Pesquisadores do Brasil e do México analisam a epidemia de obesidade na América Latina a partir de uma perspectiva ampla
Remédios para o tratamento da obesidade, como o Ozempic, foram considerados os principais avanços científicos de 2023 pela revista Science. No entanto, as taxas de sobrepeso vêm crescendo em todo o mundo, com destaque para a América Latina. Estimativas de 2020 indicavam que 14% da população mundial vivia com obesidade. A previsão é que, em 2035, esse índice seja de 24%, incluindo crianças, adolescentes e adultos.
“É importante encontrar estratégias nutricionais e farmacológicas para mitigar o problema, mas será que isso é o suficiente? Sabemos que o impacto de fatores socioeconômicos e ambientais se sobrepõe a quaisquer outros que influenciam a ocorrência da obesidade, incluindo componentes genéticos ou tentativas de imputar ao indivíduo a culpa de ser obeso. O fato é que a obesidade vai muito além da luta individual contra o sedentarismo e por mudanças no estilo de vida”, afirma Marcelo Mori, integrante do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP sediado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Mori é um dos autores de um artigo publicado nesta segunda-feira (04/03) na revista Nature Metabolism, que aponta a necessidade de as iniciativas destinadas a compreender a obesidade envolverem abordagens multidisciplinares e globais.
No trabalho, pesquisadores da Unicamp, Universidade de São Paulo (USP) e Universidad Nacional Autónoma de México (Unam) elencam oito determinantes principais – ambiente físico, exposição alimentar, interesses econômicos e políticos, iniquidade social, limitação do acesso ao conhecimento científico, cultura, comportamento contextual e genética – para explicar o crescimento da obesidade na América Latina e para orientar a construção de políticas e estratégias públicas mais eficazes.
“Elencamos aspectos cujos efeitos no ganho de peso se sobrepõem, ressaltando a ideia de olhar para o problema com mais cuidado e de forma mais ampla, interferindo na questão a partir de soluções mais contextualizadas. São mudanças no estilo de vida? São, mas elas precisam ser especialmente baseadas em alterações na comunidade e no ambiente, não atribuindo exclusivamente ao indivíduo tal obrigação”, diz.
“Há diferenças regionais relacionadas com questões socioeconômicas e culturais que podem impactar na epidemia da obesidade e isso faz com que não exista uma solução única para o problema”, completa o pesquisador.
No trabalho, os pesquisadores destacam que, em décadas passadas, foram registradas taxas mais elevadas de obesidade em crianças e adultos de países desenvolvidos em comparação com países em desenvolvimento. No entanto, ao comparar as tendências mais recentes na prevalência da obesidade, os dados têm mostrado de forma consistente aumentos mais acentuados nos países em desenvolvimento.
De acordo com dados de pesquisas nacionais, uma grande proporção da população latino-americana tem sobrepeso ou obesidade: 75% dos adultos no México, 74% no Chile, 68% na Argentina, 57% na Colômbia e 55% no Brasil. Entre crianças e adolescentes, as taxas de sobrepeso e obesidade também são altas: 53% (Chile), 41% (Argentina), 39% (México), 30% (Brasil) e 22% (Colômbia).
Para os pesquisadores, o aumento acentuado não pode ser explicado simplesmente por fatores genéticos ou escolhas individuais, mas sim por uma combinação de fatores estruturais e de contexto, que no artigo os pesquisadores denominam como determinantes sistêmicos.
O artigo propõe outra perspectiva para a problemática da obesidade na América Latina. Mori lembra que diversos estudos, principalmente em modelos animais, já demonstraram que tanto a carência quanto o excesso de ingestão alimentar pelos pais, sobretudo durante a gestação, podem resultar em alterações na prole que predispõem a doenças metabólicas na fase adulta.
“Os países de renda média e baixa, como é o caso da maioria dos países da América Latina, em menos de 50 anos saíram de uma realidade com altas taxas de desnutrição para um crescimento acelerado da obesidade. Portanto, é possível que essa rápida transição da carência alimentar e desnutrição para a abundância de alimentos ultraprocessados e hipercalóricos seja um aspecto relevante na indução de uma herança epigenética, contribuindo para as altas taxas recentes de obesidade, sobretudo em crianças. É algo que precisa ser mais investigado na obesidade humana”, avalia.
Com isso, de acordo com os pesquisadores, ganham luz caminhos preventivos e terapêuticos contra a obesidade que têm como base ações coletivas.
“Uma solução que indicamos no artigo é o incentivo a políticas que facilitem a alimentação tradicional e regulem os alimentos ultraprocessados – que têm maior densidade calórica e são menos nutritivos. Isso deve estar associado a incentivos para a prática de atividades físicas, à promoção de hábitos saudáveis e de alimentação adequada nas escolas. Ainda, é preciso motivar gestantes a adotar dieta de qualidade, ao aleitamento materno e a oferecer alimentos saudáveis desde a primeira infância. Propomos que o foco precisa ser nas mulheres e nas crianças, que podem ser mais passíveis de mudanças e entre as quais a obesidade mais cresce na América Latina”, diz.
Outro aspecto destacado pelos pesquisadores é o impacto do acesso limitado ao conhecimento científico como um dos determinantes da obesidade.
“Além de um maior acesso ao conhecimento científico e a questões relacionadas à ciência aberta, destacamos que o investimento e a quantidade de pesquisa sobre obesidade que se faz na América Latina são muito pequenos proporcionalmente ao número de pessoas com obesidade. Temos estudos relevantes aqui conduzidos, mas precisamos de mais e que sejam mais difundidos”, diz.
Na avaliação de Mori, a produção científica da América Latina na área de obesidade precisa ser mais representativa, sobretudo em estudos genéticos e sociais. “A maior parte desses estudos é feita em países do Norte Global. Enquanto for essa a realidade dos dados que dispomos sobre obesidade, vamos continuar tendo uma lacuna de conhecimento sobre como mitigar a obesidade na nossa região”, afirma.
“Dessa forma, compramos dos países desenvolvidos tanto o problema quanto a potencial solução. Porque, além de copiarmos hábitos de vida e adquirirmos as fórmulas propostas por esses países, nós também pagamos por alimentos que nos colocam nessa situação e por remédios que, por enquanto, atingem apenas uma pequena parcela da população. Enfim, estamos pagando duas vezes e ainda perdendo a luta contra a epidemia da obesidade”, afirma.
Fonte: CNN Brasil