Basta mencionar que você tem um bebê e quase todo mundo irá perguntar: como ele (ou ela) está dormindo?

Afinal, muitos pais e mães esgotados aguardam ansiosamente o momento em que seus bebês finalmente dormem durante a noite. Particularmente no mundo ocidental, desenvolveu-se uma indústria de instrutores, livros e artigos sobre o sono, prometendo ajudar as famílias a conseguir aquilo que muitos consideram o Santo Graal: um bebê que durma no berço, sozinho, toda a noite e tire longas sonecas ao longo do dia.

Existem até alguns pediatras que orientam os pais dizendo que, sem alcançar esses objetivos, as crianças têm menos probabilidade de conseguir o sono de que precisam para crescer e se desenvolver.

Mas essa ideia de sono independente e sem interrupções está longe de ser universal — e é também muito diferente da forma como os bebês humanos vêm dormindo ao longo da maior parte da história da nossa espécie. Se levada longe demais, ela pode causar alto grau de ansiedade e tensão para os pais — e até trazer insegurança para os próprios bebês.

“A forma como dormimos no século 21 é um tanto estranha no sentido evolutivo, já que nós não evoluímos para dormir como se estivéssemos mortos por um período de oito horas sem acordar, em silêncio e escuridão total”, afirma Helen Ball, professora de antropologia da Universidade de Durham e diretora do Centro do Sono e da Infância de Durham, no Reino Unido.

“Mas as pessoas se acostumaram com isso na sociedade ocidental”, segundo ela. “E isso afeta a forma como imaginamos o que os bebês deveriam ser capazes de fazer e como eles devem ser tratados.”

Sono suficiente?

A preocupação sobre a quantidade suficiente de sono dos bebês não é algo novo.

As primeiras orientações “científicas” datam de 1897. Naquele ano, em um livro sobre o sono para a série Contemporary Science (“Ciência Contemporânea”, em tradução livre), publicada em Londres, um médico russo recomendou que os recém-nascidos dormissem 22 horas por dia.

Ao longo de todo o século 20, a quantidade de horas sugerida diminuiu, mas o sono recomendado era frequentemente cerca de 37 minutos mais longo que o sono real dos bebês, o que causou preocupação entre os pais por décadas.

Os especialistas concordam que o sono é fundamental para os bebês e para as crianças mais novas (e, a propósito, também para os adultos). A falta de sono foi relacionada a fatores de risco cardiometabólicos, aumento do risco de TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade) e baixo desempenho cognitivo, além de prejuízos ao controle emocional, às realizações acadêmicas e à qualidade de vida.

Mas muitas dessas conclusões de prazo mais longo envolvem crianças em idade escolar e não bebês. E são também correlações, não causas.

A única forma de saber se uma certa quantidade (ou falta) de sono “causa” uma condição específica, como TDAH — como aparentemente indicam as pesquisas que exibem correlações entre o transtorno e crianças que costumam dormir menos à noite — seria realizar um estudo randomizado controlado.

Mas esse estudo precisaria privar de sono um grupo de crianças por vários anos — o que obviamente é antiético. Por isso, é difícil esclarecer até onde a associação pode ser reversa: crianças com TDAH podem simplesmente dormir menos.

É claro que é provável que haja uma relação de mão dupla entre o sono e o desenvolvimento. Estudos randomizados controlados de curto prazo concluíram que os bebês atingiram melhores resultados em testes de memória depois de uma soneca e, em uma descoberta que não será nenhuma surpresa para os pais, crianças cansadas têm mais dificuldade para lidar com situações estressantes.

Isso pode significar que não devemos fazer nada para inibir o sono (como forçar deliberadamente uma criança a ficar acordada), mas também não quer dizer que todo bebê precise de 12 horas de sono por noite sem interrupções e várias sonecas de duas horas por dia.

“Da mesma forma que o tempo de sono dos adultos apresenta diferenças, o mesmo acontece com os bebês”, segundo Alice Gregory, professora de psicologia especializada em sono da Universidade Goldsmiths, em Londres, e autora do livro Nodding Off: The Science of Sleep (“Cochilando: a ciência do sono”, em tradução livre).

Ela ressalta que a Fundação Nacional do Sono dos EUA recomenda que bebês com até três meses de idade devem ter 14-17 horas de sono a cada período de 24 horas, mas até 11 ou 19 horas poderão ser adequadas. Paralelamente, as recomendações de duração do sono da Academia Norte-Americana de Medicina do Sono não incluem nenhuma orientação para bebês com menos de quatro meses de idade. E nenhuma das duas organizações faz recomendações específicas sobre a duração do sono noturno e das sonecas.

“Essas orientações levemente diferentes indicam que até os principais especialistas mantêm discordâncias sobre o sono dos bebês”, afirma Gregory.

A extensão da variação também fica clara quando se observa como os bebês realmente dormem. Um estudo australiano demonstrou que, ao longo de um período de 24 horas, a quantidade média de sono de 554 bebês com quatro a seis meses de idade foi de 14 horas. Mas, observando-se os dados mais de perto, fica claro que houve uma diferença de mais de oito horas entre o maior e o menor período de sono.

“Existem enormes diferenças na duração do sono no 98° percentil em comparação com o 2° percentil”, afirma Harriet Hiscock, pediatra do Hospital Infantil Real de Melbourne, na Austrália, e uma das autoras do estudo.

Manter o cronograma

E qual esquema devemos seguir: uma rotina pré-determinada de sonecas (e refeições) ao longo de todo o dia? Ou o cronograma noturno em que o bebê dorme das sete horas da noite às sete da manhã, considerado o principal padrão por incontáveis livros e instrutores de sono dos bebês?

Nos primeiros dias, pode ser muito difícil seguir esse tipo de cronograma regular. Isso ocorre porque as funções fisiológicas que dizem aos adultos que as horas noturnas são para dormir, como a excreção de melatonina e o ritmo da temperatura corporal, somente começam a surgir com pelo menos 8 a 11 semanas de idade em bebês saudáveis e não prematuros.

Expor os recém-nascidos à luz durante o dia e ao escuro à noite pode ajudar a fazer com que esses sistemas funcionem. E, apesar do que indicam alguns instrutores, os bebês não produzem melatonina durante o dia — o que confundiria seus ritmos circadianos, se fosse verdade — e não é necessário ter sonecas completamente no escuro para fins de produção de melatonina.

“A principal teoria de regulagem do sono propõe que existem dois processos de controle do sono e da vigília”, segundo Alice Gregory. “O primeiro é o processo homeostático (a ideia de que, quanto mais tempo passarmos acordados, mais sonolentos ficaremos) e o segundo é o processo circadiano (um processo similar ao relógio, que faz com que fiquemos mais sonolentos ou alertas em certos horários do dia e da noite).

“Esses dois processos são subdesenvolvidos nos bebês, o que faz com que o sono dos bebês seja diferente, em comparação com os adultos”, afirma ela.

Em um contexto global, a hora de dormir às 19 horas pode parecer um tanto arbitrária. Em muitas culturas, bebês e crianças vão dormir mais tarde — perto de 22h45 no Oriente Médio, 21h45 na Ásia e 22 horas na Itália — e também acordam mais tarde.

Diversos estudos associaram dormir mais cedo a consequências como melhor desempenho acadêmico e menor risco de obesidade. Mas essas pesquisas envolveram crianças em idade pré-escolar e mais velhas, não bebês.

Também não está claro se a hora de dormir faz essencialmente alguma diferença. Como a escola e outras rotinas das crianças tendem a começar no início da manhã, as crianças que vão cedo para a cama tendem a dormir por mais tempo, mas as famílias que colocam suas crianças para dormir mais cedo podem também priorizar outros hábitos saudáveis. E não é fácil esclarecer esses outros fatores.

Existem também evidências limitadas de que crianças mais jovens liberam melatonina — o “hormônio da escuridão” que nos deixa sonolentos — antes dos adultos à noite. Mas não tão cedo quanto muitas pessoas pensam.

Como exemplo, um pequeno estudo em Providence, Rhode Island, nos Estados Unidos, concluiu que, mesmo nos EUA (onde as crianças normalmente são colocadas para dormir mais cedo), o bebê médio não demonstrou início da liberação de melatonina sob luz fraca antes de 19h40.

As sonecas também podem retardar a liberação de melatonina. E vale a pena observar que, como a liberação desse hormônio é um processo e não uma chave liga-desliga, não se pode dizer que 19h40 é um horário ideal para dormir – poderá ser até mais tarde.

Para algumas famílias, o esquema de dormir das sete às sete funciona de forma brilhante. Mas, para outras, tentar forçá-lo causa seus próprios problemas de sono.

“Nossos dados indicam que, se crianças jovens forem colocadas para dormir em um horário biologicamente abaixo do ideal, elas não estarão prontas para ir para a cama e irão resistir (por exemplo, saindo do quarto para tomar outro copo de água, chamar os pais, recusar-se a ir para a cama ou fazer birra)”, segundo os pesquisadores do estudo de Rhode Island.

E, se o seu bebê por acaso não precisar de 12 horas de sono por noite, fazer com que ele durma às 19 horas pode ter consequências indesejadas, como “pular noites”, quando um bebê acorda por um longo período de tempo no meio da noite ou acorda extremamente cedo.

Uma estratégia mais flexível sobre o sono pode também facilitar a alimentação responsiva, que consiste em responder às indicações de fome do bebê, em vez de alimentá-lo segundo um cronograma determinado. A alimentação responsiva é recomendada por associações como o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS, na sigla em inglês), a Unicef, a entidade britânica National Childbirth Trust (NCT) e a Academia Norte-Americana de Pediatria, tanto para crianças alimentadas com leite materno ou com mamadeira.

Estudos indicam que a estratégia responsiva apresenta uma série de vantagens sobre a rotina ou cronograma restrito imposto pelos pais. Pesquisas concluíram, por exemplo, que, quanto mais os pais controlam a alimentação dos bebês, mais aumenta a probabilidade de que a criança ganhe muito ou pouco peso – embora fique a dúvida, como observam os autores, se “a alimentação não-responsiva causa obesidade infantil ou se os pais de crianças obesas reagem a preocupações com a obesidade dos seus filhos adotando estratégias de alimentação não-responsiva.

A estratégia pode também afetar a amamentação. A alimentação responsiva é fundamental para formar o fluxo de leite, enquanto programar as refeições também está relacionado à suspensão da amamentação mais cedo. Já as mães que leem livros que promovem rotinas rigorosas de sono e alimentação são menos dispostas a amamentar.

“Pode ser que as mães que desejam ter rotina deixem de amamentar ou que a rotina reduza a produção de leite – provavelmente, ambos”, segundo Amy Brown, professora de saúde pública da Universidade de Swansea, no Reino Unido, diretora do centro de Lactação, Alimentação de Bebês e Investigação Translacional e autora de dois dos estudos acima.

Observar e acompanhar as necessidades do bebê pode também ser benéfico para a saúde mental dos pais. Rotinas estabelecidas pelos pais estão relacionadas a níveis mais altos de relatos de ansiedade entre as mães.

Outro estudo, do qual Brown foi uma das autoras, concluiu que as mães que adotavam livros sobre bebês promovendo rotinas rigorosas eram mais propensas a afirmar que se sentiam deprimidas, estressadas e menos confiantes em suas atividades maternais — embora seja necessário observar que pais estressados poderão ser mais dispostos a buscar esses livros sobre bebês ou estabelecer rotinas.

Por fim, os pesquisadores do sono afirmam que isso não precisa ser tão complicado. Para saber o que é ideal para cada bebê individualmente – uma rotina rigorosa organizada em torno do sono das sete às sete ou outra coisa – basta olhar para o bebê.

“Eu sempre digo para os pais: se o seu bebê geralmente está feliz durante o dia, é porque ele está bem. Se ele estiver mal-humorado ou irritado, pode ser o seu sono”, afirma Harriet Hiscock.

Dormir a noite toda

Quando um certo número de horas de sono em horários definidos não for suficiente, muitos pais são orientados a buscar outro objetivo: que o sono do seu bebê seja “unificado”.

Os instrutores e livros sobre o sono afirmam com frequência que esse sono ininterrupto mais profundo é melhor para o desenvolvimento do bebê (além de menos problemático para os pais). Mas, mesmo se ter 12 horas de sono sem acordar fosse um objetivo ideal, é um desafio, biologicamente falando, além de poder colocar os bebês em risco se for bem sucedido.

Todos os seres humanos acordam entre os ciclos do sono. Quando adultos, se nossas necessidades básicas forem atendidas (ou seja, se não precisarmos de outro cobertor nem ir ao banheiro) e estivermos relaxados (quem nunca acordou preocupado com uma discussão ou uma apresentação no trabalho?), depois de despertarmos levemente, voltamos a dormir. É por isso que a maioria de nós, pela manhã, não se lembra de ter acordado durante a noite.

Mas os ciclos de sono dos adultos tendem a ser mais longos, com cerca de 90 minutos. Os ciclos do bebê podem durar a metade desse tempo. E, ao contrário dos adultos, os bebês não conseguem atender às suas necessidades sozinhos, acabando por acordar completamente com mais frequência.

O exemplo mais óbvio é acordar para comer. Em comparação com outros primatas, os seres humanos têm cérebros relativamente grandes, mas canais de nascimento estreitos, possivelmente para ajudar a nos equilibrar ao andar com os dois pés. Por isso, os bebês nascem neurologicamente muito mais imaturos que os outros mamíferos. O volume do cérebro de um recém-nascido é de cerca de um terço do adulto.

Isso significa que os recém-nascidos humanos precisam de muita energia para desenvolver-se com rapidez após o nascimento. Eles também são relativamente indefesos e precisam ficar sempre próximos aos seus cuidadores.

Por isso, em vez de ter alto teor de gordura — que saciaria o bebê e permitiria que ele ficasse sozinho por períodos mais longos — o leite materno humano é rico em açúcar, que é digerido rapidamente e exige alimentação mais frequente.

Acrescente-se que os recém-nascidos possuem estômagos minúsculos, que retêm apenas 20 ml (cerca de quatro colheres de chá) de alimento a cada vez. Isso esclarece por que eles precisam alimentar-se com tanta frequência durante o dia e a noite.

“Os bebês jovens acordam. É isso que eles fazem: eles comem e acordam”, explica Wendy Hall, professora emérita da Faculdade de Enfermagem da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, e pesquisadora do sono pediátrico de longa data.

“Ao longo do tempo, eles começam a desenvolver um período de sono biológico mais longo à noite. Aos três meses, esse período poderá ser de cinco ou seis horas, se estiverem indo bem. E é uma dádiva”, afirma ela.

“Mas isso não significa que você não irá acordar duas ou três vezes por noite para alimentá-los. Significa apenas que pode haver um período um pouco mais longo durante o qual eles estarão dormindo um pouco mais”, segundo Hall.

À medida que os bebês crescem, alimentá-los 24 horas por dia torna-se menos comum. Aos seis meses de idade, muitos pesquisadores do sono afirmam que bebês saudáveis com peso normal não “precisam” alimentar-se à noite, pelo menos em termos de nutrição. Já os especialistas em lactação costumam discordar, indicando que, quando deixados com suas próprias mamadeiras, os bebês ainda acordam para alimentar-se depois dos seis meses de idade.

Mas acordar e precisar de um cuidador por outras razões ainda é comum, especialmente ao longo de todo o seu primeiro ano de vida, quando os bebês são mais vulneráveis e seus sistemas nervosos são mais imaturos.

Um estudo recente com 5.700 crianças finlandesas concluiu que bebês de três meses acordam e precisam acomodar-se em média 2,2 vezes por noite — mas a faixa de variação foi de 0 a 15 vezes. Isso persistiu ao longo de todo o primeiro ano de vida do bebê.

Oito a cada 10 pais de bebês com três e oito meses de idade afirmaram que seus bebês acordavam mais de cinco noites por semana. Após 12 meses, isso mudou dramaticamente — quase dois terços dos bebês com 18 meses de idade e cerca de três quartos dos bebês de dois anos já não precisavam mais acomodar-se durante a noite. O estudo também concluiu que a qualidade do sono era “muito variável”, especialmente até dois anos de idade.

Outros estudos apresentaram conclusões similares. Um estudo utilizou vídeos com lapso de tempo de 80 bebês ao longo de quatro noites e concluiu que o número de vezes em que os bebês acordavam não se alterou ao longo do seu primeiro ano de vida.

Mas é interessante que seus cuidadores os atenderam com menos frequência ao longo do tempo. “Os bebês continuaram a acordar da mesma forma ao longo de todo o primeiro ano de vida, mas não foram retirados dos seus berços pelo mesmo tempo à medida que cresciam”, segundo os pesquisadores.

É importante observar que, embora possa ser comum acordar durante à noite entre os bebês maiores e mesmo entre as crianças pequenas, é conveniente procurar avaliação médica para excluir quaisquer motivos de saúde em crianças que costumam acordar frequentemente, como refluxo ou língua presa.

Por que acordar não é tão ruim

Por mais frustrante que possa ser para os pais cansados, existe outra razão pela qual os bebês evoluíram para acordar com frequência: sua própria proteção.

Quando se fala da síndrome da morte súbita infantil (SMSI), um estágio potencialmente perigoso do sono para os bebês é o sono profundo, ou “sono de ondas lentas”. Nesse estágio, os bebês podem subitamente parar de respirar. Os bebês saudáveis irão acordar, mas bebês com fatores de risco (possivelmente não detectados, como anormalidades no tronco encefálico) podem não despertar.

Por isso, forçar prematuramente um bebê a ter um sono mais longo e profundo pode aumentar o risco de SMSI, segundo James McKenna, fundador e diretor do Laboratório do Comportamento do Sono da Mãe e do Bebê da Universidade de Notre Dame e catedrático em antropologia da Universidade Santa Clara, na Califórnia — ambas nos Estados Unidos.

O exemplo mais infame é colocar um bebê para dormir sobre o seu estômago, ou “de barriga para baixo”. Pode parecer que isso ajuda o bebê a ter um sono mais profundo, mas também aumenta a probabilidade de SMSI em até três vezes. Surgiram campanhas em todo o mundo para que os pais coloquem os bebês para dormir de barriga para cima e a incidência de SMSI despencou.

“Nós criamos a epidemia de SMSI”, afirma McKenna. “Quisemos promover essa ideia de unificação precoce do sono, com sono profundo, sono sem interrupções, acordando menos vezes. Então promovemos essa noção de colocar os bebês de barriga para baixo para que eles não acordassem e não despertassem tanto, o que é um fator de risco independente para a SMSI.”

Mas períodos de sono mais longos e profundos, sem despertar, não são melhores para o desenvolvimento dos bebês? Esta é uma percepção comum, mas não é o que indicam as pesquisas.

A pesquisadora do sono Jodi Mindell examinou 117 bebês e crianças pequenas em intervalos regulares ao longo de um período de 18 meses. “O que encontramos em nossos dados, coletados nos Estados Unidos, é que não há relação real entre o sono e o desenvolvimento cognitivo posterior”, afirma Mindell, que é diretora do Centro do Sono do Hospital Infantil da Filadélfia, nos EUA. Sua equipe chegou a encontrar uma relação modesta entre acordar mais vezes durante a noite e melhores resultados cognitivos.

Outro estudo, do Canadá, examinou o sono de mais de 350 bebês de 6 e 12 meses e suas habilidades mentais e motoras com 36 meses de idade. Não houve “associações significativas entre dormir por toda a noite e o desenvolvimento mental ou psicomotor posterior, ou sobre o humor materno”, segundo os autores. Mas “dormir por toda a noite foi associado a um índice muito menor de amamentação”, acrescentam eles.

E o maior e mais longo estudo longitudinal realizado em bebês que receberam intervenções comportamentais para reduzir problemas do sono como acordar à noite não encontrou diferenças entre os hábitos de sono, comportamento, controle emocional ou qualidade de vida das crianças aos seis anos de idade.

O que às vezes aparece é uma relação entre a falta de sono e dificuldades no desenvolvimento social e emocional – embora isso se refira à menor quantidade geral de sono, não ao despertar frequente do bebê.

Mesmo assim, aqui existe novamente a questão da correlação e da causa. Um bebê mais exigente que precise ser tranquilizado pelos pais mais vezes durante o dia ou a noite, por exemplo, poderá simplesmente ser o tipo de criança que tem mais dificuldade de controle emocional.

“Você não sabe se o sono é o causador ou se desperta isso mais cedo”, afirma Mindell.

Regressões do sono

E as regressões do sono? Esta expressão é frequentemente usada para designar períodos quando o sono fica mais caótico.

Afirma-se que elas são frequentes e supostamente previsíveis: o website de uma consultoria do sono descreve uma regressão aos 4 meses, regressão aos 8-10 meses, regressão aos 11-12 meses e regressão aos 18 meses (mas o site indica que, apesar dos bebês muitas vezes exibirem sinais similares, “não existe regressão do sono aos 6 meses”).

O mais assustador é que a regressão aos quatro meses muitas vezes é incorretamente considerada permanente. “Ela NÃO desaparece até que o seu bebê aprenda a se acomodar sozinho”, segundo outro instrutor do sono.

A questão, segundo os pesquisadores do sono, é que não existem regressões do sono – não na forma em que elas são frequentemente descritas.

“Completo mito”, afirma Mindell. “Tenho enormes bancos de dados do sono. Examinei todos os meses de sono nos primeiros dois anos e não existe um único mês em que você observe, subitamente, um pico nos problemas de sono. Ele [o sono] é consistente ao longo do tempo. Trata-se apenas de bebês diferentes em diferentes momentos.”

Essas “regressões” normalmente não têm nenhuma relação com o sono, mas sim com outras formas de desenvolvimento. Aprender uma habilidade nova, como engatinhar ou andar, excita suficientemente os bebês para que acordem mais durante a noite. Ou pode ser psicológico.

“Um bebê pode ter começado a desenvolver a noção de permanência dos objetos e compreender que seus familiares continuam a existir quando eles saem do quarto. Por isso, ele os chama em vez de adormecer”, explica Alice Gregory. Ela acrescenta que mudanças do sono também podem, às vezes, refletir problemas médicos, como refluxo. Por isso, novamente é importante consultar um profissional de assistência médica em caso de preocupação.

Embora a regressão aos quatro meses muitas vezes se deva a uma mudança específica da arquitetura do sono dos bebês, essa mudança tipicamente ocorre a qualquer momento durante os primeiros seis meses – e pode também ser uma mudança gradual. De qualquer forma, não é sinal de que algo esteja “andando para trás”.

“Temos alguns marcos do desenvolvimento do sono. Um é o percentual de sono REM [o sono profundo] em comparação com o sono não REM. O outro é o período de sono mais longo, o LSP [na sigla em inglês] – a duração em que o bebê pode manter um período de sono sem acordar”, afirma Thomas Anders, ex-professor de psiquiatria da Universidade da Califórnia em Davis, nos Estados Unidos, e pesquisador do sono por mais de 40 anos.

“Todos eles progridem rapidamente nos primeiros seis meses. O período de sono mais longo se amplia; o número de vezes em que o bebê acorda é reduzido”, afirma ele. “O que você está dizendo quando fala em regressão – esses marcadores não regridem.”

Embora os bebês desenvolvam suas próprias preferências e hábitos de sono à medida que crescem, também não há evidências de que qualquer mudança de sono específica seja “permanente”.

Em um estudo comparativo do sono dos bebês entre países asiáticos e ocidentais, por exemplo, Jodi Mindell concluiu que, na maioria dos casos, os bebês acordam menos à medida que crescem, incluindo em países asiáticos, onde o costume dos bebês dormirem com os pais é maior e há menos possibilidade de que os bebês durmam sozinhos.

Sono independente

Os planejamentos do sono tipicamente se baseiam em uma premissa: os bebês devem dormir sozinhos assim que possível.

Mas pode ser difícil fazer com que um bebê adormeça e permaneça dormindo sozinho. O sistema neurológico imaturo dos bebês (lembra-se daqueles minúsculos cérebros dos recém-nascidos?) significa que eles dependem dos cuidadores para ajudá-los no seu controle emocional, o que inclui relaxar suficientemente para adormecer.

Isso é confirmado pela forma como os pais realmente colocam seus bebês para dormir. No estudo finlandês com 5.700 crianças mencionado anteriormente, menos da metade dos pais afirmou que seus bebês dormem sozinhos.

Da mesma forma, em um questionário conduzido por Mindell e seus colegas, pouco mais da metade dos pais afirmou que seus bebês com 9 a 11 meses de idade adormecem no berço sozinhos. Dentre os demais, quase a metade dos pais alimentava seus bebês até que eles dormissem, um terço os segurava para dormir e mais de um quarto dos bebês eram embalados.

Mindell é autora de livros como Sleeping Through the Night e Take Charge of your Child’s Sleep (“Dormindo por toda a noite” e “Cuide do sono do seu filho”, em tradução livre) e defende o uso de estratégias para ajudar os bebês a dormir sozinhos. Mesmo assim, ela afirma que não há razão para pensar que atender a um bebê prejudicará o seu desenvolvimento.

“Nós achamos que bebês que acordam com frequência durante a noite não desenvolvem habilidades de independência?” Ela ri. “Não. Acho que as pessoas dão muita importância ao sono. Existem muitas outras coisas acontecendo. Ter uma família todo dia ajuda? Sim, com certeza.”

No outro lado do sono independente, mesmo dormir com os pais apresenta relação variada com o desenvolvimento. Alguns estudos concluíram que não há relação entre o fato de os bebês dormirem com os pais e o progresso cognitivo e comportamental da criança a longo prazo, ou mesmo que dormir com os pais tem pequeno efeito benéfico sobre o progresso cognitivo posterior. Existem também estudos que demonstram que dormir com os pais pode reduzir o risco de apegos inseguros.

Mas outras pesquisas, incluindo um estudo com cerca de 4 mil bebês de três meses no Brasil, que foram acompanhados até os seis anos de idade, concluíram que crianças que dormem com suas mães são mais propensas a apresentar distúrbios psiquiátricos. E existe também relação entre dormir com os pais e maior propensão das crianças a sofrer problemas do sono.

Mas esses estudos têm uma falha importante: como os pesquisadores não perguntaram aos pais por que os bebês dormiam na cama com eles, é impossível saber se uma certa configuração para dormir “causa” algum resultado específico. Se um pai traz um filho para a cama porque ele não se acomoda sozinho, isso pode indicar um problema subjacente da criança, independentemente de onde ela durma.

Por outro lado, pais que trazem seus filhos para a cama porque são atenciosos podem também ser os pais que oferecem atenção todo o tempo, o que aumenta a probabilidade de apegos seguros. Nos dois casos, dormir com os pais pode ser um indicador e não a causa.

De fato, pesquisadores de uma base militar norte-americana concluíram que crianças que dormiam com um de seus pais quando o outro saía em missão eram menos propensas a apresentar problemas psiquiátricos e seu comportamento era considerado melhor que o das outras crianças.

Esta poderá ser a razão pela qual, nos locais do mundo onde a norma é que os bebês durmam com os pais, essas diferenças não existem. Os pais não estão trazendo os filhos para dormir em reação a um problema.

E, de fato, um dos únicos estudos projetados para explicar essa diferença concluiu que as crianças em idade pré-escolar que começaram a dormir na cama com os pais quando bebês eram mais autoconfiantes e socialmente mais independentes que as crianças que sempre haviam dormido sozinhas, mas também que as crianças que começaram a dormir com os pais com um ano de idade (o que é considerado um ato “reativo”).

Problemas do sono

Apesar de ser comum que os bebês acordem durante a noite ou não queiram dormir sozinhos, os pais muitas vezes receiam que o sono dos seus filhos não seja normal. Cerca de 40% dos pais de bebês com oito meses de idade do grande estudo finlandês, por exemplo, afirmaram que eles achavam que seus filhos tinham problemas de sono.

Mas como os pesquisadores do sono definem os “problemas de sono”?

“Não existe definição precisa aceitável ou quantificável”, segundo Harriet Hiscock. “Mas o primeiro passo é que, se os pais acham que há um problema, este é um problema e precisamos fazer algo a respeito.”

Para Hiscock, em alguns casos, pode ser simplesmente necessário instrução. “Se um dos pais afirma que eles têm um bebê de três meses, estão acordando duas vezes por noite para alimentá-lo e estão exaustos – você diz: bem, na verdade, esse comportamento é normal.”

Essa compreensão é fundamental, sobretudo porque pensar que seu bebê tem um problema quando ele está se comportando como tantos outros bebês pode exacerbar a questão – por exemplo, aumentando a tensão e a ansiedade dos pais (que, muitas vezes, já estão cansados).

Pais que acreditam que seus filhos estão enfrentando um problema de sono são mais propensos a sentir raiva do seu bebê e falta de confiança nas suas habilidades como pais. E isso é uma via de mão dupla, em que a convicção do pai ou da mãe influencia o sono do seu filho. Um estudo chegou a concluir que a convicção de uma mulher grávida de que o seu bebê precisaria de ajuda à noite prenunciou que seu bebê de seis meses acordasse mais.

Muito do que pensamos é também um problema estabelecido pelas nossas expectativas culturais. Em um estudo grande, Jodi Mindell concluiu que as percepções de problemas pelos pais apresentavam enormes diferenças de um país para o outro. Apenas 10,1% dos pais do Vietnã achavam que havia um problema, por exemplo, contra 75,9% na China.

“Acho que toda a noção de bebês que têm problemas de sono é patológica. Ela sugere aos pais que há algo de errado com seu bebê. Para mim, isso é um enorme problema, pois você está fazendo com que os pais achem que há algo errado com seu bebê quando ele está [apenas] se comportando como um bebê”, afirma Helen Ball.

A origem do mito

Mesmo com toda a obsessão de muitos pais e mães com o sono dos bebês, parece que entendemos errado grande parte da questão. Como é possível?

O que ocorre é que boa parte da forma como observamos o sono dos bebês deve-se a valores culturais, suposições e ideologias, não à ciência.

O antropólogo McKenna propõe que bebês e pais durmam juntos com segurança (o que ele chamou em inglês de “breastsleeping” – algo como “dormir no peito”, em português).

Ele explica que, por séculos, não foi apenas comum, mas também necessário, que os bebês dormissem com suas famílias. Sem eletricidade nem aquecimento (ou, muitas vezes, sem quartos vagos), ficar perto das mães era conveniente, protegia os bebês e facilitava a amamentação. E, na maior parte das culturas, este permanece sendo o caso.

“Antes do século 19, o sono dos bebês geralmente não era preocupante para os novos pais e os manuais populares para os pais da época não mencionavam nada sobre ele”, escrevem as antropólogas Jennifer G. Rosier e Tracy Cassels.

“Quando um bebê acordava”, segundo elas, “havia um membro da família acordado e pronto para cuidar dele ou um familiar dormindo ao lado do bebê que podia atendê-lo rapidamente. Havia também a compreensão de que os bebês (e adultos) dormiam quando precisavam dormir e ficavam acordados quando precisavam ficar acordados.”

Com os anos 1800, veio a Revolução Industrial e, com ela, uma classe média em crescimento e nova ênfase sobre a independência. Dias de trabalho mais longos significavam maior necessidade de dormir sem interrupções à noite.

A urbanização aumentou a quantidade de novos pais morando longe do apoio das suas famílias e os médicos homens – que acreditavam que ter diversas pessoas no mesmo quarto para dormir poderia “envenenar” o ar – começaram a substituir a orientação das mães e parteiras. Novos livros enfatizavam a necessidade de cronogramas de sono rígidos e de fazer os bebês dormirem sozinhos para que se tornassem fortes e independentes.

Mas isso não aconteceu em todo o mundo. “Os japoneses acham que a cultura norte-americana é um tanto cruel por forçar crianças pequenas a ter tamanha independência à noite”, segundo observou um pesquisador. Na Guatemala, as mães maias reagiram às informações sobre as práticas de sono dos Estados Unidos com “choque, desaprovação e pena”.

Atualmente, muitos pais cansados informam-se com livros sobre o sono dos bebês ou instrutores do sono, que também vêm ganhando popularidade fora dos Estados Unidos. Mas muitos livros não são baseados em evidências e a indústria da instrução sobre o sono não sofre regulamentação. Por isso, qualquer pessoa pode intitular-se especialista no sono.

Enquanto isso, mesmo os profissionais de saúde muitas vezes não têm conhecimento ou treinamento sobre o sono dos bebês. Um estudo concluiu que, entre 126 faculdades de medicina dos Estados Unidos, os estudantes receberam apenas 27 minutos de treinamento sobre o sono das crianças.

Uma pesquisa entre profissionais de saúde canadenses concluiu que apenas 1% deles recebeu treinamento sobre sono pediátrico na faculdade de medicina e um estudo entre 263 profissionais de saúde australianos concluiu que os profissionais responderam corretamente a menos da metade das perguntas sobre sono pediátrico. E estamos falando de países que priorizam a educação do sono ainda mais que outros.

A conclusão? Que o maior e mais prejudicial equívoco sobre o sono dos bebês pode ser simplesmente acreditar que existe apenas uma abordagem correta sobre como os bebês deveriam dormir.

“Famílias diferentes podem ter diferentes necessidades e preferências e adotar estratégias diferentes sobre o sono dos bebês”, afirma Alice Gregory. “E está tudo bem, desde que a segurança seja sempre colocada no centro das decisões – e os cuidadores de bebês devem conhecer as formas que podem ajudar a evitar a SMSI”.

Fonte: BBC