Barbara Paz emana força. Pode ser o timbre da sua voz. Pode ser o lastro que suas personagens deixaram na memória da gente. Ou pode simplesmente ser o resultado de uma vida que não seguiu nenhum plano, que a obrigou constantemente a rever o próprio roteiro, a rescrever a própria história quantas vezes se mostrassem necessárias.
E não foram poucas: aos 6, perdeu o pai; aos 9, começou a trabalhar, aos 17, perdeu a mãe; aos 18, quase a vida em um acidente que deixou cicatrizes enormes no seu rosto; aos 42, o marido e parceiro, o cineasta Hector Babenco, em um desses eventos que deixam cicatrizes enormes na alma. Difícil cicatrizar, difícil entender. Mas não paralisante.
Barbara, afinal, encontrou na arte uma maneira de viver e morrer um pouco de cada vez, apenas o necessário. Já foi Hell, já foi Renata, já foi Edith. Já já vai ser outras mulheres – ela está na próxima novela das nove, O outro Lado do Paraíso, e não esconde o desejo de voltar ao teatro, que deve acontecer em breve.
No meio de tudo isso, tem tentando ser também uma nova Barbara. Trocou São Paulo pelo Rio, arrumou novos círculos de amizade e tem dedicado parte de seus dias a finalizar um documentário sobre Babenco, buscando serenidade em poetas como Fernando Pessoa e Emily Dickinson ou em simples frases como as que costumava ouvir do marido.
“Nada como um dia após o outro e uma noite no meio.” O segredo é sobreviver até lá.
Conheça sua trajetória:
Primeira pessoa do singular
“A minha vida é uma vida de muitas superações, perdi meu pai cedo, aos 6 anos, e sempre soube que minha mãe morreria a qualquer momento, pois ela estava doente desde que nasci. Chegou um momento, porém, em que percebi que estava cansada de recontar a minha própria história, que é tão Almodóvar, tão Nelson Rodrigues. Me descobri poeta na faculdade de jornalismo, quando percebi que só conseguia falar de mim, não do outro. E ser atriz, de certa maneira, foi uma forma de descansar da minha história, de viver outras. É como escreveu Fernando Pessoa: o poeta é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente.”
O trabalho dignifica o homem
“Comecei a trabalhar aos 9 anos, queria ganhar meu próprio dinheiro, acho que era uma maneira de encontrar alguma segurança. Fazia pequenas esculturas de gesso de Nossa Senhora, de Jesus, era muito religiosa. Trabalhei ainda como palhaça, animadora de festa infantil, fui fazendo o que aparecia pela frente. Mais tarde, aos 17 anos, me mudei para São Paulo e comecei a modelar e a fazer cursos de teatro. Nunca imaginei minha vida sem trabalho, a ocupação sempre foi uma questão de sanidade para mim. O trabalho traz o meu sustento, mas vai além disso, preenche uma necessidade. Tenho tanto prazer em trabalhar, que nem sei me vender bem, se me oferecem 10 mil para uma coisa, acho lindo, não vou brigar por 20. Saber que você existe para alguma coisa, se descobrir útil, estar em movimento… De alguma forma, foi o trabalho que me curou.”
A pele que habito
“O meu maior momento de pânico foi aos 18 anos, quando sofri um acidente de carro que resultou em cicatrizes enormes no meu rosto. Depois que minha mãe morreu, mudei para São Paulo e estava indo bem, era estudante de teatro e começava a modelar, as coisas estavam acontecendo, foram seis meses promissores. Até que resolvi voltar para a minha cidade no fim do ano e sofri o acidente. Sempre tive uma fé muito grande, sempre tentei suavizar tudo de ruim que acontecia, o meu olhar sempre foi muito positivo. Mas, naquele momento, tive que lidar com o olhar do outro também, que é um olhar que reprova e agride. Como iria ser atriz com duas cicatrizes no rosto? Será que alguém iria me aceitar?”
I will survive
“Com o tempo e a maturidade, você aprende a ir tocando a vida. Se não tivesse passado por tanta coisa, talvez não tivesse bagagem para dar vida a tantas personagens, afinal, você traz tua história no olhar – não que todo mundo que faça drama tenha que sofrer (risos). Mas a verdade é que as personagens que fiz foram um tipo de psicanálise. Uma das primeiras, por exemplo, tinha uma cicatriz no rosto, assim com eu. Aprendi a conviver diariamente com o espelho, com a câmera e a lidar com isso. Vejo pessoas que passaram por tantas coisas piores, sabe? Tenho o corpo perfeito, cérebro perfeito, quando você aprende a colocar em perspectiva, algumas coisas viram detalhes, perdem tanta importância.”
Reinventando Barbara
“Às vezes, me pergunto: será que sou uma farsa? Depois da morte do Hector, no ano passado, não consegui mais ficar em São Paulo. Mudei para o Rio e comecei tudo de novo, os amigos, a vida. Cheguei a ligar para um ex-namorado para perguntar como eu era, é muito difícil ficar sem ele, sem esse grande parceiro de vida. Mas, de alguma maneira, tenho que acreditar que vão existir outras possibilidades, outras formas de amor. No momento, estou filmando a próxima novela do Walcyr Carrasco, O Outro Lado do Paraíso, e tenho trabalhado bastante num documentário sobre o Babenco, que começamos a fazer juntos quando ele ainda estava vivo. É um filme muito delicado, que conta a história de um homem que, por acaso, também era cineasta, morreu muitas vezes e voltou para contar. O Hector convivia com a doença desde seus 38 anos, ele sabia que a morte caminhava com ele, mas tinha essa força, essa vontade de viver que me fez me apaixonar por ele. O filme vai ser o fechamento deste ciclo, dos melhores anos da minha vida (eles ficaram casados entre 2010 e 2016), os anos em que desabrochei como atriz e pessoa. A saudade ainda é imensa, mas sigo tentando respirar e aguentar até o próximo dia, com a esperança de ter uma noite maravilhosa no meio. Nem sempre estamos bem, mas, como dizia o próprio Hector, nada como um dia após o outro e uma noite no meio.”