Ir ao mercado não é uma tarefa fácil se você ou alguém que mora com você tiverem alergias alimentares. Os rótulos dos alimentos industrializados podem parecer um pesadelo para quem tem intolerância, sensibilidade ou reações alérgicas a certas substâncias.

Pensando nisso, o VivaBem conversou com especialistas no assunto para saber a melhor forma de identificar alérgenos nos rótulos e fazer das suas compras mais fáceis e seguras.

Jacobs Stock Photography Ltd/Getty Images

Imagem: Jacobs Stock Photography Ltd/Getty Images

Não julgue o livro pela capa

Por mais chamativas que possam ser, não dá para confiar nas imagens que ilustram os produtos e, às vezes, nem mesmo nos símbolos e frases da embalagem. Ainda que de maneira indevida, alguns produtos industrializados apresentam ilustrações de alimentos que não condizem com a sua formulação, no caso do mel representado na caixa de cereal não constar no produto, por exemplo. Mas isso pode ser perigoso, caso o produto esconda algum ingrediente.

Também é comum encontrar afirmações como “sem glúten” e “sem leite”, com símbolos de leite e trigo cortados por uma faixa, mas elas nem sempre dizem a verdade. Essas alegações negativas, ainda que proibidas pela resolução aprovada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), em 2015 (RDC 26/15), podem confundir o consumidor.

Por isso, os olhos devem ser direcionados para a lista de ingredientes e para o alerta para alérgicos, que geralmente ficam juntos, na parte de trás do rótulo. Na lista de ingredientes estão os principais ingredientes que compõem o alimento e em ordem decrescente de proporção. Dependendo do item, essa lista pode ser numerosa e com termos um tanto incomuns para o público leigo.

Já no alerta para alérgicos, os alimentos que podem causar reações alérgicas aparecem em letras maiúsculas, em negrito e com linguagem popular; pelos nomes dos alergênicos principais. Em um pão, por exemplo, a lista pode apenas mencionar, em letrinhas miúdas, a caseína. Mas o alerta deve deixar claro: “CONTÉM LEITE”, afinal —ainda que impopular entre quem tem alergia láctea—, a caseína é uma proteína abundante no leite animal, que gera uma das alergias e sensibilidades mais comuns no Brasil.

Contém ou não contém?

No alerta para alérgicos, uma dúvida comum é quanto à diferença entre “contém” e “pode conter”. Quando o produto admite conter certo alérgeno, este faz parte da sua formulação. Já quando o item assume a possibilidade (“pode conter”), ele informa o risco de contaminação cruzada em alguma etapa do processo de produção —isso não quer dizer, necessariamente, que o alérgeno está em pouca quantidade.

O alergênico pode estar presente em quantidade mínima (traços) ou até mesmo em proporções mais elevadas (e isso varia de lote para lote), porque não foi adicionado intencionalmente ao produto, mas em razão do compartilhamento de maquinário.

Quando uma pessoa tem histórico de reações mais graves, como anafilaxia, a recomendação é evitar até mesmo a possibilidade de traços da substância causadora. Em casos de alergias mais leves, o contato com pequenas quantidades não traz risco de vida. De toda forma, apenas um profissional da saúde capacitado pode instruir a ignorar ou não esse alerta, se necessário, por avaliação da história clínica e testes de provocação oral.

Conheça seu inimigo

Para conferir se as informações da lista batem com as do alerta —e não depender exclusivamente deste—, vale conhecer as variações pelas quais as substâncias que lhe causam alergias são chamadas.

No caso do leite, além da caseína, há os caseinatos, lactosoro, lactoalbumina, fermento lácteo, lactoglobulina e a mais popular lactose. Para alérgicos à soja, os derivados menos conhecidos são tocoferóis, fitoesteróis e lecitina de soja. Quando o ovo é um problema, os nomes para ficar atento são: albumina, globulina, lisozima, ovalbumina e lecitina de ovo.

Seja qual for o alimento em questão, mais informações sobre alérgenos podem ser consultadas com profissionais da área ou através de instituições, como a Asbai (Associação Brasileira de Alergia e Imunologia) e a Alergia Alimentar Brasil, a fim de se ter em mente, no papel ou no bloco de notas do celular, as principais palavras ‘perigosas’ para evitar levar ao caixa.

mulher olhando rótulo com aplicativo - Getty Images - Getty Images
Estar com o celular em mãos pode ser útil para acessar o QR code presente em alguns raros itens para visitar o site dos fabricantes e buscar as informações alimentares Imagem: Getty Images
Caça-palavras, esconde-esconde e paciência

Sabendo onde e o que procurar, a outra recomendação é ir às compras sem pressa, com paciência. É necessário ler atentamente as informações do produto, mesmo quando a tarefa parece impossível. Para melhorar a leitura e caçar as palavras em casos de letras miúdas, com pouco contraste com a embalagem e escondidas em lugares pouco acessíveis, a lupa pode ser uma boa ferramenta.

Estar com o celular em mãos também pode ser útil para acessar o QR code presente em alguns raros itens para visitar o site dos fabricantes e buscar as informações alimentares. Mesmo sem o código, buscando em sites de pesquisa pela marca e descrição do produto, é possível encontrar o site oficial do fabricante com as informações do rótulo. Entretanto, nem sempre estão atualizados.

Outro cuidado é com os produtos vendidos em unidades em embalagens menores, como é o caso de algumas bebidas. Por serem destacados da embalagem original, podem não conter o rótulo adequado e as substâncias alérgicas passarem despercebidas na compra. Por isso, o ideal é buscar a embalagem não violada.

É preciso ser poliglota para ler rótulos de cosméticos e produtos de higiene?

Alguns cosméticos produtos de higiene pessoal, como sabonetes e xampus, possuem componentes que geram alergias alimentares, além de outras substâncias também potencialmente alérgicas e, diferentemente dos produtos alimentícios, a legislação não exige o alerta dessas substâncias em destaque no rótulo. A Anvisa pede que se use a INCI (Nomenclatura Internacional de Ingredientes Cosméticos), uma linguagem técnica, com palavras em inglês ou latim, como whey protein ou prunus amygdalus dulci, que se referem ao leite e ao amendoim, respectivamente.

A exigência de que os rótulos também tragam a informação em português foi aprovada recentemente, mas entra em vigor apenas em 2023. Até que o prazo para ajustes termine, muitos cremes, pomadas e protetores solares podem estar em linguagem técnica nas prateleiras. Nestes casos, e quando se tratam de itens importados, a recomendação é consultar um especialista para checar os alérgenos nos rótulos, se possível, conhecer o termo técnico do alérgeno a ser evitado e não se deixar levar pelos autointitulados “hipoalergênicos”, que afirmam possuir poucas substâncias alérgicas.

E quanto aos medicamentos?

Alguns medicamentos contêm componentes que causam alergia, caso da vitamina D, que muitas vezes é feita a partir do amendoim; dos comprimidos, que costumam conter lactose; das vacinas que têm em sua formulação componentes lácteos ou advindos do ovo. Esses riscos não são destacados na embalagem: é indispensável pedir ajuda antes de comprar medicamentos ou receber o imunizante.

Fique de olho nas mudanças

Os especialistas recomendam preferir comprar os produtos já conhecidos, aqueles que você já consome. Porém, é preciso ficar atento e sempre reler as informações a cada compra. Alguns industrializados quase idênticos (mesma descrição, design e fabricante) podem ter substâncias alérgicas diferentes, que estarão nos rótulos.

Eventualmente, os fabricantes alteram a composição de seus produtos e, por isso, é necessário ficar atento às mudanças. De acordo com a legislação, a nova fórmula deve ser informada na embalagem. Essa regra passou a valer em setembro de 2021 e, como as empresas podem demorar para atender essa demanda, sempre deve-se ler a lista de ingredientes e o alerta para alérgicos, mesmo se o item lhe for muito familiar.

Uma dica é acompanhar instituições que vigiam essas mudanças, como a Põe no Rótulo, que, desde 2014, atua na conscientização sobre alergia alimentar no Brasil.

Na dúvida, não compre

Ainda há lacunas na rotulagem de industrializados, que podem deixar dúvidas sobre a composição dos alimentos. Os especialistas reforçam que, na dúvida, não se deve comprar e consumir um item com um rótulo duvidoso.

Fontes: Emanuel Sarinho, professor titular da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), coordenador da Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente da UFPE e presidente da Asbai (Sociedade Brasileira de Alergia e Imunopatologia); Cecília Cury, advogada e líder do Põe no Rótulo; Renata Cocco, alergista pediatra e professora da Faculdade de Medicina Albert Einstein; Fernanda Mainier Hack, advogada e líder do Alergia Alimentar Brasil.

 

Fonte: Uol