Camilla Guebur relata sua experiência em Puno— com ilhas “navegantes” feitas à mão pelo povo Uros — e Arequipa no Peru, que são regiões tão opostas quanto complementares

Tem umas viagens que são chamados… esta foi. Há tempos eu leio sobre as mulheres do povo Uros, originárias do Lago Titicaca, nas cercanias da cidade de Puno, no Peru. Suas cores, danças, casas, roupas, artesanatos. Uma matéria da Condé Nast Traveller me reacendeu a vontade. E lá fui eu – lá fomos nós, eu, você e a Vogue Brasil, com direito a um pit stop, que foi ótima surpresa, Arequipa, cidade histórica que só perde para Cusco em visitação turística no país.

O curioso é que as cidades têm propostas bastante opostas. Enquanto que em Puno os Uros mantém intactas muitas de suas tradições uma imersão decolonial. Arequipa é uma cidade colonial, com arquitetura espanhola com forte influência árabe. As duas juntas remontam a história do Peru e escrevem os capítulos atuais. São opostas e complementares e dizem muito sobre o enredo dessas Américas.

O visual de Puno é um delírio. Em um lago imenso, o maior da América do Sul, elevado a quase 4 mil metros do nível do mar, estima-se que existam 100 ilhas artificiais, feitas com junco de totora, planta aquática que cresce no lago. Nessa ilhas estão cerca de 1800 famílias de indígenas Uros, que usam o junco para tudo: a própria base das ilhas, as embarcações, as casas, o artesanato.

Muito importante dizer que nos últimos anos o Peru vive períodos de tensão política. No momento da minha visita, não era o caso, e Puno estava em águas calmas. Mas é prudente checar com seu agente de viagens a situação dos protestos no país antes de se planejar. Já tive que adiar uma visita por conta de conflitos, que em geral acontecem perto de Cuzco e na capital Lima. Que o Peru encontre estabilidade política para que essa terra tão rica em cultura e paisagens possa prosperar e ser mais justa para todos.
Arequipa: a cidade histórica é emoldurada pelos andes e tem arquitetura feita em pedra vulcânica branca chamada Sillar — Foto: Acervo pessoal

Arequipa: a cidade histórica é emoldurada pelos andes e tem arquitetura feita em pedra vulcânica branca chamada Sillar

1. Cultura ancestral e feminina preservada

Delas, elas: por gerações, as mulheres de Taquile, vizinhas dos Uros, levam a cultura ancestral feminina de bordados e artesanatos com significados Incas  — Foto: Acervo pessoal

Delas, elas: por gerações, as mulheres de Taquile, vizinhas dos Uros, levam a cultura ancestral feminina de bordados e artesanatos com significados Incas

A troca com as mulheres Uros foi a coisa mais bonita que vivi nessa viagem. Por meio de um programa especial do hotel Titilaka onde me hospedei, à convite da Marketing Collection  pude conhecer as técnicas artesanais locais pelas mãos delas. Assim, tive a oportunidade de passar horas ao lado de mulheres que fazem a vida acontecer nas ilhas artificiais de junco totora. São elas que plantam, colhem, costuram, recebem os turistas, apresentam a cultura local, a família e contam a história oral e a atual do lugar. As mulheres têm nítido protagonismo porque são essenciais em aspectos fundamentais da sobrevivência dos Uros: artesanato e turismo.

Pareceram-me muito afinadas entre si, em sua rede de apoio colaborativa e ancestral. Em boa medida ainda devem sofrer com as agruras que nós mulheres sofremos… mas me confortou vê-las em posições e atitudes de protagonismo. Pelo menos aparentemente. E coloridas, sorridentes, altivas. Orgulhosas de suas famílias, artesanatos, ornamentos que elas vendem com o maior entusiasmo. Eu comprei, é claro.
2. Ruína milenares e arquitetura secular

Turista profissional: Camilla Guebur, em sítio arqueológico na região do Titicaca — Foto: Acervo pessoal

Turista profissional: Camilla Guebur, em sítio arqueológico na região do Titicaca 

Para além dos Uros, há muita história nos arredores de Puno como os sítios arqueológicos e a ilha Taquile, em que ainda se vive de técnicas de tecelagem passadas entre gerações de mulheres. Visitei todos esses lugares por meio de um tour assinado pelo hotel Titilaka, premiado mais de uma vez pela Condé Nast Traveller (Reader’s Choice 2018 e 2019, Gold List 2017). O time do Titilaka desenhou toda a minha programação de passeios e transportes e ainda me garantiu dias com todo os predicados da alta hotelaria.

Joia arquitetônica: o hotel Cirqa fica no que já foi em um mosteiro de 1540, no centro histórico de Arequipa, tombado pela Unesco — Foto: Acervo pessoal

Joia arquitetônica: o hotel Cirqa fica no que já foi em um mosteiro de 1540, no centro histórico de Arequipa, tombado pela Unesco 

A ancestralidade milenar faz a magia da região de Puno, enquanto a arquitetura secular atrai os visitantes para Arequipa. As estrelas são as igrejas, catedrais, conventos, monastérios originais do século 17, com arquitetura elaborada, de origem espanhola e com influência árabe. Detalhe: grande parte é feita com pedra vulcânica, a chamada Sillar. O centro histórico é o lugar e é ali que está o mosteiro de 1540, convertido em hotel, e que é também ponto turístico, o Cirqa, a minha escolha na cidade. Na época colonial, o lugar era abrigava os monges em visita à Arequipa. A arquitetura histórica foi totalmente restaurada e compõe o centro histórico da cidade, tombado pela UNESCO.
3. Gastronomia ancestral e revisitada

Sabor peruano: no restaurante Salamanto, em Arequipa, o menu é inspirado nos 4 elementos e a vista é para os Andes — Foto: Divulgação

Sabor peruano: no restaurante Salamanto, em Arequipa, o menu é inspirado nos 4 elementos e a vista é para os Andes

Raizes, milhos, carnes, temperos. A gastronomia do país é destaque internacional. Restaurantes peruanos que resgataram receitas tradicionais, a exemplo do Central, em Lima, estão entre os mais bem cotados do mundo, segundo especialistas. Resultado: tinha altas expectativas. E o melhor: atendi todas, tanto em Puno, quanto em Arequipa.

Os restaurantes dos hotéis Titilaka e Cirqa são irretocáveis, com ingredientes e receitas tradicionais preparadas com as técnicas e o charme do agora. Em Puno, o Titilaka organizou um almoço na casa de uma família na ilha de Taquile no cardápio, um banquete de receitas do dia a dia, com muitas batatas e carnes, acompanhadas de ótimo papo.

Em Arequipa meu destaque vai para a cozinha do Salamanto, que tem um menu degustação inspirado nos quatro elementos: fogo, terra (raízes), água (peixes) e ar, sendo esse presente em espumas deliciosas. Para completar, uma vista acachapante para os vulcões de Arequipa.

4. Natureza

Andes à vista: a natureza abraça a cidade de Arequipa, que tem natureza e história  — Foto: Divulgação

Andes à vista: a natureza abraça a cidade de Arequipa, que tem natureza e história 

O maior lago da América Do Sul , o Titicaca, em Puno, é margeado por diferentes paisagens. Tem planícies verdejantes, montanhas, uma vegetação que lembra nosso Cerrado, umas áreas rochosas, surpreendentes, com aspecto lunar (ainda não fui à lua, mas o pessoal descreve assim), além de zonas rurais. Contou? São 5 diferentes paisagens naturais ao redor do lago mais extenso ( e alto) da América do Sul.

Tons naturais naturais: a natureza da região do lago Titicaca é rica e muito diversa, com rochas, terrenos arenosos, áreas rurais e mais  — Foto: Acervo pessoal

Tons naturais naturais: a natureza da região do lago Titicaca é rica e muito diversa, com rochas, terrenos arenosos, áreas rurais e mais

Arequipa, por sua vez, está aos pés de vulcões, que compõe uma “serra” espetacular. Escaladas, passeios de moto, trekinhg estão entre as opções para os turistas interessados em se aventurar pelas cercanias de Misti, Pichu Pichu e Chachani. Eu fiquei admirando de longe e amei ver que a cidade rica em arquitetura também é poderosa nos quesitos naturais.

Rocha sobre rocha: um outro visual da natureza da região do Titicaca — Foto: Acervo pessoal

Rocha sobre rocha: um outro visual da natureza da região do Titicaca 

5. Câmbio e proximidade

Turista profissional: Camilla Guebur em sua passagem pela região dos indígenas Uros, no lago Titicaca.  — Foto: Acervo pessoal

Turista profissional: Camilla Guebur em sua passagem pela região dos indígenas Uros, no lago Titicaca. 

A moeda corrente no Peru é a Sol, cujo símbolo é S/. Cada R$ 1 vale cerca de S/.1, 30. O câmbio, portanto, nos é favorável em tempos de dólar e euro nas alturas. Junte a isso a proximidade geográfica e as intersecções culturais que podem até nos fazer entender melhor a nossa própria história. Os países da América Do Sul, afinal, têm algumas semelhanças : cultura ancestral poderosa, que resistiu a tentativa de dizimação, tentativas atuais de resgate e valorização dos saberes dos povos originários, cicatrizes e até feridas coloniais abertas, políticas sociais quase inexistentes, potência rural, corrupção política, calor humano, gastronomia autêntica e natureza exuberante. E quanto mais soubermos e entendermos tudo isso, mais poderemos nos entender, nos ajudar e prosperar.

Fonte: Globo.com