Enfim podemos comprar a caminhonete mais vendida dos Estados Unidos nos últimos 40 anos. É um bom negócio?
Nos anos de escola, nunca fui o maior fã de matemática. Mas alguns temas me fascinam até hoje, depois de mais de uma década longe das salas de aula. Um deles é estatística. Com ela é possível provar (ou rechaçar) teses usando números e relacionar os fatos aos numerais. Então, decidi evocar as estatísticas para falar da Ford F-150, que acaba de ser lançada no Brasil.
Vamos lá. Existe alguma outra definição, senão fenômeno, para um veículo que tem uma unidade vendida a cada 49 segundos? E como classificar o automóvel líder de vendas no segundo maior mercado automotivo do mundo por 41 anos consecutivos? Aqui vai uma consideração: essas são estatísticas da F-150nos Estados Unidos, mercado consideravelmente mais maduro e abonado do que o brasileiro. Mas não é que a Ford já conseguiu alguns feitos interessantes por aqui?
Mesmo custando de R$ 479.990 a R$ 509.990e ocupando o posto de picape mais cara do país (a Ram 3500 é oficialmente um caminhão), as primeiras 500 unidades trazidas para a pré-venda esgotaram em menos de uma hora e ajudaram a Ford a faturar cerca de R$ 240 milhões. Fechar as fábricas e apostar nos importados parece não ter sido um mau negócio, no fim das contas. Aliás, mais do que ajudar financeiramente, a F-150 é um importante produto na trajetória de recuperação da imagem da fabricante após ter encerrado a produção local.
E a Ford poderá promover aF-150 de várias formas. Uma delas é dizendo que sua picapona é a mais potente do Brasil. São 405 cv — só 5 cv a mais do que a maior concorrente, Ram 1500. Se a diferença entre elas na potência é pequena, no consumo a Ford é consideravelmente melhor. De acordo com o Inmetro, a F-150 roda com gasolina 6,3 km/l na cidade e 8,6 km/l na estrada, contra 5,3 km/l e 6,6 km/l, respectivamente. Como o tanque de combustível ainda é 38 litros maior na picape da Ford (136 litros), a autonomia rodoviária chega a 1.169 km.
Fora dos laboratórios de medição, as médias devem ser até melhores. Em nossos testes, o consumo rodoviário da F-150 foi de bons9,7 km/l. Se conseguir controlar o ímpeto no pé direito, o motorista terá sempre à disposição um veículo dócil e pacato. Isso porque o motorV8 5.0 Coyote e o câmbio automático de dez marchas podem até ser os mesmos do Mustang, mas trazem calibrações próprias para uma picape. Isso significa que quase sempre a F-150 roda relaxada e em rotações mais baixas.
A 60 km/h, por exemplo, o câmbio vai naturalmente para a oitava ou nona marcha. Em cargas baixas, quatro dos oito cilindros ainda são desativados em nome da economia de combustível. Mas basta pressionar o pedal do acelerador com algum vigor que o V8 acorda. Duas, três marchas para baixo, consumo indo para o espaço e desempenho surpreendente para um bicho de 2,5 toneladas e quase 6 metros de comprimento. Na pista do TMT Campo de Provas, a gigante levou apenas 7,3 segundos para ir de 0 a 100 km/h.
Ao todo, são oito modos de condução, incluindo um esportivo e outro econômico. Entre eles, alguns mapas específicos para práticas off-road que acionam a tração 4×4 e, se necessário, a reduzida. Cada mudança pode ser vista por meio de uma animação exibida no quadro de instrumentos digital de 12 polegadas. Durante nosso rápido contato com aF-150, não pudemos experimentar situações com menos aderência ou em superfícies acidentadas.
Na cidade, porém, a picape se mostrou extremamente confortável em termos de suspensão e direção. Menção especial para o gigantesco volante — compatível com o tamanho do veículo. Mas é preciso ter cuidado ao frear a F-150. Com tamanha massa, nem mesmo os freios a disco nas quatro rodas fizeram com que a grandalhona parasse em uma distância razoável.
Ela foi pior, por exemplo, do que os “populares” Hyundai HB20 e Volkswagen Polo Track, que usam tambores no eixo traseiro. As duas versões oferecidas no Brasil têm rodas de 20 polegadas calçadas com pneus Hankook 275/60 — que, diante do tamanho da picape, parecem até pequenos.
A F-150 é o maior veículo que já dirigi na vida. São 5,88 metros de comprimento e 1,96 m de altura. Ela faz qualquer picape média parecer pequena e dá a impressão de que um subcompacto é, na verdade, um carrinho de brinquedo. É possível acomodar um Renault Kwid nos 3,67 m de entre-eixos. E os reflexos disso aparecem logo, principalmente quando se está em uma cidade tão grande como São Paulo. Em menos de dez minutos ao volante em uma via com faixas mais apertadas, dois motociclistas “beliscaram” os retrovisores. Não os culpo, já que é difícil acomodar os 2,09 m de largura (sem considerar os retrovisores) em certas ruas.
Porém, contrariando as estatísticas, a F-150 é mais fácil de manobrar do que muitos SUVs menores por aí. As diversas câmeras espalhadas pela carroceria dão ótima noção de distância dos obstáculos. Também ajuda o fato de as imagens serem projetadas em uma tela de 12 polegadas. Se você pretende acoplar um reboque, saiba que ela não só tem capacidade de puxar 3.515 kg como possui uma série de auxílios, como receptor de trailer com preparação elétrica, controles de freios e oscilação e assistente de manobras em marcha a ré.
Contudo,esteja ciente de que a capacidade de carga da F-150 é só um pouco maior do que a de uma Fiat Strada Volcano, e varia de681 kg a 728 kg, de acordo com a versão. Ou seja, na caçamba de 1.370 litros e 1,70 m de comprimento vão objetos grandes, mas não muito pesados. Caso você precise subir no compartimento, escada e apoio retráteis podem ser montados para facilitar (ou viabilizar) o acesso. A tampa tem abertura elétrica e uma régua para possíveis medições. A caçamba multiuso ainda traz uma tomada de 110V, luzes de LED e apoios para ganchos de amarração. Versátil, não? Só faltou uma capota marítima.
Agora, se você precisa acomodar objetos de valor ou garantir que eles não fiquem à mercê das intempéries do tempo, há um compartimento com trava abaixo dos bancos traseiros que pode ser acessado erguendo os assentos. Há diversos outros compartimentos espalhados pela cabine, com destaque para o gigantesco porta-objetos localizado no console central. Na versão Platinum, o apoio de braço ainda pode ser dobrado para a frente e ser transformado em uma mesa plana para trabalho que acomoda até um notebook médio. E não se preocupe se o computador estiver sem bateria, afinal há outras duas tomadas de 110V na cabine.
A lista de traquitanas da F-150 Platinum cresce quando incluímos estribos laterais funcionais retráteis, manopla de câmbio rebatível, iluminação externa 360 graus (acionada pelos faróis de LED), luzes de ré e da caçamba e pequenas lâmpadas nos retrovisores. E também uma série de recursos de segurança e conforto, esses mais convencionais. A picapona tem oito airbags, frenagem de emergência, assistente de manutenção em faixa, faróis de LED, ar-condicionado digital de duas zonas, um generoso teto solar panorâmico, bancos de couro com ajustes automáticos, aquecimento e ventilação, sistema de som Bang & Olufsen e pedais com ajustes automáticos.
Com um pacote de equipamentos recheado, boa dirigibilidade, capacidade off-road, motor competente e consumo mais baixo do que o daRam 1500, quais são as chances de a F-150 se dar bem no Brasil? Eu diria que seriam maiores se a Ford tivesse tido a coragem de importar a picape antes de a rival ter se estabelecido por aqui. Mas mesmo com esse atraso, acredito que a líder de mercado dos EUA fará um relativo sucesso. Afinal, contrariou as estatísticas e agradou até quem não gosta de andar em veículos gigantes em cidades com ruas estreitas e trânsito caótico.
Fonte: AutoEsporte