Na Física, para se calcular grandezas é preciso que o observador considere um referencial. No estudo da cinemática, por exemplo, pode-se dizer que um corpo está estático ou em movimento dependendo da referência que se leve em conta. Dentro de um ônibus, um passageiro pode estar em repouso em comparação a outro e ao mesmo tempo em movimento em relação a uma placa de trânsito afixada na rua. O uso de um referencial é importante também para analisarmos fatos. Na política, é adequado compararmos os acontecimentos ao longo do tempo, a fim de situarmos as pessoas nas suas devidas posições.

No episódio do grampo em que a presidente Dilma liga para anunciar a chegada do “Bessias”, _segundo Sérgio Moro, para a “salvação” de Lula_ a Presidência da República e os parlamentares petistas alegaram que o foro privilegiado da presidente impediria a divulgação da conversa, sendo o juiz responsável pela Operação Lava-Jato obrigado a remeter de imediato ao Supremo Tribunal Federal (STF) o teor das escutas.

Vale lembrar que o ex-senador Demóstenes Torres também foi pego por grampos ao ligar para Carlinhos Cachoeira, investigado pela Polícia Federal. Tal como aconteceu recentemente com a presidente, o áudio do ex-senador goiano foi divulgado pela imprensa. Muito embora igualmente tivesse foro por prerrogativa de função, a tese não foi suficiente para evitar a cassação do mandato. Na época, os senadores petistas não consideravam o argumento do foro privilegiado pertinente, mas agora mudaram de ideia.

A aceitação do pedido de Impeachment contra a presidente Dilma não poderia senão causar alvoroço. Para analisar as alegações que membros da oposição e do governo bradam nas tribunas e nos microfones, é preciso inverter os papéis. Vamos comparar!

No segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a oposição (PT, PC do B e PSB) pediu o impedimento do então dirigente tucano sob a justificativa de “estelionato eleitoral” e crime de responsabilidade na execução do Proer (Programa de Estímulo à Reestruturação do Sistema Financeiro Nacional) durante o primeiro mandato. Pela denúncia apresentada, o presidente em exercício teria vendido uma falsa expectativa aos eleitores, que após as eleições foram surpreendidos com o câmbio flutuante e recessão econômica. Na época, a deputada Jandira Feghali (PC do B/RJ) afirmou que a crise econômica e a falta de governabilidade eram por si só elementos suficientes para exigir o fim do governo FHC. Em resposta, o então líder do PSDB na Câmara, Aécio Neves, pediu para que os oposicionistas trabalhassem para “assegurar a democracia” (Golpe?) e acusou o PT de não aceitar o resultado das eleições.

Em defesa da presidente Dilma, o advogado geral da União, José Eduardo Cardozo, afirmou que os atos praticados no primeiro mandato não ensejam processo de Impeachment no segundo. Para Cardozo, o parágrafo quarto do Artigo 86 da Constituição Federal proíbe a responsabilização do “Presidente da República, na vigência de seu mandato, […] por atos estranhos ao exercício de suas funções”. O governo entende, nesse caso, que função é o mesmo que mandato. Em 1999, o entendimento do PT era outro quando pediu o impedimento do Presidente da República por ato praticado durante o primeiro mandato.

A inversão de papéis altera os discursos. Atualmente, a deputada Jandira Feghali é adepta da tese de que o impeachment deve ter bases estritamente legais para justificar o afastamento de um presidente democraticamente eleito. Para a parlamentar, a crise econômica e a falta de governabilidade não justificam mais o impedimento. Aécio Neves pelo visto também mudou de ideia, o Impeachment não se trata mais de um golpe e tampouco seria um revanchismo eleitoral, porém é acusado pelos governistas de ser golpista por não aceitar a derrota nas urnas.

A coerência pelo visto não é o forte da classe política. Os fatos mencionados são importantes para elucidar que tal como ocorre nas eleições, o processo de Impeachment é mais uma guerra publicitária do que um ambiente de debate de ideias. Para combater acusações, uma tática muito utilizada é a desqualificação do adversário.

Recentemente, a revista IstoÉ foi tachada de sexista pelo Palácio do Planalto e por parlamentares governistas. Gleisi Hoffmann (PT/PR), em sua página no Facebook, considera que a revista foi machista e grosseira ao publicar notícia sobre um possível “desequilíbrio emocional” da presidente. A alegação, no entanto, carece de um referencial. Nesse caso é preciso demonstrar algum episódio em que a revista tenha exaltado num homem as características que ela criticou na presidente Dilma. Talvez, se a IstoÉ tivesse chamado a presidente Dilma de “mulher do grelo duro” para a senadora não seria grosseria, machismo e nem homofobia.

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