O Advogado-Geral da União, José Eduardo Cardozo,em defesa de Dilma Rousseff na comissão que avalia a admissibilidade do processo de impeachment no Senado, sustentou que a conjuntura política e a crise econômica não ensejam o impedimento da Presidente da República. Para Cardozo, o desejo puramente político para afastar o mais alto mandatário do poder executivo é próprio do sistema parlamentarista, mas inaceitável no presidencialismo. Não obstante, segundo o advogado, a Constituição Federal delimita o julgamento no que concerne crime de responsabilidade.

A estratégia da defesa é delimitar ao máximo a abordagem dos senadores, tanto que o advogado-geral argumenta que quaisquer novos fatos que não estejam na denúncia representaria nulidade do processo. Embora alegue a falta de legitimidade do presidente da Câmara dos Deputados para aceitar o pedido de impeachment, José Eduardo Cardozo se apega a instrução inicial de Eduardo Cunha, que aceitou apenas dois dos três pontos da denúncia. Para o governo, o Senado só pode se debruçar sobre pedaladas fiscais e decretos para abertura de créditos suplementares, uma vez que Cunha não aceitou a parte sobre a corrupção da Petrobras.

A situação política condiciona o voto dos deputados e senadores. Sob outro cenário, o processo contra a presidente não prosperaria. Se a economia brasileira estivesse em ascensão e Dilma, por conseguinte, com ampla popularidade, não haveria ambiente propício para um processo de impeachment, ainda que houvesse crime de reponsabilidade nos mesmos termos do atual processo de impeachment. Ou seja, o executivo construiu a própria sentença.

O início

A atual conjuntura política que possibilita o impedimento de Dilma Rousseff tem origem no seu primeiro mandato. Em 2013, especialistas em finanças públicas afirmavam que a economia nacional estava estagnada e em início de franca deterioração. A base aliada no Congresso Nacional dava sinais de rebeldia e o índice de aprovação de Dilma Rousseff caía. Se antes seus desafetos queixavam-se pelos cantos insatisfeitos com o jeito truculento e impositivo da presidente, passavam a encontrar um ambiente favorável para articularem suas dissidências. Os elevados índices de aprovação nos dois primeiros anos do primeiro mandato inflaram a autoconfiança da presidente, que, por muitas vezes, blindada pela opinião pública, negligenciou a necessidade de relacionar-se e negociar com as grandes lideranças da política nacional.

Roupa suja se lava em casa

Vale recordar que a desarticulação com o bloco de apoio ao governo e o distanciamento das bases sociais no primeiro mandato proporcionaram à presidente uma atmosfera desconfortável para enfrentar a crise iniciada em 2013. No final do primeiro mandato, sem a blindagem das pesquisas de opinião, o Palácio do Planalto esteve na mira de fogo amigo. O atual líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT/CE), enquanto líder do PT chegou a liderar o movimento volta Lula para as eleições de 2014. As suas desavenças com o governo chegou ao constrangimento do retrato de Dilma ser trocado pelo do ex-presidente Lula na parede da liderança do partido.

Crise dos ministérios

Se Dilma pouco agradava a bancada petista, obviamente que não contaria com a fidelidade do PMDB. Enquanto líder do partido na Câmara, Eduardo Cunha acirrou ainda mais o clima de animosidade entre os deputados pemedebistas e o governo. Nas reuniões de bancada, Cunha fazia questão de insuflar a insatisfação quase generalizada quanto à desarticulação de Dilma com a base aliada. Sem o menor receio, o então ministro do turismo, Gastão Vieira (PMDB/MA), se fez presente em uma das reuniões para apresentar aos seus pares os números dos cortes orçamentários que as pastas ministeriais pemedebistas sofriam; esses cortes inviabilizavam o cumprimento das emendas dos parlamentares. Ademais, o Governo Federal discricionariamente concedia fundos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) prioritariamente aos ministros do PT. Essa discrepância orçamentária foi o nascedouro da PEC do orçamento impositivo, que impede atualmente o contingenciamento das emendas parlamentares.

Sem aliados

O descontentamento da base aliada tem direta relação com a péssima política institucional do governo. A senadora Gleisi Hoffmann (PT/PR), ministra da Casa Civil no primeiro mandato da presidente, e Ideli Salvatti, como ministra da Secretaria de Relações Institucionais, mostraram-se tão inábeis quanto Dilma para negociar com as bancadas do Congresso. Com dificuldades em dialogar com os parlamentares, Gleisi e Ideli fizeram o Palácio do Planalto amargar derrotas significativas. Exemplos disso foram a aprovação do Código Florestal, que contou com o apoio de parlamentares de partidos prejudicados com as reformas ministeriais, e a não recondução do ex-diretor- geral da ANTT, Bernardo Figueiredo, cuja aprovação era dada como certa.

Protestos

As manifestações populares que ocuparam as ruas por todo o Brasil no biênio de 2013 e 2014 modificaram o panorama para a reeleição de Dilma Rousseff. Parlamentares da situação isolaram a presidente e cobraram de seus partidos a saída do governo. As lideranças partidárias se preocupavam com riscos eleitorais iminentes ao se associar a uma governante mal avaliada. Por esse motivo, Michel Temer teve dificuldades para manter o PMDB no governo, mas conseguiu em votação acirrada manter-se como vice na chapa do PT.

Corrida presidencial

O resultado apertado das eleições de 2014 mostrou que o PT havia perdido expressão social. Se para alguns petistas a vitória foi um alívio, para outros mais ponderados representava o início de um mandato conturbado. O aumento da taxa de energia, os resultados negativos do PIB, o aumento da taxa de desemprego, os cortes nos programas sociais e alta inflação foram responsáveis pela queda vertiginosa no índice de aprovação do governo. Sem apoio popular, os parlamentares encontraram um ambiente favorável para uma debandada em massa. O processo de impeachment apenas é apenas reflexo do baixo apoio político a uma presidente que não soube se relacionar com o legislativo.

O desfecho

Sem sustentação social e política é quase improvável que a presidente Dilma permaneça no poder. Prevendo que os resultados da economia pulverizariam o apoio popular, a presidente precisou maquiar as contas públicas para sobreviver ao processo eleitoral. Sem saber que as pedaladas fiscais poderiam insurgir um processo de impeachment, a equipe do governo acreditou que no segundo mandato haveria tempo para contornar a situação econômica. Entretanto, o cenário que se configurou após a eleição foi muito distinto do que os petistas imaginavam.

As heranças do primeiro mandato foram devastadoras. O Governo Federal colhe frutos de uma política econômica sem planejamento e encontra resistência para aprovar os pacotes de recuperação da economia. Para reconquistar o apoio social, a estratégia foi manter os programas sociais, manobra essa que não surtiu efeito. As manifestações sociais contra o governo, pelo contrário, só ganhou força com o tempo.

Senadores petistas insistentemente sustentam a acusação de que existe um golpe em curso articulado pela oposição e pelas lideranças do PMDB. No entanto, o ambiente propício para esse suposto golpe foi construído pelo próprio governo. Dilma sempre teve a sorte de ter uma oposição fraca, mas sua inabilidade para governar superou a inabilidade da oposição de ser oposição.