Os mais jovens muitas vezes são estereotipados como sendo preguiçosos, mimados ou egocêntricos – e assim tem sido há séculos. Mas existe algo de real nessa percepção?
Desde rótulos como “geração floco de neve” até acusações como priorizar a compra de abacates e não da casa própria, as gerações mais jovens são acusadas há muito tempo de serem mais fracas, menos trabalhadoras ou menos resilientes que as gerações anteriores.
Este não é um fenômeno novo. Afinal, as pessoas se queixam das “crianças de hoje em dia” há décadas. Mas existe mesmo alguma verdade na noção de que os millennials e a geração Z são mais fracos que os baby boomers ou a geração X?
Evidências demonstram que as gerações mais novas realmente apresentam, em maior grau, aquelas características que os mais velhos podem considerar sinais de fraqueza. Mas os especialistas também acreditam que os baby boomers (nascidos entre cerca de 1946 e 1964) e a geração X (nascidos entre cerca de 1965 e 1980) podem estar julgando as gerações que os sucederam de forma muito severa, usando padrões de avaliação que deixaram de ser a norma há muito tempo.
O contexto geracional pode ser fundamental para reduzir as barreiras entre as épocas, mas menosprezar os jovens adultos é um instinto inato e estabelecido há tanto tempo que poderá ser impossível de ser desfeito.
Mito x realidade
As pessoas vêm se queixando das gerações mais jovens há milhares de anos. De fato, menosprezar a geração seguinte pode ser simplesmente parte da natureza humana.
“A tendência dos adultos a depreciar o caráter dos jovens vem acontecendo há séculos”, afirma Peter O’Connor, professor de administração do Instituto de Tecnologia de Queensland, na Austrália.
Ele indica que o estereótipo permanece vivo e imutável. Pesquisas demonstram que milhares de norte-americanos acreditam que “as crianças de hoje em dia” não possuem certas qualidades que os participantes associam às gerações mais velhas – mas esse resultado não significa necessariamente que os jovens atuais, na verdade, não possuem essas qualidades.
Os pesquisadores argumentam que nós projetamos nosso eu atual sobre o nosso eu do passado. Com isso, as pessoas mais idosas estão inconscientemente comparando quem elas são hoje com os jovens atuais, dando a impressão de que a juventude encontra-se em declínio, não importando a década em que vivemos.
No início de fevereiro, a guru britânica do mercado imobiliário Kirstie Allsopp irritou as pessoas ao afirmar que os jovens não conseguem comprar suas casas por culpa deles próprios. Allsopp, que comprou sua primeira casa com ajuda da família nos anos 1990, sugeriu que os pretensos compradores de hoje em dia gastam dinheiro demais em “supérfluos”, como mensalidades de academia e Netflix, em vez de economizar para a entrada de um financiamento imobiliário.
Em 2017, o magnata australiano do mercado imobiliário Tim Gurner também sugeriu que os mais jovens gastam dinheiro demais em torradas com abacate em vez de comprar a casa própria (embora os preços dos imóveis em muitas partes da Austrália tenham dobrado nos últimos 10 anos, enquanto os salários subiram apenas 30%).
Um ano antes, em 2016, a expressão “geração floco de neve” foi acrescentada ao Dicionário Collins da Língua Inglesa para descrever os adultos nascidos entre 1980 e 1994 considerados “menos resilientes e mais facilmente ofendidos que as gerações anteriores”. E já se especula sobre a geração Z que se recusa a trabalhar das nove às cinco ou questiona se é preciso permanecer no escritório em tempo integral – uma repetição da imagem do “millennial mimado” dos anos 2010, que está apenas começando a sair de cena.
Padrão desatualizado
As gerações mais velhas poderão ainda imaginar que são mais determinadas que os jovens de hoje – mas isso pode ser medido?
Alguns especialistas acham que sim. Um estudo de 2010 que examinou millennials que se formaram na universidade entre 2004 e 2008 demonstrou que eles apresentaram mais características associadas à baixa resiliência que as pessoas que se formaram antes de 1987.
Outra pesquisa demonstrou que o comportamento neurótico e a necessidade de reconhecimento aumentaram nas gerações mais jovens, enquanto um estudo de 2012 sugeriu que os jovens são mais egocêntricos que no passado.
Mas, para muitos especialistas, essas medidas não indicam que as gerações mais jovens são mais fracas que as anteriores. Elas são apenas formas de julgar uma geração moldada por uma sociedade moderna e concentrada na tecnologia seguindo os mesmos padrões de décadas atrás.
“As gerações anteriores foram ensinadas a reprimir-se em vez de expressar-se, mas as gerações mais novas fazem o contrário”, afirma Carl Nassar, profissional da empresa de saúde mental norte-americana LifeStance Health, que atende regularmente adolescentes e famílias que enfrentam conflitos de gerações.
“Isso causou uma defasagem de percepção, com as gerações mais velhas considerando essa expressão um sinal de fraqueza, já que elas foram ensinadas que a vulnerabilidade é uma fraqueza e não uma força”, afirma ele.
Nassar acredita que, em grande parte, a imagem de que as gerações mais jovens são mais fracas baseia-se em casos isolados e nas diversas formas em que gerações diferentes expressam seus problemas, o que poderá desvirtuar os dados sobre sua real resiliência.
Esta é uma noção compartilhada por Jennifer Robison, editora sênior da companhia norte-americana de pesquisas e análises Gallup. “A geração X e os baby boomers também têm seus problemas, mas expressá-los parece não profissional”, afirma ela. “Por isso, o que parece ser um jovem carente ou ‘floco de neve’ pode, na verdade, ser a norma social de transparência.”
A ideia frequentemente relembrada de que os millennials e a geração Z agem de forma egoísta que impede que eles progridam na escala imobiliária é um exemplo de como é difícil julgar uma geração com padrões de décadas atrás.
Os baby boomers donos de suas casas, que viveram o início da idade adulta em um período de ampla prosperidade econômica, provavelmente se lembram de economizar e guardar para comprar sua primeira casa. Agora, desfrutando dos privilégios de ter a casa própria, eles começam a acreditar que os jovens incapazes de fazer o mesmo são mais fracos que eles.
Mas eles ignoram os problemas da disparada dos preços dos imóveis, salários estagnados e do aumento da insegurança do trabalho, que impedem que as pessoas obtenham financiamento imobiliário.
Da mesma forma, as gerações mais velhas poderão apontar o fato de a geração Z ser a mais deprimida e ansiosa da história como sendo sinal de sua falta de resiliência. Mas eles se esquecem de que esta é uma geração que chega à idade adulta em meio a uma pandemia – um período de isolamento sem precedentes e com ampla insegurança econômica. As diferentes gerações e as dificuldades que cada uma delas enfrentou não podem ser comparadas.
“A realidade é que a geração Z está chegando à idade adulta enfrentando uma série de dificuldades que outras gerações não enfrentaram na mesma etapa da vida, principalmente a pandemia de covid-19 e a pressão sempre presente das redes sociais diretamente no seu telefone celular”, segundo Jason Dorsey, presidente do Centro de Cinética Geracional, uma empresa de pesquisa de gerações com sede em Austin, no Texas (Estados Unidos).
“Acrescente-se a isso as dificuldades de saúde mental causadas pelo distanciamento social e pelo isolamento durante a pandemia, desafios no aprendizado à distância e todos os elementos de formação dos jovens adultos e fica fácil concluir por que essa geração está se sentindo em uma época difícil”, explica Dorsey.
As ações e crenças de cada geração são moldadas pelos seus próprios problemas e dificuldades.
Os baby boomers e a geração X podem ter crescido sem a conveniência dos telefones celulares, mas eles também não precisaram enfrentar as complexidades de crescer online – o que muitas vezes estimula a necessidade de reconhecimento e as características egocêntricas reveladas em alguns estudos.
Da mesma forma, as gerações mais velhas poderão não ter tido o mesmo acesso à educação das gerações mais jovens, mas também tinham mais possibilidades de conseguir um emprego de classe média sem um diploma universitário, além de não sofrerem com a sobrecarga dos níveis devastadores de débito estudantil.
Por outro lado, a geração Z acredita que a geração dos seus pais ou avós não lutou o suficiente contra questões sociais como as mudanças climáticas e a desigualdade econômica (argumento que fez viralizar a expressão “OK, boomer”, criada para depreciar as gerações mais velhas).
E eles também podem esquecer que muitos precisaram lutar contra outros problemas sociais, como formas mais severas de sexismo e desigualdade racial. Afinal, quando alguns baby boomers mais idosos estavam no início da idade adulta, as mulheres ainda precisavam, em muitos países, que um homem assinasse em conjunto com ela o pedido de crédito para comprar uma casa – e, ao mesmo tempo, os casamentos inter-raciais ainda eram proibidos em alguns Estados norte-americanos. São leis que obrigaram as pessoas a lutar muito para que fossem revogadas.
O fato é que gerações anteriores vêm acusando as demais de serem preguiçosas, mimadas e egocêntricas há séculos. Parece que somos quase obrigados a julgar as pessoas que cresceram em uma época diferente da nossa – e aprofundamos ainda mais as divisões quando compartilhamos memes engraçados para provocar a geração Z que fica acordada até tarde ou os baby boomers acumuladores de riquezas.
Dorsey acredita que existe uma solução para isso – mas o contexto geracional é fundamental para desmistificar a alegada fraqueza recorrente. Ele afirma que a solução “é a consciência do que sofreram essas diferentes gerações e por que elas são o que são”.
“A melhor forma de fazer com que as gerações mais velhas parem de despejar críticas sobre as gerações mais jovens é criar um diálogo que simplesmente ainda não existe. Em vez de conversas sinceras entre as diversas gerações, temos memes virais que dizem que os mais jovens são flocos de neve e os mais idosos são dinossauros. Mas a verdade é que somos todos seres humanos”, conclui Dorsey.
Fonte: BBC