Da gripe “espanhola” (H1N1) de 1918 à influenza H1N1 em 2009, passando pelas gripes asiáticas (H2N2) de 1957-1960, e as de Hong Kong (H3N2) de 1968, e agora o COVID19, todas tem um agravante em comum, a obesidade
O aumento da prevalência da obesidade representa um fenômeno mundial que está associado a várias doenças. As causas exatas da obesidade ainda são desconhecidas. No entanto, parece haver uma relação complexa entre fatores biológicos, psicossociais e comportamentais, que incluem composição genética e epigenéticos, status socioeconômico, influências culturais, padrões de consumo alimentar, desenvolvimento urbano, hábitos de vida, aumento da idade materna, privação do sono, desreguladores endócrinos, medicamentos e estresse crônico.
Nos últimos 100 anos, devido aos avanços tecnológicos no processamento de alimentos, nossa ingestão alimentar mudou. Alimentos com menos fibras, porém com mais gordura, açúcar refinado, sal, aditivos químicos, conservantes e principalmente calorias, estão prontamente disponíveis e geralmente são mais baratos e menos trabalhosos que as alternativas mais saudáveis. Com tantas facilidades houve um aumento concomitante no consumo de alimentos hipercalóricos e com menos nutrientes, em detrimento ao consumo de frutas, verduras, legumes, cereais integrais e sementes.
Nos países industrializados, cerca de 50% da população está com sobrepeso ou obesidade, com prevalência aumentando anualmente. Nos EUA, o último relatório NHANES/2018, indicou que cerca de 39,8% dos adultos americanos com 20 anos ou mais têm obesidade, sendo 7,6% obesidade grave. Globalmente, são mais de 1,9 bilhão de adultos acima do peso e 650 milhões são obesos, com consequências adversas graves como diabetes (DM), hipertensão arterial (HAS), doenças cardíacas entre outras. No momento o impacto da obesidade está se refletindo também em pacientes contaminados com COVID-19.
A epidemia do novo coronavírus é causada por uma cepa do vírus tipo influenza (SARS-CoV-2). Desde a pandemia da gripe “espanhola” de 1918, sabe-se que a desnutrição, o sobre peso e obesidade estão ligadas a um pior prognóstico da infecção viral. As gripes asiáticas de 1957-1960 e as de Hong Kong de 1968 confirmaram que a obesidade e o diabetes levavam a uma mortalidade mais alta e a uma duração mais prolongada da doença, mesmo que os indivíduos estivessem sem outras condições crônicas que aumentassem o risco. Durante a pandemia do vírus influenza a H1N1 em 2009, a obesidade também foi associada ao aumento da gravidade da doença, e a um fator de risco aumentado para hospitalização e morte.
Entre abril de 2009 e janeiro de 2010, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças estimaram que 41 a 84 milhões de pessoas foram infectadas pelo vírus da influenza H1N1, e que entre 180 e 370 mil pacientes infectados foram hospitalizados, com 8 a 17 mil mortes. Vários relatos de todo o mundo identificaram obesidade e obesidade grave como fatores de risco para hospitalização e ventilação mecânica. Por exemplo, na Califórnia, entre abril e agosto de 2009, 1.088 pacientes com influenza H1N1 foram hospitalizados ou morreram. Dos 268 pacientes com idade ≥ 20 anos, nos quais o IMC foi calculado, 58% apresentavam obesidade (IMC ≥ 30) e 67% desses apresentavam obesidade grave (IMC ≥ 40). 66% das pessoas com obesidade também tinham doenças pré-existentes, como doença pulmonar crônica, incluindo asma, problemas cardíacos ou diabetes. Entre os doentes hospitalizados no Novo México em 2009, 46% eram obesos, e 56% das pessoas com necessidade de ventilação mecânica apresentavam obesidade grave.
O impacto desproporcional da gripe H1N1 e agora COVID‐19 em pacientes com obesidade e obesidade grave não é surpreendente, dado o impacto desta doença na função pulmonar. Segundo a nutricionista Adriana Stavro, a obesidade está associada à diminuição do volume de reserva expiratório, capacidade funcional e complacência do sistema respiratório. Em pacientes com gordura abdominal aumentada, a função pulmonar é ainda mais comprometida.
Para a nutricionista, embora os efeitos do novocorona vírus em pacientes com obesidade ainda não tenham sido bem descritos, a experiência com a gripe H1N1 deve servir como cautela no cuidado com estes pacientes, especialmente obesos graves. A prevalência de obesidade e obesidade grave em 2017 aumentou em relação 2010. Essas observações sugerem que a proporção de indivíduos nestas condições, e infecções por COVID-19 aumentará em comparação com a H1N1, e a doença provavelmente terá um curso mais grave nesses pacientes. Essas observações enfatizam a necessidade de maior vigilância, prioridade na detecção do vírus e terapia agressiva para os obesos contaminados por COVID-19.
Adriana Stavro explica que “Outro agravante para obesos e obesos-diabéticos é em relação a imunidade.” Estes apresentam alteração em diferentes etapas da resposta imune inata e adaptativa, caracterizada por um estado de inflamação crônica e de baixo grau. Além disso os obesos apresentam concentrações cronicamente mais altas de leptina (uma adipocina pró-inflamatória) e mais baixa de adiponectina (uma adipocina anti-inflamatória).
Esse ambiente hormonal desfavorável também leva a uma desregulação da resposta imune e pode contribuir para complicações relacionadas à obesidade. Estes pacientes também têm maior concentração de várias citocinas pró-inflamatórias como TNF-alpha (fator de necrose tumoral Alfa), MCP-I (macrophage chemoattractant protein I) e IL-6 (Interleucina 6), produzidas principalmente pelo tecido adiposo visceral e subcutâneo, levando a um defeito na imunidade inata. Além disso, o acréscimo de citocinas inflamatórias associadas ao excesso de peso pode contribuir para o aumento da morbidade associada à obesidade nas infecções por COVID-19. Uma resposta pró-inflamatória desregulada também contribui para as graves lesões pulmonares.
Outra questão importante entre os obesos é o sedentarismo. A inatividade física prejudica a resposta imune contra agentes microbianos em várias etapas da resposta imune, incluindo a ativação de macrófagos e a inibição de citocinas pró-inflamatórias.
A atividade física regular e a alimentação equilibrada e balanceada estão associadas positivamente a resultados favoráveis na saúde metabólica (diabetes, obesidade entre outras) e imunológica (níveis de ativação imune). Intervenções com exercícios físicos e mudanças de hábitos alimentares demonstraram ser benéfico para reduzir o risco de complicações, modulando a inflamação e aumentando a imunidade.
O tratamento é complexo e multiprofissional, pois os indivíduos obesos não enfrentam apenas um risco aumentado de complicações de saúde graves, mas também uma forma generalizada de estigma social. Frequentemente eles são entendidos (sem evidência) como preguiçoso, guloso, sem força de vontade e autodisciplina. Indivíduos com sobrepeso ou obesidade são vulneráveis a discriminação no local de trabalho, educação, instituições de saúde e sociedade em geral. Desafiar e mudar crenças difundidas e profundas, preconceitos de longa data, e mentalidades predominantes, exige esforços conjuntos de todas as partes interessadas, paciente, profissionais de saúde, pesquisadores e familiares.
“Como vimos, são muitos os problemas causados pela obesidade e são muitos os fatores que podem causar a obesidade. Por isso um emagrecimento saudável e sustentável é difícil e vai muito além de dietas milagrosas. O fato é que o que comemos é um dos principais determinantes de nossa saúde, expectativa e qualidade de vida, que quando bem administrada é uma ferramenta poderosa na prevenção e na melhora dos sintomas de muitas doenças.” Finaliza a nutricionista Adriana Stavro.
Fonte: Divulgação