Uma nova pesquisa registrou a atividade cerebral de pessoas que sofrem com parassonia, o nome científico para “sonambulismo”
Você é ou conhece alguém que é sonâmbulo? Esse comportamento anormal do sono — conhecido popularmente como “sonambulismo” e cientificamente como “parassonia” — é um distúrbio que acontece por uma alteração no funcionamento normal do cérebro. Nele, apesar de estar dormindo, a pessoa consegue desempenhar atividades motoras, como sentar-se na cama, caminhar e falar.
O sonambulismo é mais comum entre as crianças, mas também pode afetar cerca de 2 a 3% dos adultos, de acordo com pesquisadores do sono. Para entender melhor o que acontece no cérebro durante episódios de sonambulismo, pesquisadores do Instituto Holandês de Neurociências conduziram um novo estudo, publicado no último dia 9 na revista científica Nature Communications.
“Acreditava-se comumente que os sonhos ocorriam apenas em um estágio do sono: o sono REM. Agora sabemos que os sonhos também podem acontecer em outras fases. Aqueles que experimentam parassonias durante o sono não-REM às vezes relatam ter experiências semelhantes a sonhos e às vezes parecem completamente inconscientes (ou seja, no piloto automático)”, explica Francesca Siclari, chefe do laboratório de sonhos em que o estudo foi conduzido, em comunicado à imprensa.
O sono REM é considerado o estágio mais profundo de adormecimento, caracterizado pela paralisia temporária dos músculos do corpo, que possibilita um relaxamento completo, e dos movimentos oculares rápidos. De acordo com a Associação Brasileira do Sono, a atividade mental durante o sono REM é associada aos nossos sonhos. Já o sono não-REM é composto de três estágios, do superficial ao mais profundo.
Como o estudo foi feito?
Os pesquisadores investigaram as experiências e os padrões de atividade cerebral de pacientes com parassonia no sono não-REM. Para fazer esse tipo de análise, é preciso que o paciente adormeça, vivencie um episódio de sonambulismo e tenha sua atividade cerebral registrada.
“Atualmente existem poucos estudos que conseguiram superar isso. Mas com os diversos eletrodos que usamos no laboratório e algumas técnicas específicas de análise, agora podemos obter um sinal muito limpo, mesmo quando os pacientes se movimentam”, explica Siclari.
Para realizar o estudo, os pesquisadores precisaram provocar um episódio de sonambulismo em laboratório. Para isso, foram necessárias duas gravações: na primeira, o paciente dorme normalmente, seguido de uma noite em que ele deve permanecer acordado e só dormir na manhã seguinte.
Durante a segunda gravação, o paciente é exposto a som alto ao entrar na fase de sono profundo. Em alguns casos, isso pode resultar em um episódio de sonambulismo. Após esse episódio, os pesquisadores perguntaram ao paciente o que estava passando pela sua cabeça.
Em 56% dos episódios, os pacientes relataram que estavam sonhando enquanto estavam sonâmbulos. “Muitas vezes tratava-se de um infortúnio ou perigo iminente. Alguns relataram que achavam que o teto iria cair. Uma paciente achou que tinha perdido o bebê e estava vasculhando os lençóis e se levantou na cama para tentar evitar que joaninhas deslizassem pela parede e morressem”, explica Siclari.
A pesquisadora conta, ainda, que em 19% dos casos, os pacientes disseram não terem vivenciado nada em específico, mas acordaram fazendo movimentos como se estivessem em transe. Uma pequena parcela dos participantes relatou que havia vivenciado algo, mas não conseguia se lembrar o que era.
Com base nesses resultados, os pesquisadores conseguiram comparar as atividades cerebrais medidas e encontrar paralelos. De acordo com Siclari, os pacientes que sonharam durante o episódio tiveram ativações cerebrais semelhantes às que acontecem no estágio mais profundo do sono, como se estivessem sonhando — tanto imediatamente antes do episódio, quanto durante o episódio –, em comparação com os pacientes que não experimentaram nada.
A pesquisadora explica que o que determina se o paciente ficará completamente inconsciente ou se sonhará pode depender do estado em que o paciente se encontra no momento do episódio. “Se ativarmos o cérebro enquanto eles provavelmente já estão sonhando, eles parecem ser capazes de ‘fazer algo’ com a ativação, enquanto quando o cérebro está largamente ‘inativado’, comportamentos simples parecem ocorrer sem experiência”, explica.
Os próximos passos
A pesquisadora afirma que os resultados do atual estudo é apenas o primeiro passado para entender o que acontece com o cérebro durante um episódio de sonambulismo. Portanto, mais estudos ainda devem ser realizados.
Apesar disso, Siclari está confiante de que seu trabalho pode fornecer informações valiosas para o desenvolvimento de medicamentos para o tratamento do distúrbio do sono. “As parassonias são frequentemente tratadas com medicamentos para dormir inespecíficos, que nem sempre são eficazes e podem ter efeitos colaterais negativos. Se pudermos deduzir qual sistema neural está funcionando de forma anormal, poderemos eventualmente tentar desenvolver tratamentos mais específicos”, afirma.
Fonte: CNN Brasil