Psicóloga do Colégio Seriös alerta para a popularização das plataformas audiovisuais, que expõem os pequenos, cada vez mais cedo, a cenas violentas, que podem causar danos ao desenvolvimento psíquico e cognitivo desses indivíduos
As crianças e adolescentes desta geração praticamente já nasceram no meio virtual. Celular, tablet e computador são recursos muito comuns que cercam o cotidiano delas. Mas, com tantas plataformas de streamming, produções audiovisuais e jogos, é essencial que os pais mantenham a atenção redobrada em relação aos conteúdos consumidos pelos filhos, especialmente neste período de férias escolares.
Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), o tempo de tela ideal para crianças de seis anos é de apenas duas horas por dia; e para crianças maiores e adolescentes, o recomendado são três horas. A psicóloga escolar Talita Santos, do Colégio Seriös de Brasília, alerta para a necessidade do uso imoderado, precoce e não supervisionado de dispositivos eletrônicos, que tem causado prejuízos de ordem cognitiva, psíquica e física nos jovens.
Um exemplo de inadequação é a recém-lançada série “Round 6”, da Netflix. A produção, que tem classificação indicativa para maiores de 16 anos, é a febre do momento, mas possui episódios com cenas de violência, suicídio, trapaças, mortes e disputa por dinheiro, considerados por especialistas conteúdos prejudiciais para o amadurecimento infantil.
O problema de crianças assistindo conteúdos inapropriados não é novidade no mundo dos streammings. Séries como The Walking Dead, Sobrenatural, Narcos e The Witcher já estiveram na lista dos mais populares entre adolescentes e crianças. Inclusive, todas estas produções têm recomendação para maiores de 16 anos.
Diante disso, a psicóloga do Colégio Seriös chama a atenção para os impactos que este tipo de conteúdo pode causar no cérebro durante a infância e a adolescência. “Nesta fase, as crianças estão consolidando suas funções executivas. Experiências assim podem comprometer as habilidades cognitivas de controlar pensamentos, emoções e ações”, explica.
A partir do momento em que a criança ou adolescente é exposto a conteúdos de alta complexidade antes da maturação cerebral, existe uma dificuldade na compreensão e na elaboração desses conceitos. “É como se ligássemos um carro e o dirigíssemos antes de terminar de formar o seu sistema eletrônico adequadamente”, exemplifica a profissional.
Quando falamos de “Round 6”, por exemplo, estamos falando de um conteúdo com cenas de violência explícita, suicídio, tráfico de órgãos, tortura psicológica, sexo, palavrões e muitos outros contextos delicados. A exposição destes conteúdos pode gerar impactos na vida social, afetiva e intelectual num momento tão importante da formação do caráter e da consolidação de valores tão imprescindíveis para a uma boa convivência coletiva – em qualquer ciclo social.
Controle dos pais
O controle de telas e de acessos parece sempre o caminho mais viável. E é o ideal quando falamos de crianças que ainda não têm o entendimento necessário para compreender um “não pode”. Mas em se tratando de adolescentes, o diálogo também é um passo importante para explicar os porquês e trazer compreensão para eles. Quando o diálogo atinge a realidade infanto-juvenil, é importante primeiro entender os conceitos sobre o tema que a criança ou adolescente já traz previamente. Uma boa alternativa é fazer perguntas às crianças, de modo que elas possam refletir sobre os conceitos e desenvolver habilidades sobre o conteúdo informacional que consumiram.
Ainda sobre a série “Round 6”, podemos promover reflexões e provocações sobre: O que é ambição? Qual o valor social do dinheiro e do poder econômico? O que leva pessoas a arriscarem tudo por dinheiro? Quais os valores da vida? O que seria, de fato, felicidade? E a empatia, o respeito e a cumplicidade?
A psicologia acredita muito no diálogo como uma ferramenta terapêutica essencial, individual e coletiva. As séries, os filmes e a literatura nos trazem oportunidades muito ricas de reflexão. “Nosso cuidado sempre deve ser com o equilíbrio e a forma. Esta série, especificamente, não tem uma forma apropriada de tratar disso com as crianças e, a partir desta compreensão, é importante dosar o contato e direcionar o conhecimento”, aconselha Talita.
Por outro lado, os pais também precisam ficar alertas para garantir que os filhos não acessem tais conteúdos e que estejam preparados para elucidar questões, que podem não ser absorvidas corretamente pelas crianças.
Na vida social, no entanto, algumas coisas têm tempo determinado para acontecer e os pais precisam estar muito atentos àquilo que os filhos assistem e procuram. Hoje, com a informação e o acesso disponíveis, é importante incentivar escolhas mais saudáveis, ainda que isso envolva limitá-las. A chamada “liberdade vigiada” também é uma opção, com ela, a relação de confiança pode ser preservada e os responsáveis conseguem acompanhar o que as crianças e adolescentes estão assistindo.
Rendimento escolar
As pesquisas já sinalizam que o excesso de exposição às telas e a conteúdos inapropriados prejudicam também outras funções executivas superiores como a atenção, a memória e o raciocínio. Ao direcionar a preocupação com o conteúdo da escola, os prejuízos estarão ligados às vivências e experiências sociais, que são promovidas no ambiente escolar.
A relação com a figura de autoridade, a empatia, o diálogo e os valores sociais e individuais afetam muito o desenvolvimento infantil e a saúde mental das crianças e adolescentes na escola.
A psicóloga escolar finaliza dizendo que a escola não precisa ser um ambiente punitivo. Ao contrário, é um lugar muito privilegiado por proporcionar o diálogo e a possibilidade da interação entre os pares.
“Na escola, por exemplo, pode-se incentivar o cuidado com as classificações indicativas dos conteúdos das telinhas e, dependendo da faixa etária, alertar e direcionar os estudantes para uma reflexão sobre os desafios sociais muito presentes nesta série e em outras”, conclui.
Fonte: Divulgação