A sessão sobre a admissibilidade do processo de impeachment contra a Presidente da República foi a oportunidade para que a população brasileira conhecesse melhor os deputados. O clima típico de copa do mundo e a grande expectativa com o resultado da votação fez com que milhões de brasileiros tivessem pela primeira vez uma imersão aos trabalhos do legislativo federal. O resultado merece uma reflexão sobre participação popular e representatividade, bem como uma análise crítica sobre os discursos proferidos pelos parlamentares na tribuna.
A atuação dos deputados na sessão histórica do domingo (17/04) deixou em segundo plano a discussão sobre crime de responsabilidade e revelou aos eleitores o nível dos seus representantes. Os discursos e acontecimentos ressoaram na população, intensificando ainda mais a divisão dos brasileiros e a estigmatização dos adversários.
A troca de salivas entre os deputados Jean Wyllys (PSol/RJ), Jair Bolsonaro (PSC/RJ) e Eduardo Bolsonaro (PSC/SP) não passou despercebida. O desafeto dos três roubou a cena até mesmo dentro de uma das votações mais polêmicas da história do Brasil. É preciso adiantar de antemão que a atitude de Jean Wyllys não se adequa ao decoro parlamentar, o revide do Baby Bolsonaro também não.
A atitude do deputado pesolista é parte de uma história de assédio moral e obsessão do deputado Jair Bolsonaro. Ideologias a parte, é inegável o quanto é constrangedor e vergonhoso presenciar Papa Bolsonaro com um papel escrito “Queimar rosca todo dia” dentro de uma comissão do Congresso Nacional. A cena se assemelha a bullying praticado dentro de uma sala de aula do ensino fundamental. Uma atitude infantil e desrespeitosa contra um deputado, contra seus eleitores e contra o parlamento brasileiro.
E quem gosta de polêmica não fica fora de confusão. O deputado Jair Bolsonaro ao proferir seu voto homenageou o coronel chefe do DOI-Codi de São Paulo durante a ditadura militar. Carlos Aberto Brilhante Ustra foi condenado em primeira instância pela morte de 60 pessoas e tortura de outras centenas. Em defesa, Bolsonaro alegou que Brilhante Ustra não foi torturador e que foi injustamente condenado. Curioso é um vídeo do próprio deputado anos atrás defendendo a tortura e a repressão violenta como meios para evitar a criminalidade.
Da mesma forma, o deputado Glauber Braga (PSol/ RJ) homenageou em seu voto personalidades polêmicas da história. Talvez o discurso de Braga nem chamasse atenção se não fosse o de Bolsonaro, mas provocou represália pela reverência a Carlos Maringhella, conhecido por alguns como terrorista e por outros como herói de resistência contra a ditadura. O importante, entretanto, é saber como os deputados reconhecem seus líderes para entender o que de fato defendem. Vale destacar que não existe ideologia que justifique ações que atentem contra a vida e contra a democracia.
Os discursos contra Eduardo Cunha (PMDB/RJ) também causaram reboliço. Parlamentares que votaram contra o processo de impeachment acusaram o presidente da Câmara de arquitetar, em conluio com a oposição, um golpe contra o governo. Alguns foram taxativos ao afirmarem que todos os votantes do sim seriam cúmplices de Cunha. É fato que as razões de Cunha quanto ao impedimento de Dilma fogem das diretrizes democráticas e republicanas, mas não quer dizer que todos que votaram favoravelmente possuem as mesmas motivações obscuras.
O outro lado também é muito estigmatizado. É também injusto supor que os parlamentares que defendem a presidente Dilma tenham cargos no governo ou façam parte de alguma negociação corrupta. A guerra de estigmas e generalizações reduz a opinião das pessoas a uma simplicidade maniqueísta, que empobrece o debate e alimenta a guerra publicitária travada nas redes sociais.
A alegação feita pelos deputados governistas contra a legitimidade de Eduardo Cunha possui lógica, mas esbarra na incoerência. O processo de impeachment ser conduzido por um presidente réu na Operação Lava Jato é um escárnio com a população brasileira. Por outro lado, a alegação de que Michel Temer e Eduardo Cunha não poderiam ser alçados aos postos de Presidente e Vice-Presidente da República, por serem ambos citados por delatores, se faz incoerente quando os mesmos parlamentares defendem a posse de Lula como ministro da Casa Civil, também investigado pela Polícia Federal.
A insatisfação generalizada com a classe política é intitulada como crise da representatividade. Embora muitos afirmem que haja equívocos no sistema eleitoral, os episódios protagonizados pelos deputados e a repercussão dos fatos na sociedade passam a sensação de que a sociedade é muito bem representada. Resta saber se essa tal crise é um egoísmo de quem não quer opiniões divergentes representadas no Congresso ou se é apenas a negação da própria essência da sociedade.