O ato de comer está ligado a uma série de fatores cerebrais, que atuam entre a real fome e a vontade de comer

A relação entre a comida e os sentimentos é dada logo quando nascemos. O ato de amamentar envolve amor entre mãe e filho, criando laços que podem refletir ao longo da vida. Além disso, a maioria das nossas celebrações acontecem em torno da mesa. Dos aniversários às datas comemorativas, como Natal e Ano Novo, as refeições tornam-se períodos de comunhão e interação.

Por isso, a ligação entre a comida e o psicológico é muito complexa, podendo acontecer de forma saudável, ou desencadeando distúrbios como compulsão alimentar, anorexia e bulimia.

Dentre os casos mais complexos e os mais simples, quem nunca se flagrou beliscando algum alimento, mesmo sem estar com fome, por pura descarga emocional? Em tempos de fartura e de geladeiras bem recheadas, muitas vezes, pode ser difícil diferenciar a vontade de comer da fome.

“O centro de comando, o drive alimentar, é que realmente determina o apetite. O que é diferente do desejo de comer algo doce. Isso está relacionado ao sistema límbico, o sistema do prazer alimentar, que, por sua vez, está ligado a alguns neurotransmissores como a serotonina”, aponta o endocrinologista titular da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), Guilherme Renke. Tal fato explica porquê comer doce nos faz feliz: a liberação da serotonina, hormômio do prazer, desencadeia boas sensações.

Mas muito além disso, os mecanismos do corpo que nos fazem sentir fome são feitos por meio de substâncias que saem do aparelho digestivo e vão até o cérebro. Sendo um dos hormônios responsável por regular o apetite, a grelina é produzida no estômago e tem suas concentrações elevadas antes das refeições. Ela viaja até o hipotálamo para que nosso corpo perceba a fome.

Sendo assim, a tarefa de perceber se estamos com fome ou com vontade de comer é um pouco mais complexa do que aparenta ser. Estamos acostumados a suprir as necessidades dos nossos corpos sem perceber. Dados os horários de café da manhã, almoço e jantar, tendemos a tornar o ato de comer uma atividade mais mecânica do que racional. Dessa forma, as refeições podem estar relacionadas a períodos de descanso durante o trabalho e até como um alívio para o estresse. Elas formam o tempo mais descontraído da rotina que, de certa forma, é controlado e preestabelecido pelos nossos compormissos.

E, por falar em estresse, é importante lembrar que o famoso hormônio regulador do nervosismo e da ansiedade também atua no descarrego emocional e na digestão. “Temos vários estudos na literatura médica que correlacionam o cortisol ao aumento da resistência insulínica, justamente porque ele participa da dinâmica da glicose e pode perturbar a dinâmica da glicemia, aumentando o apetite”, explica Guilherme. Sendo assim, comer acaba sendo uma forma de compensar a alta do cortisol com a serotonina estimulada pela ingestão dos alimentos. “Isso está intimamente relacionado à ansiedade. Logo, as pessoas que possuem uma ansiedade crônica estão mais propensas a desenvolver os transtornos alimentares”, completa.

Por isso, muitas pessoas não percebem que estão descontando seus anseios no ato de comer, o que torna ainda mais difícil diferenciar a fome do desejo. Se pararmos para analisar os hábitos do ser humano de hoje, em comparação com o de milênios atrás, essa relação com a comida já foi mais pacífica. Para o homem das cavernas, comer era uma forma de subsistência e os alimentos não eram tão disponíveis e prazerosos como atualmente. Já na Idade Média, a fartura era sinônimo de riqueza, o que indica que pessoas mais gordas eram consideradas mais bonitas por serem ricas. E, a partir disso, podemos enxergar a influência dos aspectos sociais na saúde e na estética. Atualmente, os padrões de magreza tornaram-se vigentes, junto ao fácil acesso à comida. Nessa mistura de sentimentos, hormônios e comportamento, os hábitos da atualidade estão mais ligados ao exagero, devido a alta produção de industrializados e produtos açucarados. Enquanto isso, os padrões sociais aparecem no sentido oposto.

Existem muitos outros acontecimentos que podem desencadear distúrbios, mas o balanço entre o estresse e a serotonina se destacam. Contudo, não são apenas os doces que dão alívio. Cada pessoa pode ter um alimento gatilho para a compulsão. “Existe um questionário que a gente determina se a pessoa tem compulsão ou não. A pessoa costuma atacar aquilo que é mais palatável. Algumas vão para o doce, mas não são todas. Há quem procure alimentos ricos em gordura e outros que vão para a bebida alcoólica”, exemplifica Guilherme.

Mas como saber se meu corpo pede por comida ou se é apenas vontade?

O auxílio de profissionais da saúde é essencial para entendermos os mecanismos físicos e emocionais do nosso corpo. É bem provável que você não consiga diferenciar o aumento da produção de grelina ou a alta do cortisol, por isso, transtornos alimentares precisam ser diagnosticados por nutricionistas, psicólogos e médicos. O endocrinologista chama atenção para a importância de cada refeição. “Quando passamos muitas horas sem comer, os hormônios aumentam e, somados a uma situação de estresse, acabamos comendo muito no fim do dia”.

Criando um padrão alimentar saudável, podemos controlar as vontades do corpo e perceber o organismo de forma diferente. Isso envolve uma série de testes que investigam não só os tipos de comidas ingeridos, mas a rotina do indivíduo, que deve ter um tempo dedicado a alimentação, sem grandes distrações, como o trabalho e o uso de celulares.

Os vários tipos de terapia também são importantíssimos, podendo envolver psicólogos e psquiatras. Com o corpo desequilibrado, é provável que haja falta ou excesso de alguns hormônios, as quais devem ser detectadas por um especialista.

Fonte: Revista Casa e Jardim