Volkswagen, GM, Toyota e GWM são contra a proposta de estender benefícios para carros flex produzidos no Nordeste e Centro-Oeste; Stellantis seria a maior beneficiada

O clima entre as fabricantes de carros esquentou no Brasil com o avanço da reforma tributária no Senado e a aprovação do texto com mudanças importantes para o setor. A proposta ainda precisa ser aprovada na Câmara e ser sancionada pelo presidente Lula (PT) para entrar em vigor.

Caso a proposta dos senadores Fabiano Contarato (PT-ES) e Carlos Viana (Pode-MG) seja aprovada, os incentivos para empresas instaladas nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste não apenas serão prorrogados até 2032, como também serão válidos para veículos com tecnologia flex. A proposta original da reforma previa que apenas modelos elétricos ou híbridos receberiam benefícios

A mudança no texto causou irritação de marcas como General Motors, Toyota, Volkswagen e GWM, que divulgaram uma carta aberta criticando a mudança no texto e obtenção dos créditos.

O que aconteceu?

Em um primeiro momento, o texto da reforma tributária previu renovar os incentivos para fabricantes instaladas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste até 2032 para a produção de veículos eletrificados. Na última terça-feira (8), o texto foi alterado na calada da noite e passou a incluir veículos a combustão, com motores flex ou biodiesel.

Assim, empresas instaladas nas regiões citadas seguiriam com vantagens tributárias para produzir automóveis. São elas:

  • Stellantis, em Goiana (PE)
  • HPE Automotores, em Catalão (GO)
  • Caoa Montadora, em Anápolis (GO)
  • BYD, em Camaçari (BA)

A fábrica da Stellantis atualmente produz carros para Fiat, Jeep e Ram. O complexo da HPE Automotores é responsável pela Mitsubishi, mas já produziu veículos para a Suzuki no passado. A Caoa Montadora é detentora das marcas Chery e Hyundai.

Concorrentes são contra

A decisão de conceder incentivos para a produção de carros a combustão enfureceu outras marcas. Na última quarta-feira (8), General Motors, Volkswagen e Toyota enviaram um apelo público conjunto ao governo solicitando a exclusão da alteração.

“A indústria automotiva brasileira não está localizada em um único estado. Ela está no Brasil inteiro com unidades fabris, centros de distribuição, escritórios e uma ampla rede de concessionárias. Os artigos representam retrocesso do ponto de vista tecnológico e ambiental, além de uma renúncia fiscal prejudicial ao país”.

Na quinta-feira (9), a GWM publicou uma nota de apoio ao manifesto das concorrentes. “Em um momento em que a indústria automotiva mundial passa por uma revolução tecnológica que está adotando globalmente a eletrificação, é um contrassenso e um desserviço ao país apostar em uma fórmula que está desalinhada com o futuro sustentável do planeta”, diz a marca chinesa.

E as outras marcas?

Autoesporteprocurou todas as demais empresas que tem fábricas instaladas no Brasil. A Stellantis, maior fabricante do país e a que mais se beneficia do regime de incentivos, disse que não comentaria o assunto. Essa foi a mesma resposta da BYD, que vai inaugurar uma fábrica na Bahia e, por isso, também poderá usufruir das vantagens.

A HPE Automotores defendeu a prorrogação dos incentivos e enviou a seguinte nota:

A HPE é favorável à manutenção dos incentivos fiscais, uma vez que eles fomentam a instalação de fábricas em regiões fora do eixo Sul-Sudeste, o que traz inúmeros benefícios que vão muito além da geração de empregos e capacitação pessoal. A fábrica da empresa em Catalão, interior de Goiás, é um exemplo disso. A empresa ressalta ainda que muitas montadoras, especialmente das regiões Sul e Sudeste, que clamam pela retirada desses incentivos não produzem parte de sua linha no país. Especialmente de veículos com maior número de itens importados como picapes e SUVs grandes, que são produzidos na Argentina e entram no nosso mercado sem nenhuma cobrança de tributos e sem gerar nenhum desenvolvimento para o nosso país.

Veja abaixo a lista com as respostas das demais empresas:

  • Audi – não vai comentar
  • BMW – não respondeu
  • Caoa – não respondeu
  • Honda – não respondeu
  • Hyundai – não respondeu
  • Jaguar Land Rover – não respondeu
  • Nissan – não vai comentar
  • Renault – não respondeu
Especialistas questionam o projeto

Autoesporte também ouviu especialistas na indústria automotiva. Para Antônio Jorge Martins, coordenador de cursos automotivos da Fundação Getúlio Vargas (FGV), há dois pontos principais que envolvem a questão.

O primeiro deles é se os investimentos em locais com menos estrutura já não foram compensados com os incentivos concedidos. A HPE se instalou em Catalão há 25 anos. A CAOA está em Anápolis desde 2007. E a Stellantis inaugurou a unidade de Goiana há oito anos.

“Já é um período razoável para compensar o esforço de se deslocar de um local que existe uma grande concentração de empresas para outro em que você tem uma grande concessão de benefícios”, afirma.

O segundo aspecto é que a proposta prevê incentivos, mas sem exigir em troca inovações tecnológicas que seriam benéficas para todo o país. “O que tivemos de bom na fabricação de todas as empresas? Há algum item diferenciado que está sendo produzido aqui e outras subsidiárias não produzem? Não. Tudo é feito nas matrizes. Porque não trazem algo que seja diferencial? Precisa ser algo que beneficie a sociedade como um todo”, completa.

Milad Kalume Neto, consultor da Jato do Brasil, empresa global de pesquisa de mercado automotivo, vai na mesma linha. Mas faz uma ressalva. “Existe a questão social que nos leva a pensar em termos incentivos para a geração de empregos em áreas de pouca atratividade para a indústria. Neste contexto o anúncio é interessante”, aponta.

Porém, o consultor afirma que incluir carros flex na proposta “é um retrocesso claro”. Para o especialista, um ajuste na proposta deixaria a indústria brasileira melhor. “As empresas poderiam apresentar planos de novos produtos que garantam a descarbonização e que tivessem saída por aquela ou outras fábricas da mesma marca sob pena de perda do incentivo. É algo simples, efetivo, prático e às claras, além de não favorecer está ou aquela marca”.

Fonte: AutoEsporte