Pela inovação e ousadia, dois lançamentos chamaram atenção na animada temporada europeia do verão 2018: a Chloé, com a estreia de Natacha Ramsay-Levi na direção criativa, e a Marni, com as novas propostas de Francesco Risso.
Natacha Ramsay-Levi foi o braço direito de Nicolas Ghesquière naBalenciaga e, depois, na Louis Vuitton. Ela é super conhecida e muito respeitada no establishment francês de moda porque, apesar de ter trabalhado nos bastidores, sua presença sempre se fez notada.
O método de Ramsay-Levi para a Chloé é uma abordagem para toda a história da casa, tirando um pouquinho de cada um de seus predecessores. Desde Karl Lagerfeld, nos anos 80, no qual ela se inspirou para vestidos pintados à mão, só que agora feitos de algodão – e não mais de seda, como originalmente. Os atuais desenhos são da artista indiana Rithika Merchant, com seu magical thinking e muitos toques esotéricos.
Stella McCartney e Phoebe Philo gostavam de cavalos, e os de Natacha são micro e bordados na elegante alfaiataria longilínea. Ela diz também ter adotado a leveza de Clare Waight Keller (sua antecessora direta, que foi para Givenchy), indicando os esvoaçantes vestidos com estampa minifloral.
Em entrevista um dia antes da estreia, Natacha contou que, para abrir seu show, havia escolhido uma modelo cheia de personalidade e relativamente desconhecida, mas cujo corpo não obedecia ao molde convencional das passarelas.
Em vez de substituí-la, preferiu refazer o vestido, obedecendo às especificidades da garota. As meninas que ela apresentou no desfile vestiam roupas diferentes, de silhueta marcante, mas indicavam uma atitude urbanoide que hoje é universal. “Essa coleção é uma ode a todos que perpetuam o estilo democrático, sem fronteiras ou hierarquias”, declarou.
Natacha deu à maneira meio boho de ser da Chloé uma atenção fascinante. Argolas metálicas e ilhoses pontuando peitilhos e os bordados vazados no virginal algodão branco definem o ar alternativo. Com esse início superconfiante, cheio de informação e emoção, a grande variedade de peças e estupendos acessórios poderão daqui para frente ser identificados como autênticos Chloé.
Na Marni, apesar de não ter sido uma estreia, o que se viu foi uma espécie de retomada, já que em seu primeiro desfile, para o inverno 2017/18, Francesco Risso foi bastante criticado. Agora, depois de já ter se refeito com a coleção masculina do verão 2018, ele parece entender que deve mostrar seu próprio estilo, respeitando alguns códigos da casa ao suceder com grande responsabilidade Consuelo Castiglioni, a referenciada fundadora da marca.
Assim, Risso demonstra não ser nada tímido, revelando impulsos criativos lúdicos, voluptuosos e meio perversos, em coleção repleta de audácia, ideias e uma ótima realização. Na entrada do desfile, o clima já era meio surreal com um exótico jardim com flores gigantes, em jogo geométrico à la Alice no País das Maravilhas de Tim Burton.
O depoimento fashion de Risso, finalmente aplaudido pela imprensa, é uma vitória da estranheza sobre o rigor minimalista meio vigente. As suas silhuetas flertam sempre com o oversized, num mix do New Look deChristian Dior, de 1947, com as fantasias mais profanas realizadas paraMaria Antonieta, a rainha, quando surgem nas sedas brocadas. Curvaturas máxi também fazem na alfaiataria uma espécie de desconstrução / reconstrução, mas de linguagem corrente, glamorosa e muito generosa.
As roupas e os acessórios também têm ousadia e bom humor – entre o divertido e o hilário – num código capaz de tocar todo mundo e, melhor ainda, aliviar certa tensão que paira sobre a indústria do luxo numa época de mudanças e indefinições.
Outro detalhe notável é que, quando alcançam as lojas, as coleções da Marni têm roupas sensacionais e muito vendáveis, inclusive após a malfalada estreia de Risso, o que significa que ele sabe destrinchar comercialmente as ideias que leva às passarelas.
Por tudo isso, mais uma vez fica claro que a moda vai depender do individualismo de estilistas que consigam trazer ideias brilhantes do passado para uma linguagem absolutamente contemporânea.
Créditos: Vogue