela atenção da consciência”.
Para Alvim, neste caso, tudo vai depender de qual língua é a dominante e mais utilizada no dia a dia. “É comum a pessoa lembrar a palavra em apenas uma das línguas. Outro detalhe é que esses eventos podem ficar ainda mais comuns caso o indivíduo fique muito tempo sem utilizar uma das línguas”.
Como melhorar o funcionamento do cérebro?
Para Bossoni, correr o alfabeto até achar a palavra perdida na ponta da língua pode ser uma boa maneira de se lembrar o que ia dizer. “É como se déssemos uma pista para nossa mente achar o conjunto de sons correto para aquele significado que se quer dar um nome. Atividades físicas, alimentação saudável e bom controle de doenças sistêmicas (pressão alta, diabetes) melhoram o funcionamento do cérebro como um todo e provavelmente terão impacto positivo para se evitar esse fenômeno”.
Outra sugestão é utilizar palavras com a mesma fonação ou que tenham um significado próximo. “Essa estratégia pode ajudar a fazer associações entre as palavras e aumentar o vocabulário. Um exemplo é o uso do jogo de caça-palavras, onde, ao somar letras e fonemas, o cérebro, aos poucos, vai identificando a palavra desejada”, comenta Alvim.
Palavras cruzadas também podem ser bastante efetivas, conforme Nakano. “Podemos utilizar exercícios como falar palavras que iniciem com a mesma letra da palavra-alvo, fazer palavras cruzadas, evitar ouvir determinadas pistas de outras pessoas que podem atrapalhar a busca da palavra-alvo”. Curiosamente, pistas ou dados que podemos oferecer a uma pessoa que está nessa situação podem ter efeito negativo, fazendo com que a pessoa demore mais tempo para lembrar a palavra bloqueada. Nestes casos, quando a pessoa procura em sua memória, tudo o que ela lembra é a pista que oferecida.
Quanto mais bagagem tivermos a respeito de experiências e aprendizados, menor a chance de esquecimentos. “A reserva cognitiva é parte fundamental dentro do processo do esquecimento em doenças neurológicas, apesar de seu papel ainda estar em estudo no fenômeno da ponta da língua, que não é considerada uma doença e nem mesmo preditor de possível doença”, aponta Haddad.
Fonte: UOL