Há quem diga que o minimalismo é um caminho para a felicidade. A ideia parece grandiosa, mas existe lógica por traz deste conceito: a busca por espaços mais harmônicos está associada à diminuição do estresse. E isso passa pela ideia de evitar o acúmulo excessivo de objetos.
De tempos em tempos surgem exemplos onde a decoração de ambientes cede espaço para o espaço, para a praticidade. Conceitos como usar tudo o que se tem ou transformar a casa em um lugar harmônico, quase holístico, têm se tornado populares.
Com o poderoso título Minimalismo – Um documentário sobre as coisas importantes, o documentário lançado em 2016 defende que estabelecer prioridades na hora de consumir seja uma filosofia de vida. Essa estética clean de Joshua Fields Millburn e Ryan Nicodemus, criadores do documentário e também do site The minimalists, é algo que entra em choque com alguns valores marcantes da cultura norte-americana, que associa fortemente o consumo ao status.
Nas redes sociais, um discurso que relativiza o consumismo excessivo vem ganhando força nos últimos tempos, tendo como pano de fundo questões relacionadas com a sustentabilidade e o comércio justo. Ao mesmo tempo, o visual depurado do estilo escandinavo dominou desde o compartilhamento de fotos online, até o design de mobiliário. Mas para cada movimento ou tendência, surge sempre em paralelo a discussão em torno de seu oposto. Afinal, o conceito de uma vida mais significativa tem ou não tem a ver com o tal do “viver com menos”? E, mais do que isso: o minimalismo é para todo mundo?
O outro lado
Em uma coluna publicada em março no The Guardian, Chelsea Fagan, editora do The Financial Diet, é categórica: “Eu odeio o minimalismo”. Basicamente, ela defende que a estética do “branco-sobre-branco-sobre-branco” é uma hiper-curadoria que transmite uma mensagem de uma decoração que não é “real” ou possível para a grande maioria. “Vamos ser claros sobre o que a estética minimalista, ao menos como uma escolha de estilo pessoal, na verdade é: um arremedo de ideais de simplicidade e até mesmo, em certo grau, de ascetismo, sem realmente desistir do luxo”, escreveu.
Ela defende que a ideia de comprar menos teria a ver com o conceito de “comprar melhor” e isso seria uma forma de consumo que passa para o mundo uma “falsa ideia de espiritualidade”. “Olha só quantas coisas eu me recuso a comprar, e os itens incrivelmente caros, únicos, que eu julguei dignos! Acredito que temos o direito de comprar o que quisermos, mas fingir que a intenção e o custo de uma vida minimalista-chique não é uma postura privilegiada é ridículo”.
Menos radical, outra jornalista se dedicou ao tema recentemente em um texto publicado no The New York Times. Jacoba Urist conta a história da apresentadora de TV e blogueira de lifestyle Karen Bertelsen, que tentou por um período focar tempo (e dinheiro) em experiências que fossem mais significativas para sua vida e não tanto no consumo de bens. Ela fez uma limpeza em sua casa e se livrou da maior parte de seus pertences em pouco mais de duas semanas. Documentou esse novo modo de vida em sua página no Instagram mas, ao final do percurso, constatou que o estilo minimalista colidiu com a sua vida diária.
“Eu quero ver as baquetas do último show de Ramones em que eu fui em 1994, ou a pedra que eu peguei subindo uma montanha em Vancouver. Quero ver os títulos de todos os livros que li”, escreveu.
Funciona para você?
O minimalismo pode, sim, ser uma espécie de “religião” dos novos tempos. Ele é uma resposta, antes de tudo, a um mundo de consumo desenfreado e de espaços cada vez mais reduzidos. Ele pode ser opressivo para outros tantos, que percebem o movimento como uma demanda por uma vida quase “asséptica”. Viver com menos pode ser muito satisfatório, mas certamente é mais difícil do que parece.
Uma coisa que não muda é a necessidade de que, mais do que uma decisão consciente sobre como é (ou deveria ser) o seu estilo de viver, a casa traga conforto. O lar precisa ser um encontro com a nossa história – e o mais interessante é que cada um conte a sua do seu jeito. Seja qual for o seu ponto de vista sobre a onda do viver com menos, o bem-estar é um conceito subjetivo e a “casa feliz” é sempre aquela que representa mais a visão de mundo de quem nela habita, do que um “programa” pré-estabelecido.
Como já lembrou o escritor moçambicano Mia Couto, em um trecho do livro Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra: “O importante não é a casa onde moramos. Mas onde, em nós, a casa mora!”
Créditos: Revista Casa & Jardim