por Luciana Mastrorosa*

Inevitável: as temperaturas sobem e as filas nas sorveterias dobram. Mas foi-se o tempo em que sabores tradicionais, como chocolate, creme e pistache, reinavam absolutos. Agora, as gelaterias artesanais apostam em frutas brasileiras – algumas até desconhecidas do dia a dia – para obter sabores incomuns e surpreender o paladar.

Na Le Botteghe di Leonardo, rede de origem italiana com três lojas em São Paulo, incorporar sabores locais é a lei, aliados a uma combinação de criatividade, tradição e, o mais importante, qualidade dos produtos. “Percebo que o brasileiro tem uma cultura que gosta bastante de tudo o que vem de fora, principalmente quando se fala de gastronomia”, diz o italiano Roberto Galisai, sócio-proprietário. “Mas temos a filosofia de usar só ingredientes naturais no preparo do nosso gelato, por isso aproveitamos ao máximo as frutas daqui”. Com isso, nas mãos hábeis do “maestro-gelataio” da casa, Pierpaolo Netti, maracujá, jabuticaba, manga, goiaba, cajá, tudo vira sorvete – e dos bons.

Diante da vitrine, abastecida diariamente com cremes gelados produzidos sem conservantes nem corantes artificiais, aos poucos o público vai cedendo a provar outros sabores nativos. “Brasileiro é que nem o italiano, muito curioso! Fica meio desconfiado no início, mas depois acaba pedindo”, completa Roberto. O empresário conta que os funcionários são treinados para oferecer as “novas” frutas. O cambuci – fruta nativa da Mata Atlântica, bem ácida –, é um exemplo. “É algo que não se acha na feira, por isso é importante oferecer. A mesma coisa com a pitanga. No caso da jabuticaba, a gente aproveita tudo da fruta quando está na época: até a semente”, conta.

Para encontrar os ingredientes naturais, é preciso também buscar os produtores certos. Na Momo Gelato, no Rio de Janeiro, essa tarefa fica por conta da mestre-gelateira Kátia Mattos, que teceu consistentes parcerias: as amoras orgânicas vêm de Bocaina de Minas, em Minas Gerais, enquanto a castanha de baru, típica do Cerrado, é fornecida pela Cooperativa Central do Cerrado, em Sobradinho (DF). Além disso, do açúcar ao leite, passando pelo cacau, tudo é minuciosamente escolhido dentre os melhores fornecedores brasileiros. “De sabores tropicais, a gente usa muita fruta do Pará, como cupuaçu, bacuri, açaí. Outras, a gente consegue frescas aqui no Rio mesmo, como graviola, pitanga, às vezes mangaba, seriguela”, conta Kátia. “A gente já nasceu com esse DNA que é um encontro do Brasil com a Itália”, diz a especialista. “Queria valorizar muito essa riqueza de sabores que temos aqui.”

Nativo da Amazônia, o cupuaçu tem polpa farta, suculenta e bastante perfumada. É ótimo para o preparo de sorvetes, como esta versão, que recheia duas bolachas sablé e tem cobertura de chocolate

A Le Botteghe di Leonardo partilha dessa preocupação em buscar os fornecedores de qualidade. A primeira loja da casa, nos Jardins, abriu no início do ano passado. Porém, a lista de produtores começou a ser pesquisada bem antes, em 2013. “Foi a parte mais difícil encontrar as fazendas, o leite certo. Hoje trabalhamos mais com pequenos produtores de frutas do nosso entorno, como jabuticaba, cupuaçu, cambuci e pitanga, que a gente consegue controlar de alguma forma”, diz Galisai. “Só usamos produtos que sejam 100% naturais, feito sem adição de nenhum tipo de ingrediente artificial”, reforça. Ainda não é possível utilizar tudo 100% orgânico, como desejaria o empresário. “Essa é uma das dificuldades de adaptação que encontramos aqui. Na Itália se usa muito orgânico, aqui ainda não conseguimos isso.” Além disso, a qualidade precisa estar aliada à quantidade para que o fornecedor permaneça na lista. “A gente compra 40 quilos de folhas de menta, 20 a 30 quilos de jabuticaba por vez… A quantia é grande”, diz.

 

Se o ingrediente ocupa lugar de honra na produção do sorvete artesanal, um bom equipamento não fica atrás. “A gente replica aqui no Brasil uma série de técnicas de produção artesanais italianas. A receita é criada lá, e adaptada ao contexto daqui”, explica Galisai. O maquinário, claro, é italiano. O mesmo se aplica à Momo: todo ano, Kátia e sua equipe viajam para o País da Bota – especialmente Bolonha e Rimini – em busca de equipamentos ultramodernos e técnicas de congelamento ainda mais rápidas. “Toda gelateria que temos é uma pequena fábrica. Para cada unidade que abrimos, compramos novas máquinas”, diz a especialista. “Nossa produção de gelato é diária e feita sempre no local de cada loja.”

Com formato arredondado e levemente achatado nas bordas, o cambuci tem acidez marcante e aroma intenso

E quando existe a vontade de fazer um sorvete gostoso em casa, mas não se dispõe de um equipamento de última geração, que congela em segundos? O chef Francisco Santana, da Escola Sorvete, em São Paulo, dá a dica: tudo depende da fórmula e do objetivo final. “Existem vários modos de fazer sorvete em casa. Sem máquina, dá para fazer picolé, geladinho. Tem que ver o que vai querer fazer, qual é o objetivo”, diz ele. Se a ideia é obter um sorvete mais cremoso, é fundamental utilizar um bom balanceamento de açúcares, que ajudam a dar textura. “Se for apenas com água e fruta, parte do açúcar pode ser substituída por xarope de agave ou mel, que ajudam a deixar o sorvete mais macio”, explica o especialista. A adição de itens como creme de leite, leite condensado e merengue italiano contribuem para uma textura mais cremosa.

Seja de polpa vermelha ou branca, a goiaba é um dos frutos utilizados no preparo de sorvetes

Uma vez escolhido o sabor, a mistura de ingredientes pode ser batida na sorveteira ou numa batedeira. Neste último caso, deve-se bater novamente a mistura após o congelamento e um pouco antes de servi-la, para quebrar os cristais de gelo, deixando o sorvete mais cremoso. Se for picolé, é só preencher as forminhas e levar direto ao freezer. Seja em casa ou na sorveteria, não há mais desculpas para deixar de aproveitar as frutas brasileiras neste verão.

Créditos: Revista Menu