A contaminação de utensílios e alimentos pode provocar uma infecção gastrointestinal, cujas principais consequências são vômito, diarreia e desidratação. Veja como diminuir o risco com medidas simples e fáceis de colocar em prática.
Todos os anos, 600 milhões de pessoas ficam doentes e 420 mil morrem por causa de doenças transmitidas por alimentos. As causas mais comuns são as bactérias, que proliferam em comidas mal conservadas ou fora do prazo de validade. Elas podem provocar infecções gastrointestinais mais sérias, que em alguns indivíduos evoluem para quadros de vômito, diarreia, desidratação bem intensos.
Esses dados globais, compilados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), sempre chamaram a atenção do professor de microbiologia Uelinton Pinto, do Centro de Pesquisa em Alimentos da Universidade de São Paulo (FoRC-USP).
O especialista resolveu, então, montar uma equipe para investigar o impacto desse problema no Brasil. O primeiro passo do grupo foi publicar uma pesquisa em 2019, que descobriu 247 mil casos e 195 mortes relacionadas a doenças transmitidas por alimentos no país entre 2000 e 2018.
“Uma das coisas que observamos é que grande parte das contaminações acontece em casa”, revela Pinto.No final de 2021, o time de cientistas decidiu entender mais a fundo como alguns hábitos comuns entre brasileiros na hora de armazenar e cozinhar os alimentos contribuem para esse cenário. Eles elaboraram um questionário online, que foi respondido por 5 mil pessoas espalhadas por todos os estados do país.
“Cerca de 46% dos participantes disseram lavar carnes na pia da cozinha, 31% só higienizam as verduras com água corrente e 24% consomem carnes malcozidas”, resume.”Esses números nos mostram que existe muita coisa errada que fazemos na cozinha e que aumenta o risco de uma infecção”, interpreta o microbiologista.
A seguir, você confere os erros mais comuns na higiene deste ambiente e como é possível, por meio de mudanças simples, diminuir a probabilidade de contaminação. As orientações estão baseadas nas entrevistas feitas pela BBC News Brasil e numa cartilha publicada recentemente pelos próprios pesquisadores da FoRC-USP
Lavar o frango é um dos erros de higiene mais comuns (e perigosos), segundo especialista — Foto: Getty Images via BBC
De acordo com o levantamento recente, esse é o erro mais frequente entre os brasileiros. Muitos pensam que lavar a carne crua em água corrente elimina impurezas e aquela fina camada gosmenta que recobre a superfície desse alimento.
O hábito é errado e perigoso à saúde: o grande problema é que o jato de água que sai da torneira e bate no frango costuma respingar em tudo que está próximo.Imagine, por exemplo, que do lado da pia você deixou um pano de prato e algumas louças, panelas e talheres para secar. As gotículas de água que respingaram no frango (e foram contaminadas por bactérias presentes no alimento) podem parar nesses objetos que, teoricamente, estavam limpos.
“O frango possui naturalmente uma certa quantidade de bactérias e a melhor maneira de eliminá-las é por meio do processo de cozimento”, ensina Pinto.A recomendação, portanto, é não lavar o frango antes de temperar ou botar na panela (ou no forno).
Agora, se mesmo assim você fizer muita questão de passar essa carne na água, tente fazer isso com todo o cuidado, sem muitos respingos ou objetos próximos.
Cozinhar bem as carnes e os ovos, aliás, é outro ponto sensível por aqui. O ideal é que o núcleo dos alimentos atinja uma temperatura de, no mínimo, 70ºC. Isso garante que a maior parte dos micro-organismos foi eliminada.
Uma maneira de observar isso é utilizar termômetros específicos para culinária, ou checar no olho mesmo se o centro da carne já não está mais vermelho ou com aquele aspecto de cru.
2. Usar apenas água para higienizar vegetais que serão consumidos crus
Outro erro comum nos lares brasileiros: só passar um pouco de água em frutas, verduras e legumes consumidos crus — Foto: Pexels
Mesmo que essa limpeza superficial ajude a tirar impurezas maiores, ela não é capaz de eliminar completamente os micro-organismos que se acumulam na superfície desses alimentos.
A recomendação é mergulhá-los numa bacia que tenha uma mistura de água e hipoclorito de sódio por cerca de 15 minutos. Depois, basta lavar em água corrente e secar antes de guardar na despensa ou na geladeira, dependendo do alimento.
“Para cada litro d’água deve-se acrescentar uma colher de sopa de hipoclorito”, diz Pinto.
Você pode encontrar esse produto à venda em feiras livres, supermercados, farmácias e hortifrutis. Ele também está disponível gratuitamente em alguns postos de saúde.
Outra opção aqui é a água sanitária comum. Nesse caso, sempre leia atentamente o rótulo — para higienizar os alimentos, nunca utilize as opções que trazem outras substâncias além do próprio hipoclorito. Outros ingredientes que podem aparecer em formulações de água sanitária, como os alvejantes, podem ser tóxicos se consumidos.
Esse rito de limpeza não precisa ser seguido à risca nos vegetais que são descascados e cozidos, como a batata e a mandioca. O próprio fogo já vai eliminar os micro-organismos potencialmente danosos.
3. Não limpar as mãos antes de mexer nos alimentos
Antes de iniciar qualquer receita, é importante lavar as mãos com água e sabão — Foto: Pexels
Agora, de nada adianta ter um alimento limpo se as mãos que você utiliza para manipulá-los estão sujas.
Nesse caso, patógenos que foram parar nas unhas e nos dedos podem “pular” para a comida, num processo que os especialistas chamam de contaminação cruzada.
Antes de iniciar qualquer receita (ou simplesmente pegar uma maçã para comer), é importante lavar as mãos com água e sabão.
Caso não tenha uma pia por perto, o álcool gel pode ser um ótimo substituto para fazer essa higiene básica antes de qualquer refeição.
É importante lavar a faca e a tábua de corte depois que ela teve contato com um alimento cru, como uma carne vermelha — Foto: Getty Images via BBC
Falando em contaminação cruzada, imagina o risco que você corre ao cortar uma carne crua e, na sequência, utilizar a mesma tábua e a mesma faca para destacar as folhas de uma alface.
Os micro-organismos que estavam na carne podem passar diretamente para a verdura, que será consumida crua numa salada.
“Também é importante sempre lavar as mãos depois de mexer com qualquer alimento cru e, na sequência, for manipular algo que já está cozido ou pronto para consumo”, acrescenta a professora de microbiologia Mariza Landgraf, do FoRC e da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, que também colaborou na criação da cartilha.
5. Esperar a comida esfriar antes de colocar na geladeira
Essa explicação nos ajuda a entender por que esperar o alimento esfriar para conservá-lo na geladeira não é uma boa ideia.
Se, depois da refeição, as sobras ficam na pia ou em cima da boca do fogão por muito tempo, isso pode representar a oportunidade perfeita para algumas bactérias se multiplicarem ali.
A temperatura da panela ou da travessa cai aos poucos depois que o fogão ou o forno é desligado, até chegar nos parâmetros ideais para que esses seres microscópicos proliferem.
Se a comida vai direto para a geladeira, a temperatura mais baixa impede a reprodução acelerada dos patógenos.
Landgraf conta que esse hábito de deixar o alimento esfriar na temperatura ambiente vem do passado, quando as geladeiras eram menos eficientes e botar algo quente dentro delas representava até um gasto extra de energia elétrica.
“Com a evolução desses eletrodomésticos, isso deixou de ser um problema tão grave como antes”, compara a especialista.
6. Não colocar os alimentos no local mais adequado da geladeira
Prateleiras superiores, gavetas, compartimentos na porta… A temperatura pode variar consideravelmente de acordo com cada espaço do eletrodoméstico.
E isso, mais uma vez, pode influenciar na multiplicação dos micro-organismos — alimentos frescos ou que já passaram pela cocção precisam ficar mais protegidos no frio, enquanto conservas, bebidas e temperos não necessitam de temperaturas tão baixas.
É por isso que os fabricantes das geladeiras e a cartilha do FoRC-USP recomendam que as pessoas coloquem os produtos nos lugares mais adequados, como você confere na lista a seguir:
- Primeira prateleira (a mais alta): ovo, iogurte, leite e derivados;
- Segunda prateleira (a do meio): sobras de alimentos;
- Terceira prateleira (a de baixo, em cima da gaveta): alimentos em processo de descongelamento;
- Gaveta: verduras, legumes e frutas;
- Porta: bebidas, temperos, geleias, conservas, suco e água.
- Pescados, carnes e frios: 3 dias;
- Molhos: 20 a 30 dias;
- Sobras de comida: 1 a 2 dias;
- Frutas, legumes e verduras: 3 a 7 dias;
- Leite: 2 a 5 dias;
- Produtos de panificação e confeitaria: 5 dias;
- Ovos: 7 dias.
7. Deixar carnes em embalagens sem vedação
Que fique claro: a geladeira não impede completamente o processo de multiplicação dos micro-organismos. Eles vão continuar lá — e é natural que existam nos alimentos —, mas vão demorar muito mais para crescer e criar colônias.
E um dos maiores riscos nesse ambiente mais frio está na forma com que guardamos as carnes cruas.
Geralmente, elas vêm dos açougues e dos supermercados em saquinhos ou bandejas de isopor e filme plástico e trazem um pouco de líquido ou sangue que carrega bactérias.
Se a embalagem possui qualquer rasgo, esse material pode escapar e respingar em outros alimentos.
Para evitar que isso se torne realidade, o ideal é trocar a carne de recipiente — colocá-la num pote de plástico ou de vidro que tenha uma tampa é uma boa sugestão.
Isso vale, claro, se você for consumir esse alimento nos próximos dois ou três dias. Caso ele só vá para a panela depois desse tempo, o mais adequado é estocá-lo no congelador — que, inclusive, é o tema do nosso próximo tópico.
8. Descongelar alimentos na temperatura ambiente
O freezer é o local onde ficam as comidas prontas, as carnes cruas, os sorvetes e o gelo.
Ali, a temperatura é tão baixa que praticamente inviabiliza a sobrevivência dos micro-organismos.
O perigo acontece na hora em que esses alimentos são descongelados.
A pesquisa do FoRC-USP descobriu que 39% dos respondentes descongelam a comida em temperatura ambiente e 16% colocam o produto numa bacia cheia d’água para acelerar o processo.
Os dois métodos representam um perigo de contaminação: conforme o alimento é descongelado, ele solta água e cria o ambiente perfeito para a proliferação das bactérias.
“O adequado é sempre descongelar na geladeira. E isso não só por causa dos micro-organismos, mas pela própria textura do alimento”, avalia Landgraf.
“Se ele descongelar aos poucos, vai absorvendo aquela água e não perde textura”, complementa.
Outra opção, caso você esteja com mais pressa, é utilizar o micro-ondas, que geralmente tem uma função específica para fazer o descongelamento.
Por fim, não podemos nos esquecer de fazer a faxina periódica desse eletrodoméstico.
O objetivo é eliminar manchas, cascas e restos que invariavelmente caem dos recipientes e das travessas. Todo esse material pode servir de comida para os micro-organismos.
O primeiro passo é desligar a geladeira da tomada e retirar todos os alimentos. Aproveite para checar a data de validade nas embalagens e jogar fora aqueles que já passaram do ponto.
Retire as peças removíveis, como prateleiras, gavetas e compartimentos. Lave tudo com água e detergente neutro. Depois, deixe secar naturalmente.
O terceiro passo é esfregar uma esponja umedecida com água e detergente neutro na parte inteira da geladeira. Use um pano úmido para enxaguar e, em seguida, seque com um pano limpo.
Para finalizar, coloque todas as partes removíveis de volta e retorne os alimentos aos locais adequados.
A cartilha do FoRC-USP recomenda que essa faxina na geladeira seja feita ao menos uma vez por mês.